EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado n. 166.896/11

 

Ementa:

1. Lei n. 5.247, de 2 de setembro de 2011, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a organização dos Conselhos de Administração e do Conselho Fiscal do RPPS.

2. Lei verticalmente incompatível com a regra da iniciativa reservada (art. 24, § 2º, ns. 1 e 2, da CE) e com o princípio da independência e da harmonia entre os Poderes.

3. Violação aos arts. 5º; 24, § 2º, ns. 1 e 2, e 144, da Constituição Estadual.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda no art. 74, inciso VI e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (n. 166.896/11), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido de liminar, em face da Lei n. 5.247, de 2 de setembro de 2011, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, pelos fundamentos a seguir expostos.

Consigne-se, primeiramente, que a presente ação é proposta em acolhimento à representação formulada pelo Sindicato dos Servidores e Funcionários Públicos e dos Trabalhadores em Empresas de Economia Mista Municipais de Sumaré – SINDISSU.

Da lei impugnada

A Lei n. 5.247, de 4 de setembro de 2011, do Município de Sumaré, altera o art. 27, parágrafos 5º e 8º, da Lei n. 4.982/10 e o art. 2º, da Lei n. 5.087/10, modificando a forma de composição dos Conselhos de Administração e Fiscal do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS, do Município de Sumaré.

A objurgada norma tem a seguinte redação:

“Art. 1º - Os §§ 5º e 8º do Art. 27 da Lei Municipal nº 4.982, de 20 de maio de 2010, passam a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 27

§ 5º - Os membros e respectivos suplentes do Conselho de Administração e Fiscal deverão ser servidores segurados do Regime Próprio de Previdência Social’

...

§ 8º - Os representantes dos servidores, inclusive suplentes, serão eleitos pelos servidores segurados do Regime Próprio de Previdência Social’.

Art. 2º - O Art. 3º da Lei Municipal nº 5087, de 27 de outubro de 2010, passa a vigorar com a seguinte redação:

‘Art. 3º - Altera o Artigo 27 que trata do Conselho de Administração disposto no § 1º, que passa a ser composto pela seguinte composição:

§ 1º - O Conselho de Administração terá a seguinte composição:

a) Um servidor indicado pelo Executivo;

b) Um servidor indicado pelo Legislativo;

c) Um servidor indicado pelo DAE;

d) Um servidor indicado pelo IAMS;

e) Um servidor indicado pelo Sindicato;

f) Cinco servidores eleitos dentre os servidores ativos e inativos da Administração Direta e Autárquica.’

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 4º - Revogam-se as disposições em contrário.”

Em síntese, a lei impugnada acaba por, efetivamente, alterar a forma de composição dos Conselhos de Administração e Fiscal do Regime Próprio de Previdência Social - RPPS de Sumaré, dispondo sobre seus membros e requisitos para investidura.

Vício formal: reserva de iniciativa

Da violação ao princípio da separação de poderes

O Poder Legislativo Municipal não tem legitimidade para deflagrar processo legislativo que altere a forma de composição dos Conselhos de Administração e Fiscal do RPPS do município.

Trata-se, no caso, de atribuição privativa do Chefe do Poder Executivo, de tal forma que o Poder Legislativo invadiu a sua esfera de competência, a quem cabe a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre tais matérias.

Por isso, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende declarar inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um Poder sobre o outro.

A Constituição Estadual estabelece, em seu art. 5º, que:

“São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”

Por sua vez, o art. 24, § 2º, ns. 1 e 2, reza que:

“A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1- criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

2- criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XI;”

As normas que tratam da reserva de iniciativa, longe de normas de direito estrito, ou de exceção, refletem com sutileza as nuances e a evolução do princípio da separação de poderes. As regras de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo têm como corolário o princípio da separação dos poderes, que nada mais é do que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos.

Nos termos do art. 24, § 2º, ns. 1 e 2, da Constituição do Estado de São Paulo, compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre a criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração, assim também sobre a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da Administração Pública, observado o disposto o art. 47, XIX.

Como se sabe, a regra da iniciativa reservada deriva do processo legislativo federal e, por sua implicação com o princípio da independência e da harmonia entre os Poderes, é de observância obrigatória pelos municípios.

         Nesse sentido:

"Processo legislativo: reserva de iniciativa ao Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, e): regra de absorção compulsória pelos Estados-membros, violada por lei local de iniciativa parlamentar que criou órgão da administração pública (Conselho de Transporte da Região Metropolitana de São Paulo-CTM): inconstitucionalidade." (ADI 1.391, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 9-5-2002, Plenário, DJ de 7-6-2002.)

"Lei do Estado de São Paulo. Criação de Conselho Estadual de Controle e Fiscalização do Sangue (COFISAN), órgão auxiliar da Secretaria de Estado da Saúde. Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. Inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria." (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, DJE de 10-9-2010; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.”

"Lei 9.162/1995 do Estado de São Paulo. Criação e organização do Conselho das Instituições de Pesquisa do Estado de São Paulo – CONSIP. Estrutura e atribuições de órgãos e Secretarias da Administração Pública. Matéria de iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo. Precedentes." (ADI 3.751, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 4-6-2007, Plenário, DJ de 24-8-2007.)

            Ao examinar propositura análoga, esse egrégio Tribunal de Justiça decidiu que:

“Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Município de Ubatuba – Lei Municipal n.º 3.295/2010 que autoriza o Executivo Municipal a criar o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Participação da Comunidade Negra de Ubatuba – Liminar concedida – Ato e gestão, competência privativa do Poder Executivo – Vício de iniciativa – Princípio de separação dos poderes – Violação aos arts. 5.º, 25, 47, II, todos da Constituição Estadual – Inconstitucionalidade decretada.” (TJ/SP, ADI 0157579-65.2010.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Júnior, j. em 9/2/2011).

Conclui-se, assim, à vista dos precedentes jurisprudenciais ora colacionados, que a Câmara Municipal de Sumaré não poderia deflagrar o processo legislativo sobre a modificação de Conselho Municipal porquanto essa matéria – a criação, alteração ou extinção de órgão municipal – é de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo.

As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).

Da liminar

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece integralmente de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a ilegitimidade da composição do órgão competente para produção de atos importantes.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei n. 5.247, de 2 de setembro de 2011, do Município de Sumaré.

Do pedido

Face ao exposto, requer-se:

a) o recebimento da inicial e o regular processamento da presente ação direta até final julgamento;

b) a colheita das informações necessárias do Presidente da Câmara Municipal e do Prefeito Municipal, sobre as quais protesta por manifestação oportuna;

c) a oitiva do douto Procurador-Geral do Estado, nos termos do art. 90, § 2º, da Constituição Estadual;

d) ao final, seja julgada procedente a presente ação, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 5.247, de 2 de setembro de 2011, do Município de Sumaré, por violação aos arts. 5º, 24, § 2º, ns. 1 e 2, e 144, da Constituição Paulista.

São Paulo, 7 de agosto de 2013.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 166.896/11

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 5.247, de 2 de setembro de 2011, do Município de Sumaré

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei n. 5.247, de 2 de setembro de 2011, do Município de Sumaré, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 7 de agosto de 2013.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça