EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
n. 90.905/13
Constitucional.
Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 6.359, de 07 de junho
de 2013, do Município de Bauru. Processo legislativo. Ausência de participação
comunitária. Inconstitucional lei municipal de
zoneamento que não assegura a participação comunitária em seu processo
legislativo (arts. 180, II, e 191, da Constituição Estadual), ainda mais quando
sobrevêm emendas parlamentares para adições pontuais.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições
(artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734/93; artigos 125, §2º, e
129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso Protocolado
62.451/11, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE,
com pedido liminar, em face da Lei n. 6.359, de 07 de junho de 2013, do
Município de Bauru, pelos fundamentos a seguir expostos.
I - O ato normativo impugnado
1. A Lei n. 6.359, de 07 de junho de 2013, do Município
de Bauru, criou novos corredores de comércio e serviço, com o seguinte teor:
“Art. 1° - Fica transformado em corredor comercial o quarteirão 13 da Rua Hermínio Pinto, no Jardim Brasil, o quarteirão 09 da Rua Manoel Pereira Rolla, na Vila Cidade Universitária, o quarteirão 09 da Rua Aviadora Anésia Pinheiro Machado no Jardim América e o quarteirão 03 da Rua Luso Brasileiro, na Vila Samaritana.
Art. 2° - Fica transformado em corredor de serviços os quarteirões 06 e 07 da Rua Demétrio Arieta, no Jardim Carolina, o quarteirão 7 da Rua Ezequiel Ramos, no Centro.
Art. 3° - Fica transformada em corredor de comércio e serviço a Rua Inconfidência em toda sua extensão na Vila Antarctica e o quarteirão 04 da Rua Albuquerque Lins, Vila Falcão, o quarteirão 01 da Rua Antonio Prudente, no Jardim Estoril ll, o quarteirão 17 da Rua Alfredo Ruiz, no Jardim Estoril I, o quarteirão 06 da Rua Vivaldo Guimarães, no Jardim Estoril, os quarteirões 02 e 03 da Rua Major Fraga, no Jardim Estoril, o quarteirão 18 da Rua Mario Gonzaga Junqueira, no Parque São João, os quarteirões 01, 02 e 03 da Rua José Gimenez Campanha, no Jardim Vânia Maria, os quarteirões 01, 02 e 03 da Rua Massao Sakata, na Vila Santista, o quarteirão 01 da Rua Patagônia, no Jardim Terra Branca, os quarteirões 25, 26 e 27 da Rua Argentina, no Jardim Solange, o quarteirão 05 da Rua Guatemala, na Vila Santa Inês, os quarteirões 03 e 18 da Rua Padre João, na Vila Santa Izabel e na Vila Santa Tereza, respectivamente, os quarteirões 06, 07 e 08 da Rua Piauí, na Vila Cardia, os quarteirões 05 e 06 da Rua Nicolau Assis, no Jardim Panorama, os quarteirões 01 a 13 da Rua Maria Ranieri, no Parque Viaduto, o quarteirão 04 da Rua José Santiago, na Vila São João do Ipiranga, o quarteirão 09 da Avenida Lúcio Luciano, no Jardim Orquídeas, o quarteirão 07 da Rua Irma Arminda, no Jardim Brasil, os quarteirões 01 a 08 da Avenida Pedro de Castro Pereira, na Pousada da Esperança, os quarteirões 01e 02 da Rua Antonio Jerónimo da Silva, na Pousada da Esperança ll, a Praça Dr. Luiz Zuiani, no Jardim Higienópolis, os quarteirões 30, 31 e 32 da Rua Saint Martin, no Jardim Dona Sarah e na Vila Aeroporto, respectivamente, os quarteirões 09 a 13 da Avenida Agua Comprida, no Parque Agua Comprida, o quarteirão 5 da Rua Sabadino Scriptore, na Vila Falcão, o quarteirão 04 da Rua Neder Issa, na Vila Guedes de Azevedo, o quarteirão 04 da Rua Comendador Leite, na Vila Camargo, os quarteirões 19 e 20 da Rua Gerson França, no Jardim Estoril li, o quarteirão 01 da Rua Júlio de Mesquita Filho, na Vila Aeroporto de Bauru, os quarteirões 01 e 02 da Rua Bertholdo do Carmo, na Quinta da Bela Olinda, os quarteirões 02 e 03 da Rua Professor Gérson Rodrigues, na Vila Nova Cidade Universitária, os quarteirões 01, 02, 03, 04 e 10 da Rua Albino Tâmbara, na Vila Cidade Universitária e no Jardim Panorama, respectivamente, os quarteirões 07, 08 e 09 da Rua Anhanguera, na Vila Flores, o quarteirão 1 da Rua Claudio Zwicker, na Vila Aeroporto de Bauru.
Art. 4° - Deverão ser respeitadas todas as proibições, diretrizes e normas de parcelamento, uso e ocupação do solo previstas na Lei Municipal n° 5.631, de 22 de agosto de 2.008, Plano Diretor Participativo - PDP, bem como as Leis e Decretos que vierem regulamentá-los.
Art. 5° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação” (fls. 366/367).
2. A lei em foco resulta de Projeto de Lei
de autoria do Chefe do Poder Executivo, protocolizado em 18 de março de 2013
(fls. 216/218) com a seguinte redação:
“Art. 1° - Fica transformado em corredor comercial o quarteirão 13 da Rua Hermínio Pinto, no Jardim Brasil, o quarteirão 09 da Rua Manoel Pereira Rolla, na Vila Cidade Universitária, o quarteirão 09 da Rua Aviadora Anésia Pinheiro Machado no Jardim América e o quarteirão 03 da Rua Luso Brasileiro, na Vila Samaritana.
Art. 2° - Fica transformado em corredor de serviços os quarteirões 06 e 07 da Rua Demétrio Arieta, no Jardim Carolina.
Art. 3° - Fica transformada em corredor de comércio e serviço a Rua Inconfidência em toda sua extensão na Vila Antarctica e o quarteirão 04 da Rua Albuquerque Lins, Vila Falcão.
Art. 4° - Fica incluído no texto do artigo 1º da Lei Municipal nº 5.962, de 01 de setembro de 2.010 o quarteirão 19 da Rua Gerson França, no Jardim Estoril.
‘Art. 1º. Fica transformado em corredor comercial as seguintes Ruas:..., os quarteirões 15, 16, 17, 18, 19 e 20 da Rua Gerson França, no Jardim Estoril II;...’
Art. 5º - Deverão ser respeitadas todas as proibições, diretrizes e normas de parcelamento, uso e ocupação do solo previstas na Lei Municipal n° 5.631, de 22 de agosto de 2.008, Plano Diretor Participativo - PDP, bem como as Leis e Decretos que vierem regulamentá-los.
Art. 6° - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
3. A Câmara Municipal de Bauru remeteu
cópia integral do processo legislativo (fls. 214/369). Dele se constata que após
os pareceres das comissões (fls. 319/330), foram apresentadas emendas aditivas
pelos ilustres parlamentares (fls. 331/333) que receberam, também, pareceres
favoráveis das comissões (fls. 336/347), inclusive em forma oral (fl. 353) em
relação a emendas posteriormente apresentadas (fls. 348/352, 356), que foram
aprovadas (fls. 358/359). Expedido autógrafo (fls. 360/362) e decorrido o prazo
para sanção ou veto (fls. 363/365), a lei foi promulgada (fls. 366/367) e
publicada (fl. 368).
II
– O Parâmetro da Fiscalização abstrata de constitucionalidade
4.
A Constituição Federal assegura
aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes respeito aos princípios da
própria Constituição Federal e da Constituição Estadual (art. 29), um dos quais
a cooperação das associações representativas no planejamento municipal (art.
29, XI).
5. A
Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29 da Constituição da
República assim dispõe:
“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
6.
Destarte, as Constituições
Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.
7.
O processo legislativo da lei
impugnada violou o disposto nos arts. 180, II e 191, da Constituição do Estado
de São Paulo, que assim preceituam:
“Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
(...)
II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico”.
8.
Os dispositivos
constitucionais parâmetros do controle de constitucionalidade da lei municipal
em foco nesta sede assegura a participação da população em todas as matérias
atinentes ao desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos
anteprojetos e projetos de lei, e, são reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio de Toledo César, 18-02-2009).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).
“ação direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques, m.v., 05-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº 2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI 0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).
9.
A democracia participativa
prevista no parâmetro alcança a elaboração da lei antes e durante o trâmite de
seu processo legislativo até o estágio final de sua produção.
10.
Ela permite que a população
participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de
vida e os usos urbanísticos.
11.
É inexorável a
incompatibilidade entre o diploma impugnado e o ordenamento constitucional
estadual, pois, a Constituição do Estado de São Paulo prevê objetivamente a
necessidade de participação comunitária em matéria urbanística, resulta a
inconstitucionalidade da lei local contestada, sobretudo como, no caso, as
emendas parlamentares ao projeto de lei do Chefe do Poder Executivo promoveram
alterações tópicas e casuísticas.
III - Liminar
13. Presentes no caso
analisado os pressupostos do fumus boni
iuris e do periculum in mora, bastantes
para autorizar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.
14. A aparência do bom direito se mostra inquestionável pela
apreciação de todos os motivos acima elencados, a demonstrar a
inconstitucionalidade da lei impugnada nesta ação.
15. O perigo da demora,
por sua vez, decorre do fato de que, se não for determinada a imediata
suspensão da vigência e eficácia do ato normativo impugnado, podem ser
realizados projetos, empreendimentos, obras, entre outras ações nas áreas
tratadas pela lei atacada, com intenso comprometimento dos bens em questão.
Tais atitudes, que demandam investimentos de grande vulto, trarão grandes
prejuízos à população municipal, em favorecimento de poucos, sendo certo que a
alteração física de áreas pode ser irreversível.
16. A concessão da liminar faz-se essencial para assegurar
que a lei promulgada em frontal violação à Constituição Estadual não produza
efeito prejudicial à população e ao erário, sendo certo que, posteriormente,
com a aguardada decisão favorável na presente ação, tal medida também evitará
qualquer empecilho à concretização da eficácia do controle concentrado de
constitucionalidade.
17. Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar,
para fins de suspensão imediata da eficácia da lei impugnada até final e
definitivo julgamento desta ação.
IV
- PEDIDO
18. Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento
da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a
inconstitucionalidade da Lei n. 6.359, de 07 de junho de 2013, do Município de
Bauru.
19. Requer-se, ainda,
sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de
Bauru, bem como, em seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para
manifestar-se sobre o ato normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se
vista para fins de manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 19 de agosto de 2013.
Márcio Fernando Elias
Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
wpmj