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Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

Ementa: 1. Ação direta de inconstitucionalidade ajuizada em face da Resolução da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de n. 15, de 13 de março de 2008, que disciplina o licenciamento de desmatamentos em áreas de comprovada importância para a restauração de corredores ecológicos e interligação de fragmentos de vegetação nativa; 2) Violação de diversos dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 111, art. 180, caput e inc. III, art.184, caput e inc. IV, art. 191, art. 192, caput e § 1º, art. 194, caput e parágrafo único; 3) Afronta a diversos princípios constitucionais, como o da legalidade e o da participação.

 

                   O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 134.362/08), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

 

em face da Resolução da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de n. 15, de 13 de março de 2008, que, de forma inconstitucional, disciplina o licenciamento de desmatamentos em áreas de comprovada importância para a restauração de corredores ecológicos e interligação de fragmentos de vegetação nativa, pelas razões e fundamentos a seguir expostos:

         Registre-se, inicialmente, que a propositura da presente ação direta se deve ao acolhimento da representação formulada pela Dra. Cristina Godoy de Araújo Freitas, DD. Promotora de Justiça Coordenadora da Área de Meio Ambiente do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela Coletiva, noticiando que a Resolução impugnada pela presente ação direta leva à “permissividade no licenciamento de desmatamentos em áreas de comprovada importância para a restauração de corredores ecológicos e interligação de fragmentos de vegetação nativa” (fls. 08).

         Portanto, tendo em vista que a Resolução impugnada acaba por permitir que o desenvolvimento urbano venha a comprometer a preservação do meio ambiente, é imprescindível que seja eliminado do mundo jurídico.

 

                   A RESOLUÇÃO IMPUGNADA

 

                   Importante reproduzir a Resolução n. 15 – SMA – de 13 de março de 2008:

RESOLUÇÃO SMA-15 DE 13 DE MARÇO DE 2008.

Dispõe sobre os critérios e parâmetros para concessão de autorização para supressão de vegetação nativa considerando as áreas prioritárias para incremento da conectividade.

O SECRETÁRIO DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, em cumprimento ao disposto nos artigos 23, VII, e 225, § 1º, I, da Constituição Federal, nos artigos 191 e 193 da Constituição do Estado, nos artigos 2º e 4º da Lei federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, e nos artigos 2º, 4º e 7º da Lei estadual nº 9.509, de 20 de março de 1997, e

Considerando os resultados obtidos pela equipe de pesquisadores do Projeto Biota FAPESP e as informações presentes no mapa de "Áreas prioritárias para incremento da conectividade" e "Áreas prioritárias para criação de Unidades de Conservação" resultantes do Projeto Biota FAPESP;

Considerando a situação atual da cobertura vegetal no Estado, a importância da manutenção e recuperação da conectividade efetiva entre os fragmentos existentes e levando em conta a vocação das diferentes Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos (UGRHI);

Resolve:

Art. 1º – A análise dos pedidos de supressão de vegetação nativa no Estado de São Paulo, nos imóveis rurais, deverá considerar as categorias de importância para a manutenção e restauração da conectividade biológica definidos no mapa denominado “Áreas Prioritárias para Incremento para Conectividade” do Projeto BIOTA FAPESP.

Parágrafo único – O mapa referido no caput está disponível no portal da Secretaria de Meio Ambiente no endereço  www.ambiente.sp.gov.br/21projetos/default.asp#4.

Art. 2º - Para a solicitação de supressão de vegetação nativa dentro dos limites das áreas demarcadas como prioritárias para incremento da conectividade, no mapa do Projeto BIOTA FAPESP, deverá ser apresentado pelo solicitante estudo de fauna e flora, independente do estágio de regeneração em que se encontrar a vegetação a ser suprimida.

Art. 3º - Respeitadas as limitações legais, a supressão de vegetação nativa ou sua exploração nestas áreas é passível de autorização desde que:

I. A vegetação comprovadamente não abrigue espécies da fauna e flora silvestres ameaçadas de extinção, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a intervenção solicitada não ponha em risco a sobrevivência destas espécies;

II. Inexista alternativa técnica e locacional à obra ou empreendimento proposto.

Art. 4º - A concessão de autorização para supressão de vegetação, considerando as escalas de classificação presentes no mapa "Áreas prioritárias para incremento da conectividade", deverá atender os seguintes critérios:

I. Dentro da escala de 6 a 8 deverá ser compensada área equivalente a 6 (seis) vezes a área autorizada.

II. Dentro da escala de 3 a 5 deverá ser compensada área equivalente a 2 (duas) vezes a área autorizada.

III. Dentro da escala de 1 a 2 deverá ser seguida a legislação florestal em vigor.

Art. 5º – A compensação de que trata o artigo 4º deverá ser implantada, apenas, mediante recuperação de áreas degradadas.

Parágrafo 1° – A compensação deverá ser efetuada preferencialmente dentro das áreas prioritárias para manutenção e implantação da conectividade com classificação de 5 a 8, priorizando/se as áreas de preservação permanente definidas pela Lei Federal 4771/65 e de interligação de fragmentos florestais remanescentes na paisagem regional.

Parágrafo 2° – Poderão ser utilizadas como áreas para compensação:

I. Áreas constantes do Banco de Áreas para Recuperação Florestal da Secretaria do Meio Ambiente.

II. Áreas públicas, desde que não seja alvo de obrigações judiciais ou administrativas determinando sua recuperação, não apresentem passivos ambientais e mediante anuência do Poder Público.

III. Áreas particulares, desde que não seja alvo de obrigações judiciais ou administrativas determinando sua recuperação, não apresentem passivos ambientais e mediante anuência do proprietário, comprovada a dominialidade da área.

Art. 6º - Nos municípios com baixo índice de cobertura vegetal nativa (menor que 5% de seu território) conforme “Inventário Florestal da Vegetação Natural do Estado de São Paulo”, elaborado pelo Instituto Florestal da Secretaria do Meio Ambiente, ou outro que venha substituí/lo, a concessão de autorização para supressão de vegetação nativa, em áreas não enquadradas nas situações previstas nos incisos I e II do artigo 4º, estará condicionada a compensação de área equivalente a 1 (uma) vez a área autorizada, dentro do mesmo município.

Art. 7º – Os pedidos para supressão de vegetação nativa em propriedades inseridas integral ou parcialmente em áreas indicadas para criação de Unidades de Conservação pelo Projeto Biota FAPESP deverão ser alvo de manifestação do órgão competente do SIEFLOR.

Art. 8º – O disposto nesta resolução não se aplica para supressão de vegetação nativa em estágio pioneiro ou árvores isoladas, e para as obras de interesse público na forma definida pela Resolução SMA 13/2008

Art. 9º – O disposto nesta resolução será aplicado, sem prejuízo e complementarmente a outras disposições e compensações definidas na legislação em vigor.

Art. 10º - Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

FRANCISCO GRAZIANO NETO

Secretário do Meio Ambiente

 

 

 

 

 

DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS PELA REFERIDA RESOLUÇÃO

 

                   Conforme será amplamente demonstrado na presente inicial, a Resolução n. 15 da Secretaria Estadual do Meio Ambiente é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes disposições:

 

Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.

 

Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

III - a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural;

 

Artigo 184 - Caberá ao Estado, com a cooperação dos Municípios:

IV - orientar a utilização racional de recursos naturais de forma sustentada, compatível com a preservação do meio ambiente, especialmente quanto à proteção e conservação do solo e da água;

 

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

 

Artigo 192 - A execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a exploração de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público, quer pelo privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente ecologicamente equilibrado.

§ 1º - A outorga de licença ambiental, por órgão, ou entidade governamental competente, integrante de sistema unificado para esse efeito, será feita com observância dos critérios gerais fixados em lei, além de normas e padrões estabelecidos pelo Poder Público e em conformidade com o planejamento e zoneamento ambientais.

 

Artigo 194 - Aquele que explorar recursos naturais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

Parágrafo único - É obrigatória, na forma da lei, a recuperação, pelo responsável, da vegetação adequada nas áreas protegidas, sem prejuízo das demais sanções cabíveis.”                                    

 

DA POSSIBILIDADE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE RESOLUÇÕES

 

Para que não paire qualquer dúvida, é importante lembrar da possibilidade de se submeter as resoluções a controle de constitucionalidade, mesmo porque, nos termos do art. 59, VII, da Constituição Federal, trata-se de espécie normativa.

Ademais, o Pleno do Pretório Excelso, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2104/DF, em acórdão do qual foi relator o Ministro EROS GRAU (Julgamento: 21/11/2007; Publicação: DJe-031. Divulgação: 21-02-2008. Publicação: 22-02-2008, p. 122), deixou clara essa possibilidade:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE DE RESOLUÇÕES DE TRIBUNAIS (ARTIGO 102, I, A, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). RESOLUÇÃO ADMINISTRATIVA N. 51/99 DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO. ATO QUE DETERMINA QUE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO INSTITUÍDA PELO DECRETO-LEI N. 2.371/87 SEJA CALCULADA COM A INCIDÊNCIA DO VENCIMENTO BÁSICO E DA PARCELA DE EQUIVALÊNCIA. AUMENTO DE REMUNERAÇÃO SEM RESERVA LEGAL E PRÉVIA DOTAÇÃO ORÇAMENTÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 96, INCISO II, ALÍNEA "B", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. É cabível o controle concentrado de resoluções de tribunais que deferem reajuste de vencimentos. Precedentes.

2. Inconstitucionalidade do ato normativo que configura aumento de remuneração dos magistrados de forma diversa da prevista no artigo 96, inciso II, alínea "b", da Constituição do Brasil. Jurisprudência do Supremo. 3. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Resolução Administrativa n. 51/99 do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região”.

 

Ao apreciar a Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.731/PI, em acórdão da lavra do eminente relator Ministro CEZAR PELUSO, o Pleno do Supremo Tribunal Federal (Julgamento: 29/08/2007. Publicação: DJe-121 divulgado dia 10-10-2007) novamente evidenciou essa possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade:

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALI-DADE. Impugnação de resolução do Poder Executivo estadual. Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e assuntos análogos. Ato normativo autônomo. Conteúdo de lei ordinária em sentido material. Admissibilidade do pedido de controle abstrato. Precedentes. Pode ser objeto de ação direta de inconstitucionalidade, o ato normativo subalterno cujo conteúdo seja de lei ordinária em sentido material e, como tal, goze de autonomia nomológica”.

DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

E DA OFENSA AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO

        

         A Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao determinar, no plano constitucional, a tutela do bem ambiental, elevando-o à condição de direito/garantia fundamental. No mesmo sentido a Constituição Paulista.

Esse caráter já foi proclamado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, em acórdão do qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello[1]. Do mencionado acórdão, destacamos alguns trechos:

“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE (...)

Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161)”.

 

Portanto, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito constitucional fundamental.

E como adverte Luís Roberto Barroso[2], “a supremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se em uma superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária da produção normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlagalidade material subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições formais e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norte-americana como judicial review, e batizado entre nós de ‘controle de constitucionalidade’”.

Portanto, é possível extirpar-se do ordenamento jurídico qualquer espécie normativa que atentar contra a garantia fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como ocorre com a resolução impugnada pela presente ação.

De observar que a Resolução tem o pretexto de dispor sobre os critérios e parâmetros para concessão de autorização para supressão de vegetação nativa dentro de áreas demarcadas como prioritárias para incremento da conectividade, no mapa do Projeto BIOTA FAPESP.

Referido mapa identificou e escalonou as áreas prioritárias para o incremento da conectividade em escala de “1” a “8”, proporcionalmente à sua importância para melhorar a conexão entre remanescentes florestais isolados.

Todavia, como restou demonstrado na manifestação técnica subscrita pelo Engenheiro Agrônomo Eduardo Pereira Lustosa, “a Resolução SMA 15/08 seguiu caminho inverso ao permitir que o DEPRN autorize o desmatamento nos exíguos remanescentes de vegetação nativa dessas áreas vitais para a restauração da biodiversidade. Mesmo as áreas de graus 7 e 8, de importância extrema, poderão ter seus remanescentes florestais suprimidos com autorização do DEPRN, mediante compensação ambiental” (fls. 09 do procedimento que acompanha a presente ação direta).

A referida manifestação também evidencia que “as medidas compensatórias ao desmatamento autorizado no interior das ‘Áreas Prioritárias para Incremento da Conectividade’ nem sequer precisam ser implantadas obrigatoriamente no interior dessas ‘Áreas Prioritárias para Incremento da Conectividade’. De acordo com o § 1º do artigo 5º, a compensação deverá ser efetuada preferencialmente dentro dessas áreas, priorizando APPs.

Esse dispositivo dá margem para se autorizar desmatamentos de áreas de importância extrema para incremento da conectividade, por exemplo, nas escalas 7 e 8, mediante simples assinatura de termo para recuperação em local não prioritário para incremento da conectividade” (fls. 10).

A conclusão da referida manifestação técnica é estarrecedora: “Conclui-se que a Resolução SMA 15/08 constitui séria ameaça para a integridade das áreas prioritárias para incremento da conectividade” (fls. 12).

Portanto, é evidente que a Resolução atenta contra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, por isso, ofende o artigo 180, III, da Constituição Estadual, pois permite que o desenvolvimento urbano não se atenha à necessária preservação e proteção do meio ambiente.

Também afronta o art. 184, IV, da Constituição Paulista, pois o Estado viola o seu dever de orientar a utilização racional de recursos naturais de forma sustentada, compatível com a preservação do meio ambiente.

Outrossim, viola o art. 191 da Constituição Bandeirante, que impõe ao Estado a preservação, a conservação e a defesa do meio ambiente natural.

Pode-se observar, ainda, afronta ao art. 192, “caput” e § 1º, por permitir a execução de obras, atividades e empreendimentos, com exploração de recursos naturais sem o necessário resguardo do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Além disso, permite a outorga de licença ambiental com base em critérios estabelecidos em Resolução, quando o § 1º do art. 192 da Constituição do Estado de São Paulo exige a observância dos critérios fixados em lei.

Infelizmente a Resolução também afronta outros princípios constitucionais.

 

 

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE EM MATÉRIA AMBIENTAL

 

A Constituição Paulista impõe ao Estado a observância do princípio da legalidade.

Com efeito, o art. 111 determina que a administração pública obedeça a diversos princípios, dentre eles o da legalidade.

Ocorre que os critérios gerais para a autorização da supressão de vegetação de significativa relevância ambiental não podem ser estabelecidos por Resolução. Primeiro pela afronta ao princípio da legalidade, objeto do presente item. Segundo por violar o princípio da participação, que será exposto no próximo item.

Ocorre que, ao instituir o bem ambiental como bem jurídico fundamental, o legislador constituinte trouxe um importante dever ao Poder Público, qual seja, o de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, sendo certo que para assegurar a efetividade desse direito determinou ao Poder Público definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei (CF, art. 225, § 1º, III, da Constituição Federal).

Portanto, não há dúvida: INCUMBE AO PODER PÚBLICO A DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLGICAMENTE EQUILIBRADO. Não há discricionariedade. E a supressão e a alteração de espaços territoriais ambientalmente importantes têm que ser disciplinas EM LEI.

A reserva legal foi proclamada pelo próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, em acórdão do qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello[3]. Do acórdão, fazemos novos destaques:

“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) (...).

(...)A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE.

 A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA.

       O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações”.

 

Portanto, é inconstitucional a Resolução SMA 15/08 ao estabelecer os critérios gerais para permitir ao DEPRN a expedição de autorização para o desmatamento nos exíguos remanescentes de vegetação nativa de áreas vitais para a restauração da biodiversidade.

Referidos critérios gerais deveriam ser veiculados por lei, pois assim estariam legitimados pela necessária participação popular, ainda que indireto, na elaboração do comando normativo.

 

 

DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO

 

O bem ambiental não é de propriedade do Poder Público.

Por isso as questões referentes à exploração dos recursos naturais não podem ser decididas de forma unilateral pelo Poder Executivo, por meio de Resolução.

Além do envolvimento do Poder Legislativo, como demonstrado no tópico anterior, sujeitando-se a questão da exploração dos recursos naturais ao princípio da legalidade, a Constituição Paulista impõe que o Estado observe o princípio da participação em matéria ambiental. Participação dos cidadãos e da sociedade.

Com efeito, o art. 191 da Constituição Paulista determina que o Estado e os Municípios providenciem, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Mais uma razão para se evidenciar a inconstitucionalidade da Resolução impugnada, pois não propicia a necessária participação popular.

Sobre o princípio da participação, ensinam Cláudia M. C. Santos, José E. de O. Figueiredo Dias e Maria A. de S. Aragão, em obra coordenada pelo Professor José Joaquim Gomes Canotilho[4]: “Uma exigência que vem crescentemente sendo posta ao funcionamento da Administração Pública, é a de transparência e de intervenção no funcionamento dos órgãos públicos. Também ao nível do Direito do Ambiente se defende a necessidade de os órgãos públicos e agentes administrativos, e os diversos grupos sociais existentes na comunidade, intervirem, não só de forma consultiva, mas também com um papel activo nas tomadas de decisão relevantes para o ambiente.

Se é necessário prevenir os atentados ambientais e garantir que os seus causadores sejam responsabilizados, é igualmente imperioso permitir que os cidadãos (individualmente considerados ou organizados em grupos ou associações) possam ser ouvido9s na formulação e execução da política de ambiente.

O princípio (e o correlativo direito) de participação está fortemente ligado a um outro direito que em geral vem sendo reconhecido em termos cada vez mais amplos aos cidadãos: o direito à informação, pois só quando os cidadãos estão devidamente informados é que podem ter oportunidade de exercer convenientemente o seu direito de participação”.

A doutrina brasileira também reclama o respeito ao princípio da participação. José Adércio Leite Sampaio, eminente Professor Doutor da PUC Minas, Procurador da República, leciona[5] que “a democracia hodiernamente não se satisfaz apenas com as instâncias deliberativas dos representantes eleitos e de corpos burocráticos fiéis aos comandos legais. Exige-se, em complemento, meios de participação direta do povo ou da comunidade tanto em sede de macrodecisões (plebiscito, referendo e iniciativa legislativa popular), quanto em processos decisórios de menor extensão (decisões administrativas, judiciais coletivas e sociais, condominiais e empresariais, por exemplo) que digam respeito a todos ou os afetem direta ou indiretamente.

As questões ambientais, pela sua natureza, extensão e gravidade, colocam-se como tema da macrodemocracia (consulta popular ambiental como se deu na Itália e Suécia em relação à política nuclear) e da microdemocracia (participação popular e social, sobretudo das chamadas organizações não-governamentais, em audiências públicas e em ações coletivas ambientais).

O direito de participação nos processos decisórios ambientais, pelas suas feições coletivistas, é par de um dever correlato. À própria Constituição brasileira imputa à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações (art. 225). Uma leitura positivista desse dispositivo enxerga nele apenas um dever jurídico em sentido fraco, mais próximo do ônus, pois o seu descumprimento não importa tecnicamente sanção, mas perda da oportunidade de participar.

Ambientalmente, no entanto, a pena pode ser demasiadamente severa: o desaparecimento de um patrimônio ou de um recurso natural”.

Como se vê, resta reforçado o entendimento de que os critérios gerais para a autorização da supressão de vegetação de significativa relevância ambiental não podem ser estabelecidos por Resolução. Primeiro pela afronta ao princípio da legalidade. Segundo por violar o princípio da participação.

Portanto, a Resolução impugnada na presente ação direta é inconstitucional por afrontar diversos princípios e diversos dispositivos da Constituição Estadual, sem prejuízo de afrontar, também, a Constituição Federal.

 

 

DA LIMINAR

 

         Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

         A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que o diploma impugnado na presente ação padece de vício de inconstitucionalidade.

         O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, ocorrerá a exploração inconstitucional dos recursos naturais, que são considerados, pela Constituição Federal, como bem de uso comum do povo. Tal situação gerará (possivelmente já venha gerando) prejuízo incomensurável ao direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que dificilmente poderá ser reparado in natura.

         Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será viável restabelecer o status quo ante.

         Assim, a imediata suspensão da eficácia da Resolução 15, de 13 de março de 2008, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará maiores prejuízos, além daqueles que já sofridos até o momento.

         De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

         Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado até o julgamento final da presente ação.

         Pelos motivos expostos, a providência é indispensável, para a eficácia teórica e prática do provimento esperado, de procedência desta ação.

 

CONCLUSÃO

 

Nestes termos, aguardo seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se informações do Governador do Estado de São Paulo, as quais examinarei oportunamente, vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade em face da Resolução da Secretaria de Estado do Meio Ambiente de n. 15, de 13 de março de 2008.

São Paulo, 5 de janeiro de 2009.

 

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 


(2)

 

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

ADIN nº 173.725.0/7

    (Prot. 134.362/08 - MP)

 

 

 

                  

 

O Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), vem perante Vossa Excelência expor e requerer o que segue:

1.      No dia 7 de janeiro de 2009, protocolizamos petição inicial de ação direta de inconstitucionalidade da Resolução SMA nº 15, de 13 de março de 2008 (ato normativo do Secretário de Estado do Meio Ambiente).

2.      Referida ação foi autuada como ADIN nº 173.725.0/7, sendo distribuída ao eminente Desembargador JOÃO CARLOS SALETTI.

3.      Ocorre que, depois de ajuizada a ação, constatamos que a Resolução impugnada foi revogada pela Resolução SMA 085, de 11 de dezembro de 2008 (publicada no DOE de 12 de dezembro de 2008, Seção I, p. 37), conforme demonstra o documento em anexo, do que decorre a perda do objeto da referida demanda.

Diante do exposto, requer-se a extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI, do CPP.

 

                  

São Paulo, 21 de janeiro de 2009.

 

 

 

 

 

FERNANDO GRELLA VIEIRA

Procurador-Geral de Justiça

 



[1] Julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, em 1/9/2005. DJ de 3-2-2006, p. 14.

[2] Interpretação e aplicação da Constituição, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 153.

[3] Julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, em 1/9/2005. DJ de 3-2-2006, p. 14.

[4] Introdução ao direito ao ambiente, Lisboa: Universidade Aberta, 1998, p. 55.

[5] Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 79-80.