(1)
Excelentíssimo Senhor
Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Ementa: 1. Ação direta de
inconstitucionalidade ajuizada em face da Resolução da Secretaria de
Estado do Meio Ambiente de n. 15, de 13 de março de 2008, que disciplina o
licenciamento de desmatamentos em áreas de comprovada importância para a
restauração de corredores ecológicos e interligação de fragmentos de
vegetação nativa; 2) Violação de diversos dispositivos da Constituição do
Estado de São Paulo: art. 111, art. 180, caput e inc. III, art.184, caput e inc. IV, art. 191, art.
192, caput e § 1º, art. 194, caput e parágrafo único; 3)
Afronta a diversos princípios constitucionais, como o da legalidade e o da
participação. |
O Procurador-Geral de Justiça de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), e em conformidade com o disposto nos arts.
125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso
III, da Constituição Estadual, com base nos elementos de convicção existentes no
incluso protocolado (PGJ n. 134.362/08), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Resolução da Secretaria de
Estado do Meio Ambiente de n. 15, de 13 de março de 2008, que, de forma inconstitucional,
disciplina o licenciamento de desmatamentos em áreas de comprovada importância
para a restauração de corredores ecológicos e interligação de fragmentos de
vegetação nativa, pelas razões e fundamentos a seguir
expostos:
Registre-se, inicialmente, que a propositura da presente ação direta se
deve ao acolhimento da representação formulada pela Dra. Cristina Godoy de
Araújo Freitas, DD. Promotora de Justiça Coordenadora da Área de Meio Ambiente
do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça Cíveis e de Tutela
Coletiva, noticiando que a Resolução impugnada pela presente ação direta leva à
“permissividade no licenciamento de desmatamentos em áreas de comprovada
importância para a restauração de corredores ecológicos e interligação de
fragmentos de vegetação nativa” (fls. 08).
Portanto, tendo em vista que a Resolução impugnada acaba por permitir que
o desenvolvimento urbano venha a comprometer a preservação do meio ambiente, é
imprescindível que seja eliminado do mundo jurídico.
A RESOLUÇÃO
IMPUGNADA
Importante reproduzir a Resolução n. 15 – SMA – de 13 de março de
2008:
RESOLUÇÃO SMA-15 DE 13 DE MARÇO DE
2008.
Dispõe sobre os critérios e parâmetros para
concessão de autorização para supressão de vegetação nativa considerando as
áreas prioritárias para incremento da conectividade.
O
SECRETÁRIO DE ESTADO DO MEIO AMBIENTE, em cumprimento ao disposto nos artigos
23, VII, e 225, § 1º, I, da Constituição Federal, nos artigos 191 e 193 da
Constituição do Estado, nos artigos 2º e 4º da Lei federal nº 6.938, de 31 de
agosto de 1981, e nos artigos 2º, 4º e 7º da Lei estadual nº 9.509, de 20 de
março de 1997, e
Considerando os resultados obtidos pela
equipe de pesquisadores do Projeto Biota FAPESP e as informações presentes no
mapa de "Áreas prioritárias para incremento da conectividade" e "Áreas
prioritárias para criação de Unidades de Conservação" resultantes do Projeto
Biota FAPESP;
Considerando a situação atual da cobertura
vegetal no Estado, a importância da manutenção e recuperação da conectividade
efetiva entre os fragmentos existentes e levando em conta a vocação das
diferentes Unidades de Gerenciamento de Recursos Hídricos
(UGRHI);
Resolve:
Art. 1º – A análise dos pedidos de supressão
de vegetação nativa no Estado de São Paulo, nos imóveis rurais, deverá
considerar as categorias de importância para a manutenção e restauração da
conectividade biológica definidos no mapa denominado “Áreas Prioritárias para
Incremento para Conectividade” do Projeto BIOTA
FAPESP.
Parágrafo único – O mapa referido no caput
está disponível no portal da Secretaria de Meio Ambiente no endereço
www.ambiente.sp.gov.br/21projetos/default.asp#4.
Art. 2º - Para a solicitação de supressão de
vegetação nativa dentro dos limites das áreas demarcadas como prioritárias para
incremento da conectividade, no mapa do Projeto BIOTA FAPESP, deverá ser
apresentado pelo solicitante estudo de fauna e flora, independente do estágio de
regeneração em que se encontrar a vegetação a ser
suprimida.
Art. 3º - Respeitadas as limitações legais, a
supressão de vegetação nativa ou sua exploração nestas áreas é passível de
autorização desde que:
I.
A vegetação comprovadamente não abrigue espécies da fauna e flora silvestres
ameaçadas de extinção, assim declaradas pela União ou pelos Estados, e a
intervenção solicitada não ponha em risco a sobrevivência destas
espécies;
II.
Inexista alternativa técnica e locacional à obra ou empreendimento
proposto.
Art. 4º - A concessão de autorização para
supressão de vegetação, considerando as escalas de classificação presentes no
mapa "Áreas prioritárias para incremento da conectividade", deverá atender os
seguintes critérios:
I.
Dentro da escala de
II.
Dentro da escala de
III. Dentro da escala de
Art. 5º – A compensação de que trata o artigo
4º deverá ser implantada, apenas, mediante recuperação de áreas
degradadas.
Parágrafo 1° – A compensação deverá ser
efetuada preferencialmente dentro das áreas prioritárias para manutenção e
implantação da conectividade com classificação de
Parágrafo 2° – Poderão ser utilizadas como
áreas para compensação:
I.
Áreas constantes do Banco de Áreas para Recuperação Florestal da Secretaria do
Meio Ambiente.
II.
Áreas públicas, desde que não seja alvo de obrigações judiciais ou
administrativas determinando sua recuperação, não apresentem passivos ambientais
e mediante anuência do Poder Público.
III. Áreas particulares, desde que não seja
alvo de obrigações judiciais ou administrativas determinando sua recuperação,
não apresentem passivos ambientais e mediante anuência do proprietário,
comprovada a dominialidade da área.
Art. 6º - Nos municípios com baixo índice de
cobertura vegetal nativa (menor que 5% de seu território) conforme “Inventário
Florestal da Vegetação Natural do Estado de São Paulo”, elaborado pelo Instituto
Florestal da Secretaria do Meio Ambiente, ou outro que venha substituí/lo, a
concessão de autorização para supressão de vegetação nativa, em áreas não
enquadradas nas situações previstas nos incisos I e II do artigo 4º, estará
condicionada a compensação de área equivalente a 1 (uma) vez a área autorizada,
dentro do mesmo município.
Art. 7º – Os pedidos para supressão de
vegetação nativa em propriedades inseridas integral ou parcialmente em áreas
indicadas para criação de Unidades de Conservação pelo Projeto Biota FAPESP
deverão ser alvo de manifestação do órgão competente do
SIEFLOR.
Art. 8º – O disposto nesta resolução não se
aplica para supressão de vegetação nativa em estágio pioneiro ou árvores
isoladas, e para as obras de interesse público na forma definida pela Resolução
SMA 13/2008
Art. 9º – O disposto nesta resolução será
aplicado, sem prejuízo e complementarmente a outras disposições e compensações
definidas na legislação em vigor.
Art. 10º - Esta resolução entra em vigor na
data de sua publicação.
FRANCISCO GRAZIANO
NETO
Secretário do Meio
Ambiente
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS
VIOLADOS PELA REFERIDA RESOLUÇÃO
Conforme será amplamente demonstrado na presente inicial, a Resolução n.
15 da Secretaria Estadual do Meio Ambiente é verticalmente incompatível com a
Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes
disposições:
“Art. 111 –
A administração pública direta, indireta
ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade,
motivação e interesse público.
Artigo 180 -
No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o
Estado e os Municípios assegurarão:
III - a
preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e
cultural;
Artigo 184 -
Caberá ao Estado, com a cooperação dos Municípios:
IV - orientar
a utilização racional de recursos naturais de forma sustentada, compatível com a
preservação do meio ambiente, especialmente quanto à proteção e conservação do
solo e da água;
Artigo 191 -
O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a
preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente
natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e
locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.
Artigo 192 -
A execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a
exploração de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público,
quer pelo privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
§ 1º - A
outorga de licença ambiental, por órgão, ou entidade governamental competente,
integrante de sistema unificado para esse efeito, será feita com observância dos
critérios gerais fixados em lei, além de normas e padrões estabelecidos pelo
Poder Público e em conformidade com o planejamento e zoneamento
ambientais.
Artigo 194 -
Aquele que explorar recursos naturais fica obrigado a recuperar o meio ambiente
degradado, de acordo com a solução técnica exigida pelo órgão público
competente, na forma da lei.
Parágrafo
único - É obrigatória, na forma da lei, a recuperação, pelo responsável, da
vegetação adequada nas áreas protegidas, sem prejuízo das demais sanções
cabíveis.”
DA POSSIBILIDADE DO CONTROLE
DE CONSTITUCIONALIDADE DE RESOLUÇÕES
Para que não paire qualquer dúvida, é
importante lembrar da possibilidade de se submeter as resoluções a controle de
constitucionalidade, mesmo porque, nos termos do art. 59, VII, da Constituição
Federal, trata-se de espécie normativa.
Ademais, o Pleno do Pretório Excelso,
ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2104/DF, em acórdão do qual
foi relator o Ministro EROS GRAU (Julgamento: 21/11/2007; Publicação: DJe-031.
Divulgação: 21-02-2008. Publicação: 22-02-2008, p. 122), deixou clara essa
possibilidade:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE DE RESOLUÇÕES
DE TRIBUNAIS (ARTIGO 102, I, A, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). RESOLUÇÃO
ADMINISTRATIVA N. 51/99 DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 14ª REGIÃO. ATO QUE
DETERMINA QUE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO INSTITUÍDA PELO DECRETO-LEI N. 2.371/87
SEJA CALCULADA COM A INCIDÊNCIA DO VENCIMENTO BÁSICO E DA PARCELA DE
EQUIVALÊNCIA. AUMENTO DE REMUNERAÇÃO SEM RESERVA LEGAL E PRÉVIA DOTAÇÃO
ORÇAMENTÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 96, INCISO
II, ALÍNEA "B", DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1. É cabível o
controle concentrado de resoluções de tribunais que deferem reajuste de
vencimentos. Precedentes.
2.
Inconstitucionalidade do ato normativo que configura aumento de remuneração dos
magistrados de forma diversa da prevista no artigo 96, inciso II, alínea "b", da
Constituição do Brasil. Jurisprudência do Supremo. 3. Ação direta julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da Resolução Administrativa n.
51/99 do Tribunal Regional do Trabalho da 14ª Região”.
Ao apreciar a Medida Cautelar
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALI-DADE. Impugnação de resolução do Poder Executivo estadual.
Disciplina do horário de funcionamento de estabelecimentos comerciais, consumo e
assuntos análogos. Ato normativo autônomo. Conteúdo de lei ordinária em sentido
material. Admissibilidade do pedido de controle abstrato. Precedentes. Pode ser
objeto de ação direta de inconstitucionalidade, o ato normativo subalterno cujo
conteúdo seja de lei ordinária em sentido material e, como tal, goze de
autonomia nomológica”.
DO ESTADO DE DIREITO
AMBIENTAL
E DA OFENSA AO MEIO AMBIENTE
ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
A
Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao determinar, no plano
constitucional, a tutela do bem ambiental, elevando-o à condição de
direito/garantia fundamental. No mesmo sentido a Constituição
Paulista.
Esse caráter já foi proclamado pelo
próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, em acórdão do qual foi relator
o eminente Ministro Celso de Mello[1].
Do mencionado acórdão, destacamos alguns trechos:
“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA
INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE
CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE (...)
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao
Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar,
em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade
coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161)”.
Portanto, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado é direito constitucional
fundamental.
E como adverte Luís Roberto Barroso[2],
“a supremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se em uma
superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a
fonte primária da produção normativa, ditando competências e procedimentos para
a elaboração dos atos normativos inferiores. E a superlagalidade material subordina o conteúdo de toda a
atividade normativa estatal à conformidade com os princípios e regras da
Constituição. A inobservância dessas prescrições formais e materiais deflagra um
mecanismo de proteção da Constituição, conhecido na sua matriz norte-americana
como judicial review, e batizado
entre nós de ‘controle de constitucionalidade’”.
Portanto, é possível extirpar-se do
ordenamento jurídico qualquer espécie normativa que atentar contra a garantia
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como ocorre com a
resolução impugnada pela presente ação.
De observar que a Resolução tem o
pretexto de dispor sobre os critérios e parâmetros para concessão de autorização
para supressão de vegetação nativa dentro de áreas demarcadas como prioritárias
para incremento da conectividade, no mapa do Projeto BIOTA
FAPESP.
Referido mapa identificou e escalonou
as áreas prioritárias para o incremento da conectividade em escala de
“
Todavia, como restou demonstrado na
manifestação técnica subscrita pelo Engenheiro Agrônomo Eduardo Pereira Lustosa,
“a Resolução SMA 15/08 seguiu caminho inverso ao permitir que o DEPRN autorize o
desmatamento nos exíguos remanescentes de vegetação nativa dessas áreas vitais
para a restauração da biodiversidade. Mesmo as áreas de graus 7 e 8, de
importância extrema, poderão ter seus remanescentes florestais suprimidos
com autorização do DEPRN, mediante compensação ambiental” (fls. 09 do
procedimento que acompanha a presente ação direta).
A referida manifestação também
evidencia que “as medidas compensatórias ao desmatamento autorizado no interior
das ‘Áreas Prioritárias para Incremento da Conectividade’ nem sequer precisam
ser implantadas obrigatoriamente no interior dessas ‘Áreas Prioritárias
para Incremento da Conectividade’. De acordo com o § 1º do artigo 5º, a
compensação deverá ser efetuada preferencialmente dentro dessas áreas,
priorizando APPs.
Esse dispositivo dá margem para se
autorizar desmatamentos de áreas de importância extrema para incremento
da conectividade, por exemplo, nas escalas 7 e 8, mediante simples assinatura de
termo para recuperação em local não prioritário para incremento da
conectividade” (fls. 10).
A conclusão da referida manifestação
técnica é estarrecedora: “Conclui-se que a Resolução SMA 15/08 constitui séria
ameaça para a integridade das áreas prioritárias para incremento da
conectividade” (fls. 12).
Portanto, é evidente que a Resolução
atenta contra o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado
e, por isso, ofende o artigo 180, III, da Constituição Estadual, pois permite
que o desenvolvimento urbano não se atenha à necessária preservação e proteção
do meio ambiente.
Também afronta o art. 184, IV, da
Constituição Paulista, pois o Estado viola o seu dever de orientar a utilização
racional de recursos naturais de forma sustentada, compatível com a preservação
do meio ambiente.
Outrossim, viola o art. 191 da
Constituição Bandeirante, que impõe ao Estado a preservação, a conservação e a
defesa do meio ambiente natural.
Pode-se observar, ainda, afronta ao
art. 192, “caput” e § 1º, por permitir a execução de obras, atividades e
empreendimentos, com exploração de recursos naturais sem o necessário resguardo
do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Além disso, permite a outorga de
licença ambiental com base em critérios estabelecidos em Resolução, quando o §
1º do art. 192 da Constituição do Estado de São Paulo exige a observância dos
critérios fixados em lei.
Infelizmente a Resolução também
afronta outros princípios constitucionais.
DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
LEGALIDADE
A Constituição Paulista impõe ao
Estado a observância do princípio da legalidade.
Com efeito, o art. 111 determina que
a administração pública obedeça a diversos princípios, dentre eles o da
legalidade.
Ocorre que os critérios gerais para a
autorização da supressão de vegetação de significativa relevância ambiental não
podem ser estabelecidos por Resolução. Primeiro pela afronta ao princípio da
legalidade, objeto do presente item. Segundo por violar o princípio da
participação, que será exposto no próximo item.
Ocorre que, ao instituir o bem
ambiental como bem jurídico fundamental, o legislador constituinte trouxe um
importante dever ao Poder Público, qual seja, o de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações,
sendo certo que para assegurar a efetividade desse direito determinou ao Poder
Público definir, em todas as unidades
da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente
protegidos, sendo a alteração e a
supressão permitidas somente através de lei (CF, art. 225, § 1º, III, da
Constituição Federal).
Portanto, não há dúvida: INCUMBE AO
PODER PÚBLICO A DEFESA DO MEIO AMBIENTE ECOLGICAMENTE EQUILIBRADO. Não há
discricionariedade. E a supressão e a alteração de espaços territoriais
ambientalmente importantes têm que ser disciplinas EM LEI.
A reserva legal foi proclamada pelo
próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, em acórdão do qual foi relator
o eminente Ministro Celso de Mello[3].
Do acórdão, fazemos novos destaques:
“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA
INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE
CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A
TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS
INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS
TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART. 225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E
SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE - MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO
CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS
LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU ATIVIDADES NOS ESPAÇOS
TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A ESTES, A INTEGRIDADE DOS
ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE
ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E ECOLOGIA (CF, ART. 225) (...).
(...)A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA
A
incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses
empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica,
ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a
disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios
gerais, àquele que privilegia a "defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI),
que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de
meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio
ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de
natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente,
para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o
que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura,
trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao
patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A
QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE
PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS
EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA.
O princípio do
desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente
constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais
assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo
equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no
entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito
entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja
observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais
significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente,
que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em
favor das presentes e futuras gerações”.
Portanto, é inconstitucional a
Resolução SMA 15/08 ao estabelecer os critérios gerais para permitir ao DEPRN a
expedição de autorização para o desmatamento nos exíguos remanescentes de
vegetação nativa de áreas vitais para a restauração da
biodiversidade.
Referidos critérios gerais deveriam
ser veiculados por lei, pois assim estariam legitimados pela necessária
participação popular, ainda que indireto, na elaboração do comando
normativo.
DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA
PARTICIPAÇÃO
O bem ambiental não é de propriedade
do Poder Público.
Por isso as questões referentes à
exploração dos recursos naturais não podem ser decididas de forma unilateral
pelo Poder Executivo, por meio de Resolução.
Além do envolvimento do Poder
Legislativo, como demonstrado no tópico anterior, sujeitando-se a questão da
exploração dos recursos naturais ao princípio da legalidade, a Constituição
Paulista impõe que o Estado observe o princípio da participação em matéria
ambiental. Participação dos cidadãos e da sociedade.
Com efeito, o art. 191 da
Constituição Paulista determina que o Estado e os Municípios providenciem, com a participação da
coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria
do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades
regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e
econômico.
Mais uma razão para se evidenciar a
inconstitucionalidade da Resolução impugnada, pois não propicia a necessária
participação popular.
Sobre o princípio da participação,
ensinam Cláudia M. C. Santos, José E. de O. Figueiredo Dias e Maria A. de S.
Aragão, em obra coordenada pelo Professor José Joaquim Gomes Canotilho[4]:
“Uma exigência que vem crescentemente sendo posta ao funcionamento da
Administração Pública, é a de transparência e de intervenção no funcionamento
dos órgãos públicos. Também ao nível do Direito do Ambiente se defende a
necessidade de os órgãos públicos e agentes administrativos, e os diversos
grupos sociais existentes na comunidade, intervirem, não só de forma consultiva,
mas também com um papel activo nas tomadas de decisão relevantes para o
ambiente.
Se é necessário prevenir os atentados
ambientais e garantir que os seus causadores sejam responsabilizados, é
igualmente imperioso permitir que os cidadãos (individualmente considerados ou
organizados em grupos ou associações) possam ser ouvido9s na formulação e
execução da política de ambiente.
O princípio (e o correlativo direito)
de participação está fortemente ligado a um outro direito que em geral vem sendo
reconhecido em termos cada vez mais amplos aos cidadãos: o direito à informação,
pois só quando os cidadãos estão devidamente informados é que podem ter
oportunidade de exercer convenientemente o seu direito de
participação”.
A doutrina brasileira também reclama
o respeito ao princípio da participação. José Adércio Leite Sampaio, eminente
Professor Doutor da PUC Minas, Procurador da República, leciona[5]
que “a democracia hodiernamente não se satisfaz apenas com as instâncias
deliberativas dos representantes eleitos e de corpos burocráticos fiéis aos
comandos legais. Exige-se, em complemento, meios de participação direta do povo
ou da comunidade tanto em sede de macrodecisões (plebiscito, referendo e
iniciativa legislativa popular), quanto em processos decisórios de menor
extensão (decisões administrativas, judiciais coletivas e sociais, condominiais
e empresariais, por exemplo) que digam respeito a todos ou os afetem direta ou
indiretamente.
As questões ambientais, pela sua
natureza, extensão e gravidade, colocam-se como tema da macrodemocracia
(consulta popular ambiental como se deu na Itália e Suécia em relação à política
nuclear) e da microdemocracia (participação popular e social, sobretudo das
chamadas organizações não-governamentais, em audiências públicas e em ações
coletivas ambientais).
O direito de participação nos
processos decisórios ambientais, pelas suas feições coletivistas, é par de um
dever correlato. À própria Constituição brasileira imputa à coletividade o dever
de defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações
(art. 225). Uma leitura positivista desse dispositivo enxerga nele apenas um
dever jurídico em sentido fraco, mais próximo do ônus, pois o seu descumprimento
não importa tecnicamente sanção, mas perda da oportunidade de
participar.
Ambientalmente, no entanto, a pena pode ser demasiadamente severa: o
desaparecimento de um patrimônio ou de um recurso
natural”.
Como se vê, resta reforçado o
entendimento de que os critérios gerais para a autorização da supressão de
vegetação de significativa relevância ambiental não podem ser estabelecidos por
Resolução. Primeiro pela afronta ao princípio da legalidade. Segundo por violar
o princípio da participação.
Portanto, a Resolução impugnada na
presente ação direta é inconstitucional por afrontar diversos princípios e
diversos dispositivos da Constituição Estadual, sem prejuízo de afrontar,
também, a Constituição Federal.
DA
LIMINAR
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a
suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo
impugnado.
A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos
anteriormente, que indicam, de forma clara, que o diploma impugnado na presente
ação padece de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre especialmente da idéia de que, sem a imediata
suspensão da vigência e eficácia do ato normativo questionado, ocorrerá a
exploração inconstitucional dos recursos naturais, que são considerados, pela
Constituição Federal, como bem de uso comum do povo. Tal situação gerará
(possivelmente já venha gerando) prejuízo incomensurável ao direito fundamental
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que dificilmente poderá ser
reparado in natura.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas,
dificilmente será viável restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia da Resolução 15, de 13 de março
de 2008, cuja inconstitucionalidade é palpável, evitará maiores prejuízos, além
daqueles que já sofridos até o momento.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p.
16.182).
Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de
suspensão imediata da eficácia do ato normativo impugnado até o julgamento final
da presente ação.
Pelos motivos expostos, a providência é indispensável, para a eficácia
teórica e prática do provimento esperado, de procedência desta
ação.
CONCLUSÃO
Nestes termos, aguardo seja
determinado o processamento da presente ação, colhendo-se informações do
Governador do Estado de São Paulo, as quais examinarei oportunamente, vindo, no
final, a ser declarada a inconstitucionalidade em face da Resolução da Secretaria de
Estado do Meio Ambiente de n. 15, de 13 de março de
2008.
São Paulo, 5 de janeiro de
2009.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça
(2)
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
ADIN nº 173.725.0/7
(Prot. 134.362/08 - MP)
O Procurador-Geral de Justiça de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), vem perante Vossa Excelência expor e requerer
o que segue:
1. No dia 7 de janeiro de 2009,
protocolizamos petição inicial de ação direta de inconstitucionalidade da Resolução SMA nº 15, de 13 de março de
2008 (ato normativo do Secretário de Estado do Meio
Ambiente).
2. Referida ação foi autuada como ADIN
nº 173.725.0/7, sendo distribuída ao eminente Desembargador JOÃO CARLOS
SALETTI.
3. Ocorre que,
depois de ajuizada a ação, constatamos que a Resolução impugnada foi revogada
pela Resolução SMA 085, de 11 de dezembro
de 2008 (publicada no DOE de 12 de dezembro de 2008, Seção I, p. 37),
conforme demonstra o documento em anexo, do que decorre a perda do objeto da
referida demanda.
Diante do exposto, requer-se a
extinção do processo, sem julgamento de mérito, com fundamento no artigo 267,
inciso VI, do CPP.
São Paulo, 21 de janeiro de 2009.
FERNANDO
GRELLA VIEIRA
Procurador-Geral de Justiça
[1] Julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, em 1/9/2005. DJ de 3-2-2006, p. 14.
[2] Interpretação e aplicação da Constituição, São Paulo: Saraiva, 1996, p. 153.
[3] Julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, em 1/9/2005. DJ de 3-2-2006, p. 14.
[4] Introdução ao direito ao ambiente, Lisboa: Universidade Aberta, 1998, p. 55.
[5] Princípios de direito ambiental na dimensão internacional e comparada, Belo Horizonte: Del Rey, 2003, p. 79-80.