Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 143.920/13
Ementa: Constitucional. Urbanístico. Ação
Direta Inconstitucionalidade. Lei n. 15.855, de 16 de setembro de 2013, do
Município de São Paulo, de iniciativa parlamentar. Dispensa da exigência de “habite-se”,
auto de vistoria, alvará de conservação, auto de conclusão, certificado de
conclusão, auto de regularização ou documento equivalente para obtenção de auto
de licença de funcionamento de estabelecimentos não residenciais para imóveis
com área edificada total de até 1.500 metros quadrados. Ampliação da área
construída. Violação ao princípio da separação de poderes. Reserva de
iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo.
Uso do solo urbano. Necessidade de conformidade com as normas urbanísticas e com o plano diretor. A Lei n. 15.855, de 16 de setembro de 2013, do Município de São Paulo, ao dispensar a exigência de “habite-se”, auto de vistoria, alvará de conservação, auto de conclusão, certificado de conclusão, auto de regularização ou documento equivalente para obtenção de auto de licença de funcionamento de estabelecimentos não residenciais para imóveis com área edificada total de até 1.500 metros quadrados, e ampliar o requisito da dimensão área de construída para emissão do auto de licença de funcionamento previsto na Lei n. 15.499, de 07 de dezembro de 2011, é incompatível com o princípio da separação de poderes por sua iniciativa parlamentar à vista da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo (arts. 5º e 24, § 2º, 2, CE/89) e com a necessidade de observância das normas urbanísticas (art. 180, V, CE/89) e de conformidade com o plano diretor da lei que estabelece normas sobre uso e ocupação do solo e índices urbanísticos (art. 181, CE/89).
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face da Lei n. 15.855, de 16 de setembro de 2013, do Município de São Paulo, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
1. A
Lei n. 15.855, de 16 de setembro de 2013, do Município de São Paulo, de
iniciativa parlamentar, dispõe sobre a obtenção de auto de licença de
funcionamento e altera a Lei n. 15.499, de 07 de dezembro de 2011, que institui
o auto de licença de funcionamento condicionado, nos seguintes termos:
Art. 1º. Fica dispensada a exigência de “Habite-se”, Auto de Vistoria, Alvará de Conservação, Auto de Conclusão, Certificado de Conclusão, Auto de Regularização ou documento equivalente, expedidos pela Prefeitura, para a obtenção do Auto de Licença de Funcionamento de que trata a Lei nº 10.205, de 4 de dezembro de 1986, para os imóveis com área total edificada de até 1.500m² (mil e quinhentos metros quadrados).
§ 1º. O Auto de Licença de Funcionamento referido no “caput” deste artigo será expedido para as atividades permitidas pela legislação de uso e ocupação do solo, desde que:
I - o responsável técnico legalmente habilitado e o responsável pela atividade atestem conjuntamente que cumprirão a legislação municipal, estadual e federal vigente sobre as condições de higiene, acessibilidade, segurança de uso, estabilidade e habitabilidade da edificação;
II - seja apresentado o Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros – AVCB, quando for o caso.
§ 2º. Não será expedido o Auto de Licença de Funcionamento de que trata o “caput” deste artigo para imóveis:
I - situados em área “non aedificandi” ou de preservação ambiental permanente;
II - que tenha invadido logradouro ou terreno público, ressalvadas as áreas públicas objeto de concessão, permissão, autorização de uso e locação social;
III - que seja objeto de ação judicial promovida pela Municipalidade de São Paulo, objetivando a sua demolição.
Art. 2º. O inciso II do “caput” do art. 2º da Lei nº 15.499, de 7 de dezembro de 2011, passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 2º ...........................................................
II - a edificação a ser utilizada para o exercício da atividade tenha área construída total de mais de 1.500m² (mil e quinhentos metros quadrados) e até 5.000m² (cinco mil metros quadrados);
..........................................................................” (NR)
Art. 3º. As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 4º. O Executivo regulamentará esta lei, no que couber, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.
Art. 5º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação”.
2. Referida lei dispensa a documentação
mencionada para obtenção de licença para instalação e funcionamento de
atividades não residenciais em imóveis situados no território paulistano com
área total edificada de até 1.500m² (mil e quinhentos metros quadrados) e,
ainda, alterando o inciso II do art. 2º da Lei n. 15.499, de 07 de dezembro de
2011, dilata a dimensão da área construída para fins de concessão do auto de
licença de funcionamento condicionada em edificação em situação irregular, que
era de até 1.500m² (mil e quinhentos metros quadrados) e passou a ser de mais
de 1.500m² (mil e quinhentos metros quadrados) e até 5.000m² (cinco mil metros
quadrados).
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
3. A lei local contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
4. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição
do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim
estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
5. A lei
municipal em foco é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.
(...)
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
(...)
2 - criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX;
(...)
Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:
(...)
V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 181 - Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes”.
6. A
lei, de iniciativa parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem
cumpridas pela Administração Pública para licenciamento do funcionamento de
atividades não residenciais em imóveis, e também amplifica o cabimento de auto
de funcionamento condicionado.
7. Ao
Poder Executivo cabe o planejamento, a direção, a organização e a execução de
atos de governo, especialmente os relativos ao desenvolvimento urbano. Se o
assunto demanda lei em sentido formal, não se dispensa, todavia, o respeito à
reserva de sua iniciativa, dada a natureza técnica que deve presidir a
legislação de uso e ocupação do solo urbano.
8. A
iniciativa parlamentar significa invasão da esfera de assunto da reserva de
iniciativa do Chefe do Poder Executivo que decorre dos arts. 5º e 24, § 2º, 2,
da Constituição Estadual, o Poder Legislativo. A lei local ao estabelecer
procedimentos e conferir atribuições a órgãos do Poder Executivo para o
licenciamento de atividades viola o princípio da separação de poderes.
9. Neste
sentido, este egrégio Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade
de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão
administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes,
conforme ementas de julgados recentes, transcritas a seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade - Lei n° 0650/2013, de 25 de fevereiro de 2013, do Município de Catanduva (‘DISPÕE SOBRE A INCLUSÃO DA RUA RIO CLARO E RUA ICÉM, INCLUINDO-AS NA MACROZONA DE APROVEITAMENTO URBANO DESCRITO NA LEI COMPLEMENTAR N° 0355, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2006, E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.’) - Vicio de iniciativa - Invasão da competência do administrador público - Afronta ao Princípio da Separação dos Poderes - Inconstitucionalidade declarada – Ação julgada procedente” (TJSP, ADI0041262-76.2013.8.26.0000, Rel. Des. Castilho Barbosa, v.u., 18-09-2013).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei Complementar Municipal n°. 2.457, de 29/06/12 - Alteração da redação ao artigo 5º, ‘caput’, da Lei Complementar n°. 1.508/2003, que estabelece normas para a construção e funcionamento de postos revendedores de derivados de petróleo e álcool combustível, para fins automotivos no município e lavarápidos - Lei de iniciativa privativa do Chefe do Executivo - Infringência dos arts. 5º, 47, II, III e XIV, e 144, e 180, II, da Constituição Estadual, e do art. 152, da Lei Complementar n° . 501/95, com a redação dada pela Lei Complementar n°. 1.573/03 – Ação julgada procedente” (TJSP, ADI 0185973-14.2012.8.26.0000, Rel. Des. Zélia Maria Antunes Alves, v.u., 11-09-2013).
10. E
especificamente sobre a matéria em debate, assim decidiu o colendo Órgão
Especial deste egrégio Tribunal de Justiça:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei do Município de Guarulhos n° 7.082/2012, a qual institui o auto de licença de funcionamento condicionado, e dá outras providências - Inadmissibilidade - Tema relativo a atos de gestão - Ingerência do Legislativo em matéria de competência privativa do Executivo - Vedação - Arts. 37, X, e 169, § 1º, I e II, da CF/88 e arts. 5º, § 2º, 47, II, XIV, 25 e 144, todos da Constituição Paulista – Ação julgada procedente. Deve ser julgada procedente ação direta de inconstitucionalidade de lei municipal que abriga matéria de competência privativa do Executivo, pelo vício de iniciativa e por afrontar o princípio da separação e harmonia entre os Poderes e, ainda, em razão de não se admitir, em princípio, iniciativa parlamentar a implicar aumento de despesa para a Administração” (TJSP, ADI 0026438-15.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Ganzerla, v.u., 31-07-2013)
11. Não
bastasse, tratando-se de legislação sobre uso e ocupação do solo urbano, ela
não poderá desalinhar do perfil consignado na Constituição do Estado de São
Paulo ao desenvolvimento urbano por força do art. 144 da Constituição Estadual.
12. O art. 180, V, determina que no
estabelecimento de normas relativas ao desenvolvimento urbano Estado e
Municípios assegurarão a observância das normas urbanísticas.
13. E o art. 181 preceitua a
necessidade de conformidade com o plano diretor da lei que estabelecer normas
sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices
urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas
pertinentes.
14. Ora, a lei local ofereceu exceção
às normas de uso e ocupação do solo urbano, desvinculada do planejamento urbano
integral, o que vulnera a diretriz normativa de sua compatibilidade com o plano
diretor, e sua integralidade, e as normas urbanísticas de uso, ocupação e
parcelamento do solo urbano, o que é bastante para pronúncia de sua
inconstitucionalidade.
15. Portanto, restaram igualmente
violados os arts. 180, V e 181, da Constituição Estadual.
III – Pedido liminar
16. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura da lei impugnada apontada como violadora de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, sobretudo considerando-se o universo
de pessoas atingido pela execução do ato normativo impugnado.
17. À luz desta contextura, requer a concessão de liminar
para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da
Lei n. 15.855, de 16 de setembro de 2013, do Município de São Paulo.
IV – Pedido
18. Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei n. 15.855, de 16 de setembro de 2013, do Município de São Paulo.
19. Requer-se ainda sejam requisitadas
informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de São Paulo, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre a
lei impugnada, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede
deferimento.
São
Paulo, 07 de novembro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj