Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 156.047/13
Ementa: Constitucional.
Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Anexo II da Lei Complementar
nº 18/2009, de 10 de março de 2009, na redação
dada pela Lei Complementar 42/2013, de 20 de maio de 2013, e dos artigos 50 e
51 da Lei Complementar nº 18/2009, de 10 de março de 2009, do Município de Sandovalina.
Cargos de provimento em comissão. Transposição de cargos.1. É inconstitucional a criação de
cargo de provimento em comissão para atribuições inerentes à advocacia pública,
cujo provimento deve ser efetivo mediante aprovação em concurso público (arts.
98, 115, II e V, CE/89). 2. Previsão
regime de transposição de cargos, de maneira a investir servidores em cargo
diverso, sem submissão a prévio concurso público (arts. 111 e 115, II, CE/89).
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o
disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e,
ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com
amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente,
perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “Assessor Jurídico” constante do anexo II da Lei Complementar nº 18/2009, de 10 de março de 2009, na redação dada pela Lei Complementar nº
42/2013, de 20 de maio de 2013, e dos artigos 50 e 51 da Lei Complementar nº
18/2009, de 10 de março de 2009, do Município de Sandovalina, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – OS AtoS
NormativoS Impugnados
1. O
anexo II da Lei Complementar nº 18/2009, na redação dada pela Lei Complementar
nº 42/2013, enumera os cargos em comissão, conforme previsão do artigo 26 do
mesmo diploma legal. Dentre eles, prevê o cargo de assessor jurídico, com a
seguinte redação:
“ANEXO II –
REFERENTE AO ANEXO II DA LC 18/2009
QUADRO DE PESSOAL
CARGOS EM COMISSÃO
QUANT. CARGO
REF/NÍVEL
01 Assessor Jurídico 22-A.”
2. Por sua vez, os arts. 50 e 51 da Lei
Complementar n. 18, de 10 de março de 2009, assim dispõem:
“Art. 50 Fica instituído o Regime de
Transposição de Cargo no Quadro de Servidores de provimento efetivo da
Prefeitura Municipal de Sandovalina.
Art. 51 O Poder Executivo Municipal
poderá reservar, no edital do Concurso público, até 20 % (vinte por cento) das
vagas, a servidores públicos municipais do Quadro de Servidores de provimento
efetivo da municipalidade.
§ Único As normas reguladoras de
acesso Regime de Transposição de Cargos deverão constar em Edital de Concurso
Público.”
II – O
parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
3. Os dispositivos acima transcritos da lei impugnada
contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está
subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29
e 31 da Constituição Federal.
4. Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
5. As normas contestadas são
incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é
instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à
Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador,
responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da
legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral
do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá
sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado,
respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado,
organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de
provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas
as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na
forma do ‘caput’ deste artigo.
§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo
é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante
avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório
circunstanciado das corregedorias.
(...)
Artigo 99 - São funções institucionais da
Procuradoria Geral do Estado:
I -
representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive
as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II -
exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder
Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
(...)
Artigo 111 – A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da
administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou
mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes
normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou
emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou
de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado
em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições
de direção, chefia e assessoramento”.
(...)
Art. 297. São também aplicáveis no
Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não
integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no
texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda
que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.
6. Atividades
inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação
jurídica de entidades ou órgãos públicos são atribuições de natureza
profissional e técnica e exclusivamente reservadas a profissionais investidos
em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação
prévia em concurso público, como revela a remissão ao art. 132 da Constituição
Federal contida no § 1º do art. 98 da Constituição Estadual. Cediça
jurisprudência assim pronuncia:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
- LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º
E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM
COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE
ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR
DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do
Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada
aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em
seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva
atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado,
cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia
aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p.
15.197).
“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE
CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR
JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS
SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4.
DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA
POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR
MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti,
16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE
2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR
DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE.
A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito
evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA -
CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à
iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas
matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do
próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA
CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta
estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes
da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio,
16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
7. Portanto,
é incompatível o provimento comissionado com cargo da advocacia pública. Ademais, o anexo IV da Lei Complementar
n.18/2009 dispõe sobre o cargo efetivo de procurador jurídico, cujas funções
são idênticas àquelas destinadas ao assessor jurídico, previstas no mesmo
diploma legal.
8. Do
mesmo modo, não obstante
predisposta a Lei Complementar n. 18/2009 a uma reestruturação da Administração
Pública Municipal, a regra jurídica constante do artigo 50 autoriza a
transposição de cargo, pois, viabiliza a investidura de servidores em cargo
diverso, sem submissão a prévio concurso público.
9. Ao
seu turno, o artigo 51 visa facilitar a transposição por meio de reserva de
vagas para servidores públicos pertencentes à Municipalidade no edital de
concurso público, o que fere o princípio da isonomia e a regra da investidura
mediante concurso público, pois cria manifesto privilégio aos servidores
perante os demais pretendentes ao cargo.
10. Cuida-se,
sem dúvida alguma, da transposição de servidores públicos lato sensu admitidos para um determinado cargo ou emprego público,
isolado, para outro de natureza, regime e requisitos de investidura diversos,
bem como de carreira distinta, sem submissão à prévia aprovação em concurso
público de provas e títulos em igualdade de condições. Trata-se, portanto, de
transposição vedada. Neste sentido, pronunciou-se o Supremo Tribunal Federal na
ADI 3.857–CE:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO ESTADO DO CEARÁ. PROVIMENTO DERIVADO DECARGOS.
INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA AO DISPOSTO NO ART. 37, II, DA CF. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE. I - São inconstitucionais os artigos da Lei 13.778/2006, do Estado
do Ceará que, a pretexto de reorganizar as carreiras de Auditor Adjunto do
Tesouro Nacional, Técnico do Tesouro Estadual e Fiscal do Tesouro Estadual,
ensejaram o provimento derivado de cargos. II - Dispositivos legais impugnados
que afrontam o comando do art. 37, II, da Constituição Federal, o qual exige a
realização de concurso público para provimento de cargos na Administração
estatal. III - Embora sob o rótulo de reestruturação da carreira na Secretaria
da Fazenda, procedeu-se, na realidade, à instituição de cargos públicos, cujo
provimento deve obedecer aos ditames constitucionais. IV - Ação julgada
procedente” (DJ 27.02.2009).
11. Trata-se,
como já acenado, de transposição para cargo ou emprego distinto, e que é
estimada ilícita e inconstitucional pelo ordenamento jurídico vigente, tanto
que o Supremo Tribunal Federal já editou, a propósito, a Súmula 685, cujo teor
expressa que:
“É inconstitucional toda modalidade
de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em
concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a
carreira na qual anteriormente investido”.
12. A espécie exibe ofensa ao princípio
de moralidade administrativa que preordena a exigência constitucional de
provimento originário de cargos ou empregos públicos isolados ou de carreira
mediante prévia aprovação em concurso público e que, de outra parte, recebe o
influxo do princípio da impessoalidade administrativa ao interditar toda a
sorte de favorecimentos e privilégios na investidura no serviço público e nas
funções públicas correlatas. Portanto, caracterizada a incompatibilidade
vertical com os arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual.
13. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios
e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de
lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de
servidores públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário bem
como na oneração excessiva das finanças públicas pelo pagamento de subsídios e
remunerações além do limite municipal.
14. À luz desta contextura, requer a concessão de liminar
para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da
expressão “Assessor Jurídico” do anexo II da Lei Complementar nº 18/2009, de 10
de março de 2009, na redação dada pela Lei Complementar nº 42/2013, de 20 de maio de 2013, e dos artigos 50 e 51
da Lei Complementar nº 18/2009, de 10 de março de 2009, do Município de
Sandovalina.
IV – Pedido
15. Face ao exposto, requerendo o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da expressão “Assessor Jurídico” constante do Anexo II da Lei Complementar nº 18/2009, de 10 de março de 2009, na
redação dada pela Lei Complementar nº 42/2013, de 20 de maio de 2013, e dos artigos 50 e 51
da Lei Complementar nº 18/2009, de 10 de março de 2009.
16. Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara
Municipal e ao Prefeito Municipal de Sandovalina, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 08 de janeiro de
2014.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj
Protocolado n. 156.047/13
Objeto: representação para controle de constitucionalidade de
leis do Município de Sandovalina
Promova-se a distribuição no egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo da ação direta de inconstitucionalidade
impugnando a expressão “Assessor Jurídico” constante do anexo II da Lei Complementar nº 18/2009, de 10 de março de 2009, na redação dada pela Lei Complementar nº
42/2013, de 20 de maio de 2013 e dos artigos 50 e 51 da Lei Complementar nº
18/2009, de 10 de março de 2009, instruída com o protocolado em epígrafe referido.
Ciência ao interessado.
São Paulo, 08 de janeiro de 2014.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj