EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 158.832/2013

 

                                              

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.534, de 06 de setembro de 2013, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que Determina que as empresas que exploram atividades de caixas eletrônicos em prédios públicos ou privados, mantenham cobertura de seguro para danos de qualquer espécie, e dá outras providências.

2)      Encontra-se na reserva da administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo o exercício da gestão administrativo-patrimonial dos bens públicos e a regulamentação de aspectos relativos ao seu uso privado. Violação ao princípio da separação dos poderes (arts. 5º, 47, II e XIV, XIX, a e 144 da Constituição Estadual).

3)      Legislação que se reveste de nítido caráter civil e comercial, de competência do legislador federal (art. 22, inciso I, da Constituição Federal). Violação do princípio federativo, cuja observância é obrigatória para os Estados e Municípios (arts. 1º e 18º da Constituição Federal e art. 144 da Constituição do Estado).

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734 de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 158.832/2013, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 5.534, de 06 de setembro de 2013, do Município de Sumaré, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Procurador Jurídico do Município de Sumaré (fl. 02).

A Lei nº 5.534, de 06 de setembro de 2013, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que Determina que as empresas que exploram atividades de caixas eletrônicos em prédios públicos ou privados, mantenham cobertura de seguro para danos de qualquer espécie, e dá outras providências, promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal, após

do Poder Executivo, tem a seguinte redação:

“Art. 1º - As instituições financeiras que mantêm caixas eletrônicos e terminais de saque com cartões magnéticos em prédios públicos e ou particulares, localizados no Município de Sumaré, ficam obrigados a contratar e manter seguro que cobrirão prejuízos advindos à pessoa física ou jurídica, responsável pela autorização do uso do espaço, oriundos de qualquer prática criminosa.

Art. 2º - os danos cobertos pelo seguro serão aqueles advindos ao prédio, os decorrentes de perda de mercadorias e reembolso de indenizações que o segurado venha a ser obrigado a pagar em consequências de lesões corporais, danos morais ou danos materiais causados aos usuários dos terminais e qualquer outra espécies de prejuízo provocado pelo evento criminoso.

Art. 3º - O valor do capital segurado será estipulado entre a instituição financeira ou empresa que explore o serviço e a pessoa responsável pela autorização do uso do espaço.

Art. 4º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

O ato normativo transcrito é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.


2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

a.     Da disciplina do uso de bem público

A Lei nº 5.534, de 06 de setembro de 2013, do Município de Sumaré, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O referido ato normativo é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

 “(...)

 “Artigo 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Artigo 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

XIX - dispor, mediante decreto, sobre:

a)      organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar em aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos;  

(...)”

A matéria disciplinada pela Lei encontra-se no âmbito da atividade administrativa do Município ou do Estado, na hipótese de se tratar de prédio público estadual, cuja organização, funcionamento e direção superior cabe ao Governador do Estado ou Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Estaduais ou Municipais.

A obrigatoriedade de contratação de seguro por instituições financeiras que mantenham caixas eletrônicos e terminais de saques com cartões magnéticos em prédios públicos, instituída pelo ato normativo impugnado, é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

Trata-se de atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas, vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, em função do estabelecimento de condições (contratação de seguro) para uso de prédios públicos, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito das condições para uso de bens públicos. Trata-se de atuação administrativa fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX da Constituição Estadual.

Assim, a Lei, ao instituir obrigatoriedade de contratação de seguro para uso de bem público, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

b.          Da disciplina do uso de bem privado

O ato normativo impugnado, quando impõe obrigatoriedade de contratação de seguro pelas instituições financeiras que mantenham caixas eletrônicos e terminais de saques com cartões magnéticos em prédios particulares, suplanta os limites da autonomia municipal radicados nos incisos I e II do art. 30 da Constituição Federal, invadindo a competência legislativa da União, por disciplinar matéria de direito civil e comercial (art. 22, I da Constituição Federal).

A obrigação pela reparação de danos decorrentes de ações criminosas às instalações e usuários de caixas eletrônicos não é matéria de predominante interesse local.

A responsabilidade civil, regras relativas ao direito das obrigações e ao exercício de atividade empresarial são matérias de direito civil e comercial, não podendo ser disciplinadas por lei municipal.

Ao obrigar a contratação de seguro pelas instituições financeiras, o legislador municipal, a pretexto de criar direito local, invadiu a competência do legislador federal, tratando de Direito Civil e Comercial.

De outro lado, não se mostra legítimo, em perspectiva constitucional, que a lei restrinja, indevidamente, o exercício do direito de propriedade, impedindo que o seu titular, relativamente ao imóvel, exerça, com liberdade e de forma adequada, todas as faculdades que o domínio lhe assegura.

A obrigatoriedade de contratação de seguro imposta pela lei municipal às instituições financeiras pelo uso de prédios privados viola o princípio da autonomia da vontade, que constitui um dos componentes essenciais da proteção à liberdade tutelada constitucionalmente aos indivíduos, especialmente, na esfera atribuída pelo Direito para auto-regulação das relações privadas. Os particulares tornam-se desse modo, e nessas condições, legisladores sobre sua matéria jurídica, criando normas jurídicas vinculadas, de eficácia reconhecida pelo Estado.

Também é inegável que as instituições financeiras, às quais a lei se refere, exercem atividade comercial e econômica estando sujeitas em sua atividade a regulamentação da União.

 Dito de outro modo, ao limitar a legítima exploração de aspectos inerentes ao exercício da atividade econômica, deixou o legislador municipal de observar referidos princípios constitucionais.

Danos decorrentes de ações criminosas em locais onde se encontram instalados caixas eletrônicos e terminais de saque, são eventos futuros e incertos, cuja responsabilidade não pode ser imputada por lei municipal à instituição financeira.

Cumpre recordar que o art. 144 da Constituição do Estado determina que “Os municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O ato normativo, ao obrigar a contratação de seguro pelas instituições financeiras para cobertura de eventuais danos a prédios privados ou a usuários atingidos materialmente ou moralmente por ações criminosas, regulou indevidamente atividade comercial e matéria do direito das obrigações, invadindo esfera da competência privativa da União.

Se o município tem autonomia para disciplina da polícia do comércio, não pode exercê-la para além dos limites daquilo que consubstancie a predominância do interesse local. Neste sentido já se decidiu que:

“(...) 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. (...)” (RT 851/128).

3.     DO PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.534, de 06 de setembro de 2013, do Município de Sumaré.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e à Câmara Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 30 de janeiro de 2014.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca


 

Protocolado nº 158.832/2013

Interessado – Procurador Jurídico de Sumaré

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei nº 5.534, de 06 de setembro de 2013, do Município de Sumaré.

2.     Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 30 de janeiro de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca