EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 10.656/13

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de cargos de provimento em comissão criados pelo art. 7º, III, b, e, f, g e h e Anexos III e V da Lei Complementar nº 75, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Buritama.

2)      Cargos de provimento em comissão de Assistente do Departamento Municipal de Educação, Gestor Educacional de Creche e Vice Diretor de Escola, que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargo de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 115, I, II e V, e art. 144).

3)      Criação dos cargos de Assessor do Departamento Municipal de Educação e Coordenador Pedagógico de Ensino Fundamental (art. 7º, III, b e h, da Lei Complementar nº 75, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Buritama), sem descrição das respectivas atribuições. O núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritas na lei. Violação do princípio da reserva legal.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 98.335/2011, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 7º, III, b, e, f, g e h, e das expressões “Assistente do Departamento Municipal de Educação”, “Gestor Educacional de Creche” e “Vice Diretor de Escola” dos Anexos III e V da Lei Complementar nº 75, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Buritama, pelos fundamentos expostos a seguir.

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação do Dr. Albino Ferragini, Promotor de Justiça de em exercício em Buritama (fls. 02/08).

A Lei Complementar nº 75, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Buritama, ao dispor sobre o Estatuto, Plano de Carreira e Remuneração do Magistério Público do Município estabeleceu o seguinte:

(...)

Art. 7º - O quadro do pessoal do magistério público municipal é constituído pela classe de docente e pela classe de suporte pedagógico, conforme Anexos I, II e III, com cargos mantidos, criados, transformados e extintos, respectivamente, na seguinte conformidade:

(...)

III-      Cargos das Classes de Suporte Pedagógico, de provimento em comissão:

...

b)      Assessor do Departamento Municipal de Educação;

...

e)      Assistente do Departamento Municipal de Educação;

f)       Gestor Educacional de Creche;

g)      Vice Diretor de Escola.

h)       Coordenador Pedagógico do Ensino fundamental.”

    

Os atos normativos transcritos, que criaram os cargos em comissão, são inconstitucionais por violação dos arts. 111, 115, I, II e V, e 144 da Constituição Estadual, conforme passaremos a expor.

2.     DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO IMPUGNADOS

As atribuições dos cargos de provimento em comissão de Assistente do Departamento Municipal de Educação, Gestor Educacional de Creche e Vice Diretor de Escola, criados pelo art. 7°, III, c, d, e, f, e g da Lei Complementar nº 75/2011, do Município de Buritama, foram descritas no Anexo III, da seguinte forma:

Denominação da Função

Rol de atribuições

Assistente do Departamento Municipal de Educação

- Prestar atendimento e acompanhamento sistemático, no âmbito do Departamento Municipal de Educação, às famílias e alunos das unidades escolares, orientando procedimentos que colaborem para a garantia do direito ao acesso e permanência do aluno na escola e dos deveres da família para que isto ocorra;

- Elaborar Plano de Trabalho que contemple metas e ações/projetos que auxilie as escolas a estabelecer parcerias com o Conselho Tutelar, com o CRAS e com CREAS possibilitando o atendimento e o acompanhamento da população atendida pela escola;

- subsidiar o Departamento Municipal de Educação por meio de estudos e pesquisas, com a construção de um acervo de normas que identifiquem de forma direta ou indireta direitos e deveres aplicados a educação;

- manter atualizado o acervo de normas estabelecidas por meio de publicações relacionadas com o Departamento Municipal de Educação;

- participar, nos espaços de conselhos de políticas públicas, em fóruns, seminários, debates, especialmente das áreas da educação, assistência social da criança e do adolescente e do atendimento a saúde , com  o objetivo de viabilizar a formação continuada e contribuir para o entendimento da necessidade em se estabelecer a integração com as áreas que convergem para a garantia dos direitos da criança e do adolescente;

- encaminhar aos órgãos competentes relatório das atividades desenvolvidas em cada trimestre;

- cumprir, com ética e responsabilidade, as determinações do Diretor do Departamento de Educação.

Gestor Educacional de Creche

- Dirigir a política educacional na Unidade Escolar;

- Coordenar a Proposta Pedagógica da Unidade, garantindo a participação de toda comunidade educativa.

- Coordenar as atividades pedagógicas e administrativas de creche, orientando a elaboração do plano de trabalho, bem como realizando o acompanhamento de sua aplicação, sugerindo adequações e alterações;

- Realizar treinamento em serviços e orientar os profissionais que atuam em creche no desenvolvimento de ações pedagógicas adequadas e inovadoras;

- Levantar as necessidades da Unidade Escolar quanto a materiais e equipamentos necessários para o bom desenvolvimento do ensino, encaminhando as solicitações aos órgãos competentes;

- Executar outras tarefas e atribuições correlatas, determinadas pelos superiores hierárquicos.

Vice Diretor de Escola.

- Assessorar a elaboração do plano de trabalho da escola, bem como realizar o acompanhamento de sua aplicação, sugerindo adequações e alterações;

- Executar outras tarefas e atribuições correlatas, determinadas pelos superiores hierárquicos.

- Responder pela Direção da Escola no horário que lhe é confiado;

- Substituir o Diretor de Escola em suas ausências e impedimentos obedecendo ao rol de atividades do Diretor;

- Assessorar o Diretor no desempenho das atribuições que lhe são próprias;

- Colaborar nas atividades relativas ao setor pedagógico, a manutenção e conservação do prédio e mobiliário escolar;

- Colaborar com o Diretor no cumprimento dos horários dos docentes, discentes e funcionários.

 

3.     DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS DE ASSISTENTE DO DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO, GESTOR EDUCACIONAL DE CRECHE E VICE DIRETOR DE ESCOLA.

As atribuições previstas para os cargos de provimento em comissão de Assistente do Departamento Municipal de Educação, Gestor Educacional de Creche e Vice Diretor de Escola têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional.

Outros aspectos dos mencionados cargos também lhes conferem natureza de unidades que desempenham atividades subalternas. Um deles é a previsão de jornada de trabalho de 40 horas semanais (Anexo III da LC nº 75/2011), incompatível com função de direção superior. Outra é a exigência apenas de ensino médio para o cargo de Assistente do Departamento Municipal de Educação (Anexo IV da LC nº 75/2011), aspecto que, conjugado com as demais características dos cargos impugnados, reforça a natureza de unidades executórias de pouca complexidade, de nível subalterno, sem poder de mando e comando superior e necessidade do elemento fiduciário para seu desempenho, o que justificaria o provimento em comissão.

A propósito do nível de escolaridade compatível com cargos de provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do Município que Alvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria, extingue empregos públicos e dá outras providências - Funções descritas que não exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente. (TJSP, ADIn 0107464-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2.012)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITÜCIONALIDADE - Legislações do Município que Tietê, que dispõe sobre a criação de cargos de provimento em comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos — Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a complexidade das funções - - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn 0130719-90.2011.8.26.000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2.012)

As atribuições previstas para os referidos cargos, relacionadas a suporte técnico, supervisão, gerenciamento, coordenação, orientação, fiscalização, interlocução, controle, acompanhamentos e informações são atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Trata-se, portanto, de atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

As atividades desempenhadas pela unidade de Assistente do Departamento Municipal de Educação, consistentes em suporte técnico, gerenciamento de atividades para apoio a decisões e execução, e atendimento de necessidades executórias, são atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior no qual se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

Os cargos de Gestor Educacional de Creche e Vice Diretor de Escola desempenham atividades nitidamente técnico-profissionais relacionadas à área da educação, sem muita margem de autonomia haja vista estarem vinculados e sujeitos às normas do sistema nacional da educação. De outro lado, mostra-se incompatível que o Diretor de Escola seja cargo de provimento efetivo (art. 7º, II, b, da LC nº 75/2011) enquanto que o Vice Diretor não o seja.

Além destes aspectos indicativos de que os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de pouca complexidade, exigindo-se tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição genérica de suas atribuições evidenciam a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, 115 incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso.

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, cargos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à sua criação, visto que, assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e das atribuições dos cargos impugnados não se identificam os elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão, antes referidos, destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

 

4.     DA FALTA DA DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSOR DO DEPARTAMENTO MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO E COORDENADOR PEDAGÓGICO DO ENSINO FUNDAMENTAL

Não há na LC nº 75/2011, do Município de Buritama, descrição das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Assessor do Departamento Municipal de Educação e Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental.

Tal omissão vulnera o princípio da legalidade ou reserva legal e o art. 115, incisos I, II e V da Constituição Estadual, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.

Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos, cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica, provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei (Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas, 2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos ou empregos públicos a necessidade de que lei específica descreva as correlatas atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

Somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrados, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição Federal ).

Com maior razão a exigência de reserva legal em se tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, posto que serve para mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei possuir atribuições nela descritas desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na organização municipal.

Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:

“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012)

Concorre neste quadro de falta de definição, indicação, precisão ou descrição das atribuições dos cargos em comissão criados, que muitos deles tão só pela sua terminologia (como médico, professor, dentista, monitor de alfabetização, médico desportivo, assessor, encarregado de setor etc...) ou até mesmo pelo nível de escolaridade exigido ou pela previsão de jornada de trabalho (arts. 1º e 2º da Lei complementar 4.552/2012), não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior.

Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos previstos na lei local a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivas aos princípios de moralidade, eficiência e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

 

5.     DOS PEDIDOS

a.    DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Buritama apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrado que os cargos de provimento em comissão impugnados não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, sem olvidar a ausência da descrição dos cargos de Assessor do Departamento Municipal de Educação e Coordenador Pedagógico do Ensino Fundamental.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADI-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADI-MC 568, RTJ 138/64; ADI-MC 493, RTJ 142/52; ADI-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, do art. 7º, III, b, e, f, g e h; e das expressões “Assistente do Departamento Municipal de Educação”, “Gestor Educacional de Creche” e “Vice Diretor de Escolados Anexos III e V da Lei Complementar nº 75, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Buritama.

 

b.    DO PEDIDO PRINCIPAL

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 7º, III, b, e, f, g e h; e das expressões “Assistente do Departamento Municipal de Educação”, “Gestor Educacional de Creche” e “Vice Diretor de Escola”, dos Anexos III e V da Lei Complementar nº 75, de 29 de dezembro de 2011, do Município de Buritama.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Buritama, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 4 de fevereiro de 2014.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca


Protocolado nº 10.656/13

Interessado : Promotoria de Justiça de Buritama

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Comunique o representante acerca da presente propositura encaminhando cópia da inicial.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 4 de fevereiro de 2014.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

aca