EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 145.179/13

 

 

Ementa:

1) Ação direta de inconstitucionalidade em face do inciso IV do § 1º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis. Autonomia normativa – ato editado no exercício de competência exclusiva da Câmara Municipal.

2) Fixação de requisitos para a instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito.

3) Desrespeito ao art. 13, § 2º, da Constituição Paulista (reprodução do art. 58, § 3º, da CR). Princípio da simetria. Princípios estabelecidos. Aplicação aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

4) Pedido para que se declare a inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício de suas atribuições (art. 116 VI da Lei Complementar Estadual nº 734/93 - Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo; arts. 125 § 2º e 129, IV, da Constituição Federal; art. 74 VI e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 53.232/11) vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do inciso IV do § 1º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis, pelos fundamentos a seguir expostos.

1)    Dos dispositivos legais impugnados

O inciso IV do § 1º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis, dispõe o seguinte:

“Art. 72 – As Comissões Parlamentares de Inquérito são constituídas para fim determinado, por proposta subscrita por 1/3 (um terço) dos membros da Câmara, no mínimo.

§ 1º - O requerimento propondo a constituição de Comissão Parlamentar de Inquérito só será submetido à discussão e apresentação, e deverá indicar, desde logo:

                                (...)

IV – as provas pré-constituídas e as que deverão ser produzidas.

                                 (...)”.

Entretanto, o dispositivo legal impugnado é verticalmente incompatível com a Constituição Estadual, como será demonstrado a seguir.

2)    Violação de princípios estabelecidos

A exigência de que o requerimento seja instruído, obrigatoriamente, com “as provas pré-constituídas”, mostra-se incompatível com o disposto no art. 144 da Constituição Bandeirante, pelo qual: “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se autorganizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Isso decorre do fato de que as comissões especiais de inquérito, instrumentos de investigação legislativa no âmbito do Município, são essencialmente análogas às comissões parlamentares de inquérito, instrumentos de investigação à disposição do Poder Legislativo Federal e Estadual, com previsão na Constituição da República e na Constituição Bandeirante.

Neste sentido, o art. 58, § 3º, da Constituição Federal prevê os requisitos para a instalação de comissões parlamentares de inquérito. Eis sua redação:

                               “Art. 58

                                (...)

§ 3º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores”. (g.n.)

Idêntica previsão contém a Constituição Paulista no art.13, § 2º:

                                “Art.13

                                 (...)

§ 2º. As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos no Regimento Interno, serão criadas mediante requerimento de um terço dos membros da Assembleia Legislativa, para apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, quando for o caso, encaminhadas aos órgãos competentes do Estado para que promovam a responsabilidade civil e criminal de quem de direito”. (g.n.)

A propósito da fixação de condições e requisitos para a instalação das comissões de inquérito é necessário estabelecer uma importante premissa de raciocínio: os parâmetros estabelecidos na Constituição Federal, por força do princípio da simetria, devem ser obrigatoriamente observados nos Estados e Municípios.

É assente o pensamento de que uma das funções mais importantes do Poder Legislativo é a de fiscalizar os atos do Executivo. E um dos importantes instrumentos através dos quais tal fiscalização se opera são as comissões parlamentares (ou especiais, no âmbito dos Municípios) de inquérito. O estabelecimento de limitações ou obstáculos à instauração das comissões de inquérito, minando a função de fiscalização do Legislativo, gera desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos, afetando, portanto, a sistemática da separação de poderes.

E, como recorda José Afonso da Silva (Curso de Direito Constitucional Positivo, 28ª ed., São Paulo, Malheiros, p. 94), encontram-se entre os princípios constitucionais fundamentais, dentre outros, os que se relacionam tanto à organização dos poderes, como os relativos ao regime político (em especial o princípio da representação política, assentado no art.1º, parágrafo único, da CR).

Oportuno, aliás, transcrever trecho da decisão referente ao MS 24831/DF, rel. Min. Celso de Mello, inteiramente aplicável à hipótese:

"Comissão Parlamentar de Inquérito — Direito de oposição — Prerrogativa das minorias parlamentares — Expressão do postulado democrático — Direito impregnado de estatura constitucional — Instauração de inquérito parlamentar e composição da respectiva CPI — Tema que extravasa os limites interna corporis das casas legislativas — Viabilidade do controle jurisdicional — Impossibilidade de a maioria parlamentar frustrar, no âmbito do Congresso Nacional, o exercício, pelas minorias legislativas, do direito constitucional à investigação parlamentar (CF, art. 58, § 3º) — Mandado de segurança concedido. Criação de Comissão Parlamentar de Inquérito: requisitos constitucionais. O Parlamento recebeu dos cidadãos, não só o poder de representação política e a competência para legislar, mas, também, o mandato para fiscalizar os órgãos e agentes do Estado, respeitados, nesse processo de fiscalização, os limites materiais e as exigências formais estabelecidas pela Constituição Federal. O direito de investigar — que a Constituição da República atribuiu ao Congresso Nacional e às Casas que o compõem (art. 58, § 3º) — tem, no inquérito parlamentar, o instrumento mais expressivo de concretização desse relevantíssimo encargo constitucional, que traduz atribuição inerente à própria essência da instituição parlamentar. A instauração do inquérito parlamentar, para viabilizar-se no âmbito das Casas legislativas, está vinculada, unicamente, à satisfação de três (03) exigências definidas, de modo taxativo, no texto da Carta Política: (1) subscrição do requerimento de constituição da CPI por, no mínimo, 1/3 dos membros da Casa legislativa, (2) indicação de fato determinado a ser objeto de apuração e (3) temporariedade da comissão parlamentar de inquérito. Preenchidos os requisitos constitucionais (CF, art. 58, § 3º), impõe-se a criação da Comissão Parlamentar de Inquérito, que não depende, por isso mesmo, da vontade aquiescente da maioria legislativa. Atendidas tais exigências (CF, art. 58, § 3º), cumpre, ao Presidente da Casa legislativa, adotar os procedimentos subsequentes e necessários à efetiva instalação da CPI, não lhe cabendo qualquer apreciação de mérito sobre o objeto da investigação parlamentar, que se revela possível, dado o seu caráter autônomo (RTJ 177/229 — RTJ 180/191-193), ainda que já instaurados, em torno dos mesmos fatos, inquéritos policiais ou processos judiciais. O estatuto constitucional das minorias parlamentares: a participação ativa, no Congresso Nacional, dos grupos minoritários, a quem assiste o direito de fiscalizar o exercício do poder. A prerrogativa institucional de investigar, deferida ao Parlamento (especialmente aos grupos minoritários que atuam no âmbito dos corpos legislativos), não pode ser comprometida pelo bloco majoritário existente no Congresso Nacional e que, por efeito de sua intencional recusa em indicar membros para determinada comissão de inquérito parlamentar (ainda que fundada em razões de estrita conveniência político-partidária), culmine por frustrar e nulificar, de modo inaceitável e arbitrário, o exercício, pelo Legislativo (e pelas minorias que o integram), do poder constitucional de fiscalização e de investigação do comportamento dos órgãos, agentes e instituições do Estado, notadamente daqueles que se estruturam na esfera orgânica do Poder Executivo. (...) Legitimidade passiva ad causam do Presidente do Senado Federal — autoridade dotada de poderes para viabilizar a composição das comissões parlamentares de inquérito." (MS 24.831, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 22-6-05, DJ de 4-8-06).

Além disso, dispositivo do Regimento Interno da Assembleia Legislativa de São Paulo que estabelecia obstáculo concreto à instauração de comissões parlamentares de inquérito foi objeto de controle de inconstitucionalidade:

"Ação direta de inconstitucionalidade. Artigos 34, § 1º, e 170, inciso I, do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo. Comissão Parlamentar de Inquérito. Criação. Deliberação do Plenário da Assembleia Legislativa. Requisito que não encontra respaldo no texto da Constituição do Brasil. Simetria. Observância compulsória pelos estados-membros. Violação do artigo 58, § 3º, da Constituição do Brasil. A Constituição do Brasil assegura a um terço dos membros da Câmara dos Deputados e a um terço dos membros do Senado Federal a criação da comissão parlamentar de inquérito, deixando porem ao próprio parlamento o seu destino. A garantia assegurada a um terço dos membros da Câmara ou do Senado estende-se aos membros das assembleias legislativas estaduais — garantia das minorias. O modelo federal de criação e instauração das comissões parlamentares de inquérito constitui matéria a ser compulsoriamente observada pelas casas legislativas estaduais. A garantia da instalação da CPI independe de deliberação plenária, seja da Câmara, do Senado ou da Assembleia Legislativa. Precedentes. Não há razão para a submissão do requerimento de constituição de CPI a qualquer órgão da Assembleia Legislativa. Os requisitos indispensáveis à criação das comissões parlamentares de inquérito estão dispostos, estritamente, no artigo 58 da CB/88. Pedido julgado procedente para declarar inconstitucionais o trecho ‘só será submetido à discussão e votação decorridas 24 horas de sua apresentação, e’, constante do § 1º do artigo 34, e o inciso I do artigo 170, ambos da Consolidação do Regimento Interno da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo ."(ADI 3.619, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 1º-8-06, DJ de 20-4-07)

Registre-se o pensamento do Ministro José Celso de Mello Filho, em sede doutrinária, averbando que “não se pode ignorar que as comissões de inquérito são emanações da própria instituição parlamentar” (Constituição Federal Anotada, 2ª ed., São Paulo, Saraiva, 1986, p. 171/172, em comentários ao art. 37 da Constituição de 1967, red. EC. 01/69).

Anote-se ainda, que esse E. Tribunal de Justiça de São Paulo, em situação análoga, nos autos da ação direta de inconstitucionalidade nº 55.218.0/2 (j. 27.12.2000, v.u., rel. des. Denser de Sá), declarou a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Orgânica do Município de São Paulo (art. 33) que exigia maioria absoluta, divergindo das regras constitucionais, para aprovação de requerimentos de instalação de comissões parlamentares de investigação.

Por fim, é oportuno ressaltar que os atos editados pelo Poder Legislativo no exercício de suas competências exclusivas não são meros regulamentos (como o são os Decretos Regulamentares do Executivo em relação às Leis). Ao contrário, são atos normativos autônomos, como se verifica quando, v.g. a Câmara dos Deputados ou o Senado Federal exercem as competências exclusivas que lhes são atribuídas pelos arts. 51 e 52 da CR, entre elas elaborar seu regimento interno, dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção de cargos (art. 51, III e IV, e 52, XII e XIII, da CR). O mesmo ocorre com a Assembleia Legislativa, quando exerce similar competência exclusiva, por meio de resolução ou decreto legislativo (art. 20, II e III, da Constituição Paulista).

Dada à autonomia normativa do Regimento Interno da Câmara Municipal, torna-se perfeitamente possível seu confronto direto com a Constituição Estadual.

Basta recordar, por exemplo, que o E. STF já reconheceu a possibilidade de controle concentrado de constitucionalidade de resoluções editadas por tribunais, que tratam de aumento de remuneração (ADI 2104/DF, T. Pleno, rel. Min. Eros Grau, j. 21.11.2007, DJE-031, 22-02-2008, EMENT VOL-02308-01, PP-00122), de eleições internas no tribunal estadual (ADI-MC 3976/SP, T. Pleno, rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. 14/11/2007, DJE-026, 15-02-2008, DJ 15-02-2008,  EMENT VOL-02307-03,  PP-00420), ou por Secretaria Estadual, que regula o horário de funcionamento de comercio (ADI-MC 3731/PI, T. Pleno, rel. Min. CEZAR PELUSO, j. 29/08/2007, DJE-121, 11-10-2007, DJ 11-10-2007,  PP-00038,  EMENT VOL-02293-01,  PP-00043). O que esses casos, aqui indicados a título de simples exemplificação, têm em comum, é o caráter autônomo dos referidos atos normativos, que os habilita a figurar como objeto do controle concentrado de normas, tal como ocorre com atos normativos editados pelo Poder Legislativo, no exercício de competências que lhes são exclusivas.

3)    Da Liminar

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos atos normativos impugnados.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, a existência do vício de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do dispositivo do Regimento Interno da Câmara Municipal de Pradópolis, instalar-se-á, provavelmente, situação de dificuldade concreta para eventual instalação de Comissões Especiais de Inquérito no aludido Município.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Válida tal afirmação, na medida em que providências administrativas que ulteriormente serão necessárias para o restabelecimento do statu quo ante, com a esperada procedência da ação, trarão ônus e custos para a Administração Pública, bem como para apurações parlamentares em casos específicos.

Assim, a imediata suspensão da eficácia do ato normativo, cuja inconstitucionalidade é palpável, evita qualquer desdobramento no plano dos fatos que possa significar, na prática, prejuízo concreto.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia do inciso IV do § 3º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis.

4) Conclusão e pedido

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade do inciso IV do § 3º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis

Assim, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente, após as requisições de informações à Câmara Municipal de Pradópolis, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

                   São Paulo, 18 de fevereiro de 2014.

 

                            Márcio Fernando Elias Rosa

                            Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 145.179/2013

Assunto: inconstitucionalidade do inciso IV do § 3º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do inciso IV do § 3º do art. 72 do Regimento Interno da Câmara de Vereadores de Pradópolis, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 18 de fevereiro de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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