Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 174.253/13
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Cargo de Assessor Jurídico constante no Art. 22, na redação dada pelo art. 5° da Lei n. 2.322, de 30 de outubro de 2013, e no Anexo I da Lei n. 2.054, de 17 de agosto de 2009, do Município de Louveira. Criação de cargo de provimento em comissão. Advocacia pública. É inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão para atribuições inerentes à advocacia pública, cujo provimento deve ser efetivo mediante aprovação em concurso público (arts. 98, 99, 101, 111 e 115, II e V, da CE/89).
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no
exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual
n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado
de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129,
IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em
face da expressão “Assessor Jurídico” contida no art. 22, na redação dada pelo
artigo 5° da Lei n. 2.322, de 30 de outubro de 2013, e no Anexo I da Lei n. 2.054,
de 17 de agosto de 2009, do Município de Louveira, pelos fundamentos a seguir
expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
1.
A
Lei n. 2.054, de 17 de agosto de 2009, ao dispor sobre a criação da Fundação
Municipal de Louveira – FUMHAB, em seu artigo 22, na redação dada pelo artigo 5° da Lei n. 2.322, de 30 de outubro de 2013,
do Município de
Louveira, cria cinco cargos em comissão:
“Art. 22
Ficam criados, na estrutura administrativa da Fundação Municipal de Habitação
de Louveira – FUMHAB, os seguintes cargos de provimento em comissão:
Denominação |
Remuneração |
Superintendente |
8.617,00 |
Assessor
Jurídico |
5.390,00 |
Coordenador
de Ação Social |
5.390,00 |
Coordenador
de Habitação |
5.390,00 |
Coordenador
Administrativo e Financeiro |
5.390,00 |
Parágrafo
único. As atribuições dos cargos criador neste artigo são as constantes do
anexo I, parte integrante desta Lei.”
2.
Ainda,
o Anexo I do referido diploma normativo traz as atribuições dos cargos criados,
e no que interessa:
“
I - CARGO: Assessor
Jurídico. |
II – DESCRIÇÃO SUMÁRIA:
Presta assistência em assuntos de natureza jurídica através da emissão de
pareceres e de instrução em processos judiciais envolvendo o Fundo Municipal
de Habitação de Louveira, o qual representa nas diversas esferas judiciais. |
III - FORMA DE PROVIMENTO:
Cargo de livre nomeação e exoneração. |
IV - INSTRUÇÃO: Curso
Superior em Direito e registro profissional na forma da legislação em vigor
(OAB). |
V - ATRIBUIÇÕES: A defesa em juízo ou fora
dele, dos direitos e interesses do Fundo Municipal de Habitação de
Louveira; Estudos, pesquisas e
emissão de pareceres sobre questões jurídicas; Assessoramento jurídico ao
Fundo Municipal de Habitação de Louveira; O assessoramento ao
Superintendente do Fundo Municipal de Habitação de Louveira nos atos
relativos a aquisição e alienação de imóveis públicos, inclusive em programas
habitacionais; A orientação jurídica nas
sindicâncias e inquéritos administrativos instaurados no Fundo Municipal de
Habitação de Louveira; A promoção da redação,
registro, publicação e expedição de todos os atos do Superintendente do Fundo
Municipal de Habitação de Louveira; A organização e atualização
de coletânea de leis municipais, bem como da legislação federal e estadual de
interesse do Fundo Municipal de Habitação de Louveira; Assessoramento na
interpretação de normas jurídicas e em qualquer assunto de conteúdo jurídico; Participar das etapas de
processos referentes ao estudo da matéria jurídica como adequação a
legislação vigente e apuração de informações; Redigir e apreciar
documentos jurídicos; Interpretar normas legais e
administrativas; Manter registro dos
assuntos e documentos jurídicos e de interesse do Fundo Municipal de
Habitação de Louveira; Responder a consultas
formuladas; Promover a elaboração de
documentos, termos, contratos, e convênios em que Fundo Municipal de
Habitação de Louveira for parte integrante; Examinar documentos destinados á instrução de
processos, ajuizando sobre sua validade e determinando ou não a sua juntada,
para documentar de modo preciso os referidos processos Desenvolver estudos e
pesquisas, instruindo e orientando as Diretorias Técnicas e de Habitação
acerca da regularização fundiária de seus programas habitacionais
implantados; Promover, juntamente com as
Diretorias Técnica, Administrativa e de Habitação o cumprimento de todas as
exigências para registro dos projetos habitacionais implantados no Fundo
Municipal de Habitação de Louveira; Atender e encaminhar os
munícipes que desejarem informações jurídicas sobre assuntos relacionados ao
Fundo Municipal de Habitação de Louveira; Promover junto ao setor
competente as requisições para aquisição e o abastecimento de material de
trabalho e equipamentos de consumo; Orientar na instituição e
registro de entidades representativas e movimentos representativos de
moradores, púbicas e privadas, subvencionados ou não pelo Poder Público,
prestando-lhe assistência jurídica; Elaborar e apresentar
relatórios; Executar outras atividades
afins |
”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
3. Os dispositivos acima transcritos
da lei impugnada contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo,
a qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos
arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.
4. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição
do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim
estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
5. As
normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é
instituição de natureza permanente, essencial à administração da justiça e à
Administração Pública Estadual, vinculada diretamente ao Governador,
responsável pela advocacia do Estado, sendo orientada pelos princípios da
legalidade e da indisponibilidade do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral
do Estado disciplinará sua competência e a dos órgãos que a compõem e disporá
sobre o regime jurídico dos integrantes da carreira de Procurador do Estado,
respeitado o disposto nos arts. 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste artigo.
§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.
(...)
Artigo 99 - São funções institucionais da
Procuradoria Geral do Estado:
I - representar judicial e
extrajudicialmente o Estado e suas autarquias, inclusive as de regime especial,
exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
6. Atividades
inerentes à advocacia pública como assessoramento, consultoria e representação
jurídica de entidades ou órgãos públicos são atribuições de natureza
profissional e técnica e exclusivamente reservadas a profissionais investidos
em cargos de provimento efetivo da respectiva carreira mediante aprovação
prévia em concurso público, como revela a remissão ao art. 132 da Constituição
Federal contida no § 1º do art. 99 da Constituição Estadual. Cediça
jurisprudência assim pronuncia:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
(ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO -
CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO
ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de
assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela
Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável
imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes
da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que
exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e
títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-
“TRANSFORMAÇÃO,
EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO,
ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO
DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR
2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO
FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR
MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
7. Portanto,
é incompatível o provimento comissionado com cargo da advocacia pública.
III – Pedido liminar
8. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de
princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação,
consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção
de remuneração à custa do erário bem como na oneração excessiva das finanças
públicas pelo pagamento de subsídios e remunerações além do limite municipal.
9. À luz desta contextura,
requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, da expressão “Assessor Jurídico” contida no art. 22, na redação dada
pelo artigo 5° da Lei n. 2.322, de 30 de outubro de 2013, e no Anexo I da Lei
n. 2.054, de 17 de agosto de 2009, do Município de Louveira.
IV – Pedido
10. Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da
expressão “Assessor Jurídico” contida no art. 22, na redação dada pelo artigo
5° da Lei n. 2.322, de 30 de outubro de 2013, e no Anexo I da Lei n. 2.054, de
17 de agosto de 2009, do Município de Louveira.
11. Requer-se ainda que sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Louveira,
bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre
os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 13 de fevereiro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado n. 174.253/13
Interessado: Francisco de Assis Teles
Objeto: representação para controle de constitucionalidade de lei do Município de Louveira
Promova-se a distribuição no egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo da ação direta de inconstitucionalidade
impugnando a expressão
“Assessor Jurídico” contida no art. 22, na redação dada pelo artigo 5° da Lei
n. 2.322, de 30 de outubro de 2013, e no Anexo I da Lei n. 2.054, de 17 de
agosto de 2009, do Município de Louveira, instruída com o protocolado em epígrafe referido.
Ciência ao douto interessado, enviando-lhe cópia.
São
Paulo, 13 de dezembro de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj