Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado n. 118.596/13

 

 

 

Ementa:

1-   Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes dos Anexos III e IX da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012

2. Cargos meramente técnicos ou burocráticos. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Excepcionalidade, no vigente ordenamento constitucional, dos cargos de provimento em comissão. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 111, art. 115, I, II e V, e art. 144). Violação aos arts. 98 e 100 da CF/89 que, reproduzindo a CF/88 (arts. 131, § 2º, e 131), reservam a advocacia pública aos servidores de carreira investidos em cargos de provimento efetivo mediante prévia aprovação em concurso público.

3. Sujeição dos empregos de provimento em comissão ao regime celetista, contrariando a exigência do regime administrativo. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (art. 111 da Constituição Estadual).

4. Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes dos Anexos III e IX (ASSESSOR JURÍDICO, CHEFE DE GABINETE e PROCURADOR JUDICIAL) da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012, pelos fundamentos expostos a seguir.

1)    Ato normativo impugnado.

A Lei Complementar n. 01, de 01 de junho de 2010, “reorganiza a Estrutura Administrativa e Consolida a legislação pertinente ao Plano de Cargos e Salários da Prefeitura Municipal da Estância Climática de Analândia” (fls. 14/133).

Referida lei é a fonte normativa dos cargos públicos existentes na Prefeitura Municipal de Analândia. Ocorre que, observando-se os anexos da referida lei, verifica-se que foi prevista a existência de cargos de provimento em comissão que não preenchem o perfil e os requisitos constitucionais para essa forma de ingresso no serviço público. Entre os cargos de provimento em comissão encontram-se os seguintes: ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL.

Os cargos de provimento em comissão acima indicados ostentam características de cargos técnicos, a exigir a realização de concurso para seu provimento efetivo.

Ocorre que, conforme relatado na representação que instrui a presente ação direta de inconstitucionalidade (fls. 02/13), as funções de Assessor Jurídico são exatamente as mesmas do cargo de Advogado (fl. 05), sendo que a única diferença entre os cargos consiste na sua forma de provimento.

O mesmo se dá no tocante ao cargo de Diretor de Recursos Humanos, o qual ostenta função idêntica à de Encarregado de Departamento de Pessoal, conforme esclarece o Quadro descrito a fl. 08.

No que se refere aos cargos de Diretor Clínico e Diretor de Hospital, nota-se a existência de dois cargos distintos, com atribuições idênticas, com requisitos diversos para investidura. Ademais, o cargo Diretor Clínico exige curso superior completo em Medicina, ao passo que a mesma exigência não é feita para o cargo de Diretor de Hospital (fl. 09).

As atribuições dos mencionados cargos de provimento em comissão estão descritas no Anexo XII Lei Complementar n. 01, de 01 de junho de 2010, do Município da Estância Climática de Analândia: (a) fl. 75 – Assessor Jurídico; (b)  fl. 76 – Diretor Clinico e Direito de Hospital e (c) fl. 77 – Diretor de Recursos Humanos).

2)    Incompatibilidade vertical com o ordenamento constitucional.

Os cargos descritos anteriormente são verticalmente incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com o art. 111, art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, todos da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto à criação de cargos de provimento em comissão (art. 115, I, II e V, da Constituição Estadual). Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9. ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

A autonomia municipal envolve quatro capacidades básicas: (a) capacidade de auto-organização (elaboração de lei orgânica própria); (b) capacidade de autogoverno (eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais); (c) capacidade normativa própria (autolegislação, mediante competência para elaboração de leis municipais); (d) capacidade de auto-administração (administração própria para manter e prestar serviços de interesse local) (Cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 591).

Nas quatro capacidades acima estão configuradas: (a) a autonomia política (capacidades de auto-organização e de autogoverno); (b) autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de suas competências); (c) autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais); (d) autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas), como se colhe, ainda uma vez, nos ensinamentos de José Afonso da Silva (ob. cit., p. 591).

Para que possa exercer sua autonomia administrativa, o Município deve criar cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos cargos através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há implícitos limites à criação, por lei, de cargos de provimento em comissão, visto que assim não fosse, estaria na prática aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso aos cargos públicos.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. STF, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor comum.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

É a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelece o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. STF (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de cargos em comissão pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para criação de tais cargos, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos impugnados nesta ação direta destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

Observe-se, ademais, que a descrição das atribuições dos cargos não descreve qualquer atividade que exija, concreta e especificamente, especial relação de confiança com a cúpula do Poder Legislativo Municipal, de sorte a permitir o provimento do cargo sem a realização de concurso.

Ademais, no tocante ao cargo de Assessor Jurídico, denota-se sua inconstitucionalidade, porque a atividade de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito.

É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal ao tratar da advocacia pública estadual.

Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos investidos mediante concurso público (inclusive a chefia do órgão, cujo agente deve ser nomeado e exonerado ad nutum dentre os seus integrantes), o que é reverberado pela jurisprudência:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).

“TRANSFORMAÇÃO, EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO, ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR 2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 16-10-1992, m.v., DJ 02-04-1993, p. 5.611).

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI 4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe 20-08-2010, RT 901/132).

“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).

3. Inadmissibilidade da adoção do regime celetista para cargos ou empregos comissionados.

Dispõe o art. Art. 36, V, da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, que emprego em comissão “é o conjunto de tarefas e encargos de direção, chefia, assessoramento e outras funções de confiança, de livre nomeação e de exoneração do Prefeito Municipal”; o art. 38 reza que “ficam criados os empregos em comissão, nas quantidades, denominações, referências e requisitos para preenchimento especificados no Anexo IX, que faz parte integrante desta Lei”; por seu turno, afirma o art. 40 que os empregos em comissão nas quantidades, denominações e grupo são os especificados no Anexo III, que faz parte integrante desta Lei”; culmina, por fim, o art. 41que “os empregos em comissão são de livre nomeação e demissão pelo Prefeito Municipal, obedecidos os requisitos mínimos para preenchimento”.

O Anexo IX da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, descreve os seguintes empregos de provimento comissionados criados: ASSESSOR JURÍDICO, CHEFE DE GABINETE E PROCURADOR JUDICIAL.

Ora, a sujeição dos ocupantes de cargos comissionados ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, é inconciliável o cargo de provimento em comissão de livre provimento e exoneração com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

Com efeito, o cargo comissionado é de instituição permanente e, por natureza, de provimento instável e precário, porque se liga à concepção de execução de diretrizes políticas superiores que são exigentes de relação de confiança.

É por essa razão que a Constituição Federal prevê liberdade no provimento e na exoneração (dispensando qualquer motivação e a regra do concurso público) dos cargos de provimento em comissão.

A inserção desses cargos no regime celetista é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do cargo, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, o desprovimento do cargo comissionado é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

Da mesma forma entende o Superior Tribunal de Justiça em venerando acórdão assim ementado:

“4. A nomeação para cargo em comissão, por se tratar de relação jurídica própria de direito público estabelecida entre a Administração e o comissionado, é regulada pelo regime estatutário, ou seja, essa relação não tem natureza contratual, mas institucional, de modo que não se lhe aplicam as disposições pertinentes ao emprego público, subordinado, basicamente, ao regime celetista” (STJ, REsp 621.647-DF, 1ª Turma, Rel. Min. Denise Arruda, 21-03-2006, v.u., DJ 10-04-2006, p. 130).

A jurisprudência respalda a declaração de inconstitucionalidade.

Examinando preceito da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul que assegurava “aos ocupantes de cargos de que trata este artigo será assegurado, quando exonerados, o direito a um vencimento integral por ano continuado na função, desde que não titulem outro cargo ou função pública” (art. 32, § 3º), estimou o Supremo Tribunal Federal:

“4. Além dessa inconstitucionalidade formal, ocorre, também, no caso, a material, pois, impondo uma indenização em favor do exonerado, a norma estadual condiciona, ou ao menos restringe, a liberdade de exoneração, a que se refere o inc. II do art. 37 da C.F.” (STF, ADI 182-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sydney Sanches, 05-11-1997, v.u., DJ 05-12-1997, p. 63.902).

Desse julgamento merece destaque o seguinte excerto:

“9. Se, por força da cláusula constitucional explícita, a exoneração do cargo em comissão é livre, não pode estar subordinada a nenhuma condição. A exigência do pagamento de indenização equivalente a um mês de vencimentos, por ano de exercício de cargo em comissão, restringe o poder discricionário da Administração de livremente nomear e exonerar o ocupante do cargo, por considerações ligadas aos encargos financeiros decorrentes, tudo de forma a inibir essas prerrogativas da Administração, emanadas da Constituição.

10. A indenização prevista nas normas impugnadas, dessa forma, é inconciliável com a regra contida na segunda parte do inciso II do art. 37 da Constituição Federal”.

Outro precedente da Suprema Corte é mais expressivo:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, INDENIZAÇÃO COMPENSATÓRIA PAGA PELOS COFRES PÚBLICOS POR OCASIÃO DA EXONERAÇÃO OU DISPENSA DE QUEM, SEM OUTRO VÍNCULO COM O SERVIÇO PÚBLICO, SEJA OCUPANTE DE FUNÇÃO OU CARGO EM COMISSÃO DE LIVRE EXONERAÇÃO, ART. 287 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. 1. A nomeação para os cargos em comissão é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração. A disposição que prevê o pagamento pelos cofres públicos de indenização compensatória aos ocupantes de cargos em comissão, sem outro vínculo com o serviço público, por ocasião da exoneração ou dispensa, restringe a possibilidade de livre exoneração, tal como prevista no art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal. 2. Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade e a consequente ineficácia do art. 287 da Constituição do Estado de São Paulo, desde a sua promulgação” (STF, ADI 326-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Paulo Brossard, 13-10-1994, m.v., DJ 19-09-1997, p. 45.526).

Nesse julgamento assinalou o eminente Ministro Paulo Brossard que:

“Os titulares dos cargos ou das funções sujeitos à investidura por concurso público gozam de garantias previstas na Constituição: são garantias inerentes ao exercício do cargo, que não são concedidas às pessoas como privilégio, mas para garantir o exercício das funções dentro dos estritos limites da lei, a salvo de pressões e injunções de toda ordem; para estes o ordenamento jurídico entende que é necessária alguma garantia.

Ao contrário, os que ascendem a cargos não sujeitos à investidura por concurso, ficando à mercê da dispensa ou exoneração ad nutum, convivem a todo instante com o dever de fidelidade para com a execução da diretriz política que lhe foi confiada e com o caráter transitório da sua presença na administração pública; para estes não é desejável nenhuma garantia além daquela que advém do correto e eficiente desempenho das tarefas que lhe foram confiadas, e que aceitaram delas desincumbir-se.

5. Concluo entendendo que a relevância da matéria está posta no interesse da Administração, e não do servidor, e que a manutenção da disposição impugnada é desaconselhada pelo art. 37, II, combinado com o art. 25 da Constituição Federal, porque se a nomeação é feita sob a cláusula expressa de livre exoneração, o dever de indenizar restringe essa liberdade”.

Avulta na hipótese examinada a inadmissibilidade de extensão ao cargo comissionado de parcela ou da íntegra da disciplina do regime estatutário ou do celetista, incompatíveis com a sua natureza.

Pois, da mesma forma que se edifica a impossibilidade de sua sujeição ao regime contratual (celetista), também se denota a inviabilidade plena e absoluta da concessão de elementos integrantes do regime legal (estatutário) peculiares e exclusivos dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo ou dissonantes da natureza do cargo de provimento em comissão – situando-se, por exemplo, nesta latitude, a estabilidade ordinária ou anômala (STF, RE-AgR 181.727-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Eros Grau, 23-08-2005, v.u., DJ 09-12-2005, p. 14, RT 848/150; STF, RE 146.332-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Octávio Gallotti, 15-09-1992, v.u., DJ 06-11-1992, p. 20.109, RTJ 143/335), a estabilidade sindical provisória (STF, RE 183.884-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 08-06-1999, v.u., DJ 13-08-1999, p. 14) e as “horas-extras” (TJSP, AC 158.793-5/4-00, Limeira, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antônio C. Malheiros, v.u., 11-10-2005; TJSP, AC 118.215-5-00, Nhandeara, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Antônio Rulli, v.u., 16-10-2002; TJSP, AC 128.751-5/9-00, Ribeirão Preto, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Geraldo Lucena, v.u., 14-05-2003; TJSP, AC 257.045-5/3-00, Cubatão, 12ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Prado Ferreira, v.u., 16-08-2006). Neste contexto, pronuncia venerando acórdão que “indenizações rescisórias e FGTS são incompatíveis para os ocupantes dos cargos providos em comissão” (TJSP, AC 323.630-5/9, São Carlos, 1ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Castilho Barbosa, 27-03-2007).

Complementando esta digressão, a doutrina pondera que “o servidor que exercer cargo público em comissão poderá ser demitido ad nutum, não ficando sujeito às formas demissionárias dos servidores públicos efetivados” [Claudionor Duarte Neto. O Estatuto do Servidor Público (Lei n° 8.112/90) à luz da Constituição e da Jurisprudência, São Paulo: Atlas, 2007, p. 51], e, por isso, se na Administração Pública direta é admissível a sujeição dos servidores públicos lato sensu ao regime celetista como empregados públicos, a Lei n. 9.962/00, de âmbito federal, exclui dessa possibilidade os cargos de provimento em comissão (art. 1°, § 2°, b).

Sob outro prisma, é inegável o reconhecimento de franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

 Na espécie, os arts. 31, 36, V, 38, 40 e 41 da Lei Complementar n. 01/10 infringem ambos os princípios. Como os cargos comissionados constituem exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por critérios pessoais e subjetivos, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

Ora, o padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de cargo comissionado, à luz da conformação constitucional que realça a liberdade de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente políticos. Em suma, a sujeição do cargo comissionado ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza do cargo público cuja marca eloquente é a instabilidade do provimento ditada pela relação de confiança.

3) Pedido Liminar.

Estão presentes os pressupostos para a concessão da liminar, determinando-se a suspensão das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes do Anexo III e IX (ASSESSOR JURÍDICO, CHEFE DE GABINETE e PROCURADOR JUDICIAL) da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012.

A razoável fundamentação jurídica evidencia-se pelos motivos que lastreiam a propositura desta ação direta.

Quanto ao perigo da demora, evidencia-se pelo fato de que, a prevalecer, por ora, a presunção de constitucionalidade das normas glosadas nesta ação direta, atos materiais serão realizados no sentido de concretização de suas previsões normativas, gerando situações cuja reversão ao status quo ante, futuramente, será de considerável grau de dificuldade.

As situações consolidadas, muitas vezes, criam espaço para argumentação no sentido da improcedência da ação, ou mesmo afastamento de seus efeitos concretos, desprestigiando, em última análise, o próprio sistema de controle concentrado de constitucionalidade, bem como esvaziando a autoridade da Corte Constitucional, seja no plano federal, como no estadual.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Requer-se, destarte, a concessão da liminar, determinando-se a suspensão das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes dos Anexos III e IX (ASSESSOR JURÍDICO, CHEFE DE GABINETE e PROCURADOR JUDICIAL) da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012.

4. Conclusão e pedido.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes dos Anexos III e IX (ASSESSOR JURÍDICO, CHEFE DE GABINETE e PROCURADOR JUDICIAL) da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012

 

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal da Estância Climática de Analândia, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 18 de fevereiro de 2014.

 

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 118.596/13

Interessado:  Promotoria de Justiça de Itirapina

Assunto: Inconstitucionalidade das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes do Anexo III da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial acerca das expressões ASSESSOR JURÍDICO, DIRETOR DE RECURSOS HUMANOS, DIRETOR CLÍNICO e DIRETOR DE HOSPITAL, constantes dos Anexos III e IX (ASSESSOR JURÍDICO, CHEFE DE GABINETE e PROCURADOR JUDICIAL) da Lei Complementar n. 01/2010, do Município da Estância Climática de Analândia, com as alterações da Lei Complementar n. 02/2012.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

         São Paulo, 18 de fevereiro de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça