Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Protocolado
n. 154.897/12
Ementa: 1) Ação direta
de inconstitucionalidade ajuizada em face do art. 89, I, II e III, e dos incisos
V, VI e VII do art. 91 da Lei n. 2.146, de 28 de maio de 2012, do Município de
Cananéia, que “Institui o Plano Diretor Participativo, define Princípios,
Objetivos, Estratégias e Instrumentos para a Realização das Ações de
Planejamento no Município da Estância de Cananéia, e dá outras providências”.
2) Dispositivos que permitem a regularização
de assentamentos já existentes até a publicação da lei em questão, em áreas non edificandi ao longo de corpos
d’água, quando não houver a possibilidade de relocação da população residente
para outra área, desde que cumpridos os requisitos dos incisos I, II e III, do
artigo 89. Entretanto, embora seja previsto no inciso III como requisito para a
regularização que a presença do assentamento não acarrete danos ambientais, os
incisos anteriores I e II, preveem a necessidade de drenagem e urbanização,
intervenções estas que evidentemente são intrinsicamente incompatíveis com a
flora, fauna, cursos hídricos e regimes de águas, ou seja, ocasionam dano
ambiental ao sistema de proteção das áreas de preservação permanente e/ou
várzeas. Possibilitam, ainda, que as Zonas Especiais de Interesse Turístico
abriguem ainda que em área de proteção ambiental, empreendimentos: a)
turísticos, consolidando os já instalados e em funcionamento na data da aprovação
da referida lei; b) residenciais de baixa densidade de caráter de veraneio e c)
auto-suficientes do ponto de vista de estrutura e serviços urbanos.
3) Violação de
diversos dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: arts. 180, III,
192, §2º, 196 197, 198 e 213.
4) Violação do art.
24, VI da Constituição Federal e art. 144 da Constituição Estadual.
O
Procurador-Geral de Justiça de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e em
conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2.º, e 129, inciso IV, da Lei
Maior, e arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com
base nos elementos de convicção existentes no incluso protocolado (PGJ n. 154.897/12),
vem perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 89, incisos I, II e III, e
dos incisos V, VI e VII, do art. 91 da Lei n. 2.146, de 28 de maio de 2012, do
Município de Cananéia, que “Institui o Plano Diretor Participativo, define
Princípios, Objetivos, Estratégias e Instrumentos para a Realização das Ações
de Planejamento no Município da Estância de Cananéia, e dá outras providências”,
pelas razões e fundamentos a seguir expostos:
Registre-se, inicialmente, que a
propositura da presente ação direta se deve ao acolhimento da representação
formulada pela Dra. Nathan Glina, Promotora de Justiça do GAEMA - Núcleo II -
Vale do Ribeira.
I- DOS
DISPOSITIVOS IMPUGNADOS
O art.
89, inciso I, II e III e os incisos V, VI e VII do art. 91 da Lei n. 2.146, de
28 de maio de 2012, do Município de Cananéia, que “Institui o Plano Diretor
Participativo, define Princípios, Objetivos, Estratégias e Instrumentos para a
Realização das Ações de Planejamento no Município da Estância de Cananéia, e dá
outras providências”, apresentam a seguinte redação:
“Art.
89 – No caso de assentamentos já existentes até a publicação desta Lei, em áreas
non edificandi ao longo dos corpos
d’água, quando não houver a possibilidade de relocação da população residente
para outra área, será admitida a regularização, desde que:
I-sejam
realizadas obras para adequação do sistema de drenagem;
II-
seja atestado por meio de Laudo Técnico que o assentamento e as áreas a
montante e a jusante não sejam prejudicadas por inundações, alagamentos ou
enchentes após a urbanização;
III-
a presença do assentamento não acarrete danos ambientais;
(...)
Art.
91- São objetivos das Zonas Especiais de Interesse Turístico:
(...)
V
– abrigar empreendimentos turísticos, consolidando os já instalados e em
funcionamento na data da apresentação da presente lei, ainda que em áreas de
proteção ambiental;
VI-
abrigar empreendimentos residenciais de baixa densidade de caráter de veraneio;
VII-
abrigar empreendimentos auto-suficientes do ponto de vista de infraestrutura,
equipamentos e serviços urbanos.
(...)”
II-DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS VIOLADOS
PELOS REFERIDOS ATOS NORMATIVOS
Conforme
será amplamente demonstrado na presente inicial, o art. 89, incisos, I, II e
III, e os incisos V, VI e VII do art. 91, da Lei n. 2.146, de 28 de maio de
2012, do Município de Cananéia, são verticalmente incompatíveis com a
Constituição do Estado de São Paulo, em especial com as seguintes disposições:
“Artigo 180 - No
estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o
Estado e os Municípios assegurarão:
III - a
preservação, proteção e recuperação do meio ambiente urbano e cultural;
Artigo 192 - A
execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a
exploração de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público,
quer pelo privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
§ 1º - A outorga
de licença ambiental, por órgão, ou entidade governamental competente,
integrante de sistema unificado para esse efeito, será feita com observância
dos critérios gerais fixados em lei, além de normas e padrões estabelecidos
pelo Poder Público e em conformidade com o planejamento e zoneamento
ambientais.
§2º - A licença
ambiental, renovável na forma da lei, para a execução e exploração mencionados
no “caput” deste artigo, quando potencialmente causadoras de significativa degradação
do meio ambiente, será sempre precedida, conforme critérios que a legislação
especificar da aprovação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental e respectivo
relatório a que se dará prévia
publicidade, garantida a realização de audiências públicas”.
Art. 196- A Mata
Atlântica, a Serra do Mar, a Zona Costeira, o Complexo Estuarino Lagunar entre
Iguape e Cananéia, os Vales dos Rios Paraíba, Ribeira, Tietê e Paranapanema e
as unidades de conservação do estado, são espaços territoriais especialmente
protegidos e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dependendo de prévia
autorização e dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente.
Art. 197 – São
áreas de proteção permanente:
I- Os manguezais;
II- As nascentes,
os mananciais e matas ciliares;
III- As áreas que
abriguem exemplares raros de fauna e da flora, bem como aquelas que sirvam como
local de pouso ou reprodução de migratórios;
IV- as áreas
estuarinas;
VI- as paisagens
notáveis;
VI- as cavidades
naturais subterrâneas.”
Art. 198- O Estado
estabelecerá, mediante lei, os espaços definidos no inciso V do art. Anterior,
a serem implantados como especialmente protegidos, bem como as restrições ao
uso e ocupação desses espaços, considerando os seguintes princípios:
I- Preservação e
proteção da integridade de amostras de toda a diversidade do ecossistemas;
II-proteção do
processo evolutivo das espécies;
III-preservação e
proteção dos recursos naturais.
Art. 213 – A
proteção da quantidade e da qualidade das águas será obrigatoriamente levada em
conta quando da elaboração de normas legais relativas a florestas, caça, pesca,
fauna, conservação da natureza, da defesa do solo e demais recursos naturais e
ao meio ambiente.”
III- DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL E
DA OFENSA AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
A Constituição Federal de 1988 foi
pioneira ao determinar, no plano constitucional, a tutela do bem ambiental,
elevando-o à condição de direito/garantia fundamental. No mesmo sentido a
Constituição Paulista.
Esse caráter já foi proclamado pelo
próprio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Medida Cautelar na
Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.540/DF, em acórdão do qual foi
relator o eminente Ministro Celso de Mello[1].
Do mencionado acórdão, destacamos alguns trechos:
“MEIO AMBIENTE -
DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA
QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA
GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO) QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE (...)
Todos têm direito
ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se de um típico direito de
terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano
(RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial
obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras
gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual
(RTJ 164/158-161)”.
Portanto, o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado é direito constitucional fundamental.
E, como adverte Luís Roberto Barroso[2],
“a supremacia constitucional, em nível dogmático e positivo, traduz-se em uma
superlegalidade formal e material. A superlegalidade formal identifica a Constituição como a fonte primária da produção
normativa, ditando competências e procedimentos para a elaboração dos atos
normativos inferiores. E a superlagalidade material
subordina o conteúdo de toda a atividade normativa estatal à conformidade
com os princípios e regras da Constituição. A inobservância dessas prescrições
formais e materiais deflagra um mecanismo de proteção da Constituição,
conhecido na sua matriz norte-americana como judicial review, e batizado entre nós de ‘controle de
constitucionalidade’”.
Desta feita, é possível extirpar-se do
ordenamento jurídico qualquer espécie normativa que atentar contra a garantia
fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, como ocorre com os atos
normativos impugnados pela presente ação.
O art. 89, inciso I, II e III da Lei n.
2.146/2012, do Município de Cananéia, como visto, permite a regularização de
assentamentos já existentes até a publicação da lei em questão, em áreas non edificandi ao longo de corpos
d’água, quando não houver a possibilidade de realocação da população residente em
outra área, desde que cumpridos os requisitos dos incisos I, II e III, do
referido artigo.
Embora o inciso III do art. 89, preveja
como requisito para a regularização que a presença do assentamento não acarrete
danos ambientais, os incisos anteriores I e II, preveem a necessidade de
drenagem e urbanização, intervenções estas que evidentemente são intrinsecamente
incompatíveis com preservação da flora, fauna, cursos hídricos e regimes de
águas, ou seja, ocasionam dano ambiental ao sistema de proteção das áreas de
preservação permanente e/ou várzeas.
A admissão de intervenções antrópicas
incompatíveis com o regime de proteção das áreas de preservação permanente e
várzeas já são disciplinadas pelos arts. 65, §2º, da Lei n. 12.651/2012, 4º,
III, da Lei n. 6.766/79, 2º, “a”, da revogada Lei n. 4.771/1965, 4º, da Lei n.
12.651/2012, no que tange a áreas de vedação de edificação por proximidade a
cursos e corpos d’água, e pelo art. 3º, da Lei n. 6.766/79, pelas proibições
ali constantes.
Desta feita, o art. 89 da Lei n.
2.146/2012, do Município de Cananéia, é inconstitucional, na medida em que
retira a proteção ambiental conferida às áreas de preservação permanente,
restringindo a proteção legal em contrariedade com as normas gerais federais e
estaduais, violando desta forma os arts. 197 e 198 da Constituição
Estadual.
Padece, ainda, de inconstitucionalidade,
mencionado dispositivo, ao admitir as referidas intervenções sem estudos
prévios relativos à proteção da quantidade e da qualidade da água, em franca
violação ao art. 213 da Constituição Estadual.
Ademais, ao permitir a consolidação de
qualquer empreendimento sem nenhuma exigência técnica em área de preservação
permanente, contraria os §§ 1º e 2º do art. 192 da Constituição do Estado de
São Paulo e, reflexamente, a Constituição Federal, eis que o inciso IV do art.
225, igualmente preconiza a necessidade de estudo de impacto ambiental na
instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de dano ambiental.
Observe-se, ainda, que o art. 89 não traz
como requisito a existência de outros imóveis de domínio daquele que ocupa área
de preservação ambiental ilicitamente, ou critério econômico de renda familiar
mínima, nem critério de área máxima do lote ocupado, nem de densidade
demográfica mínima de ocupações por área, nem a presença de equipamentos de
infraestrutura, não levando em consideração, também, o tempo de ocupação, como
previsto na Lei n. 11.977/2009 e na Resolução CONAMA n. 369/2006, que
disciplinam os critérios gerais para a regularização.
No tocante aos incisos V, VI e VII do
art. 91 da Lei n. 2.146/2012, fruto de emenda parlamentar vetada pelo Chefe do
Poder Executivo, permitem que as Zonas Especiais de Turismo abriguem, ainda que
em área de proteção ambiental, empreendimentos: a) turísticos, consolidando os
já instalados e em funcionamento na data aprovação da presente lei; b)
residenciais de baixa densidade de caráter de veraneio e c) auto-suficientes do
ponto de vista de infraestrutura.
Assim sendo, os dispositivos permitem a
utilização indiscriminada de área protegida, que só poderia ocorrer nos casos
excepcionais previstos em normas legais, na medida em que regulariza a situação
de empreendimentos turísticos, residenciais de baixa densidade de caráter de
veraneio e auto-suficientes do ponto de vista de infraestrutura, equipamentos e
infraestrutura edificados em área de proteção ambiental sem prévia licença ou
autorização dos órgãos ambientais competentes, por meio de uma previsão legal
desprovida de respaldo técnico e científico e consolidada por ocupações
irregulares, para fins turísticos, retirando a proteção ambiental conferida às
áreas de preservação permanente, restringindo a proteção legal em contrariedade
com o disposto nos arts. 197 e 198 da Constituição Estadual.
É oportuno ressaltar, que o legislador
municipal deixou de atentar à legislação infraconstitucional que estabelece as
hipóteses de utilização de área de preservação permanente, em especial, ao art.
8º, da Lei n. 12.651/12 (Novo Código Florestal), bem como ao §1º, do art. 3º,
da lei n. 4.771/65 (Antigo Código Florestal), que somente preveem a utilização
de área de preservação permanente nas hipóteses de utilidade pública, de
interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas na lei.
Acrescente-se, ainda, que o ato normativo
questionado deixa de observar às Resoluções do CONAMA ns. 302/2002 e 357/2005,
que definem área de preservação permanente, dentre outros aspectos, como
restinga, manguezal e dunas, tipos de solo predominantes no Município de
Cananéia, que possuem alta relevância para preservação do meio ambiente local,
não se podendo permitir seu uso indiscriminado.
Em relação aos incisos VI e VI do art.
91, ao se permitir que as Zonas Especiais de Interesse Turístico, discriminadas
no art. 92, da Lei 2.146/2012, abriguem empreendimentos residenciais de
veraneio e auto-suficientes do ponto de vista de infraestrutura, equipamentos e
serviços urbanos em áreas de preservação permanente (manguezais- inc. II do
art. 92; parques municipais e estaduais – incs. I, III e V do art. 92; e no Estuário
Lagamar), incorre-se em franca violação ao art. 196 da Constituição Estadual.
Ademais não observa o teor dos arts. 2º,
VI e 11, da Lei n. 9.985/2000.
Desta feita, resta evidente que os atos
normativos impugnados atentam, ainda, contra o direito fundamental ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado e, por isso, ofende o artigo 180, III, da
Constituição Estadual, pois permitem que o desenvolvimento urbano não se atenha
à necessária preservação e proteção do meio ambiente.
Por fim, observe-se que o solo e a agua
são, indiscutivelmente, importantíssimos para a manutenção da qualidade
ambiental. A Ecologia chega a dizer que eles têm sua “vida própria”, notando
que suporta biomas e ecossistemas particulares.
A Constituição da República, em seu art. 23, VI, estabelece que a proteção ao meio ambiente e o combate à poluição em qualquer de suas formas – inclusive a contaminação do solo – é de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. No art. 24, VI, prevê a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre a defesa do solo, proteção do meio ambiente e controle da poluição.
Desse modo, está fora de disputa que a Constituição Paulista abriga, como princípio de reprodução obrigatória, o princípio da precaução, que é a base e um dos mais importantes em Direito Ambiental.
Paulo Affonso, por sua vez, registra que o princípio da precaução é conhecido do Direito Alemão desde 1970 (vorsorgeprinzip) e que, ao lado de outras diretrizes, “não se limita à eliminação ou redução da poluição já existente ou iminente (proteção contra o perigo), mas faz com que a poluição seja combatida desde o início (proteção contra o simples risco) e que o recurso natural seja desfrutado sobre a base de um rendimento duradouro” (Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, 11ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p. 56, g.n.).
Sobre seu assento constitucional, leciona:
“O princípio da precaução, abraçado pelo Brasil com a adesão, ratificação e promulgação das Convenções internacionais mencionadas [Convenção da Diversidade Biológica e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima], com a adoção do art. 225 da CF e com o advento do art. 54, § 3º, da Lei 9.605, de 12.2.1998, deverá ser implementado pela Administração Pública, no cumprimento dos princípios expostos no art. 37, caput, da CF.
Contraria a moralidade e a legalidade administrativas o adiamento de medidas de precaução que devam ser tomadas imediatamente” (Paulo Affonso Leme Machado, Direito ambiental brasileiro, 11ª ed., São Paulo, Malheiros, 2003, p. 67).
José Joaquim Gomes Canotilho, a seu turno, acentua que o princípio da precaução é um dos mais promissores do Direito Ambiental e funciona como uma espécie de princípio “in dubio pro ambiente” (CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional ambiental português e da União Européia. In: CANOTILHO, J. J. Gomes; MORATO LEITE, José Rubens (Orgs.). Direito constitucional ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 41-66).
Isso significa que, se há dúvidas sobre o perigo de uma determinada atividade; se não há dados seguros ou provas científicas a respeito dela ou mesmo se não há provas científicas sobre o nexo causal entre uma determinada causa possível e os danos observados, o princípio da precaução impõe a tomada de medidas acauteladoras da atividade, impedindo-a até que o Estado ou o potencial poluidor provem que não há risco e que adotaram todas as medidas necessárias à contenção e afastamento deste risco (idem, p. 42). Em resumo: a ausência de certeza em relação à ocorrência de danos ao meio ambiente impõe a adoção das providências necessárias ao impedimento do possível resultado lesivo, inclusive, se o caso, com o óbice da atividade potencialmente poluidora.
Assim sendo, a Lei contrasta com o art.
144 da Constituição estadual, norma que determina a observância da Constituição
Federal e da Constituição Estadual pelos Municípios no exercício de sua
autonomia, reproduzindo o caput do
art. 29 da Constituição Federal.
O art. 144 da Constituição Estadual,
impondo a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição
Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual
de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da
autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição
Federal”, como decidiu o Supremo Tribunal Federal ao admitir o controle
concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl
10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, Dje 06-09-2010; STF, Rcl
10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, Dje 26-10-2010).
Destarte, é possível examinar o preceito
municipal impugnado à luz das normas constitucionais centrais, viabilizando por
força da mencionada norma remissiva o seu contraste com a repartição
constitucional de competências legislativas inerentes ao princípio federativo,
em especial o art. 24, VI, da Constituição Federal, que insere na competência
normativa concorrente da União e dos Estados a disciplina sobre florestas, caça,
pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais,
proteção do meio ambiente e controle da poluição.
O resultado desse contraste é a inegável
usurpação da competência normativa alheia e exorbitância da autonomia
municipal.
Desta feita, os dispositivos impugnados
são inconstitucionais, também, por invadirem a competência da União (art. 24,
VI da CF), tendo em vista que a legislação municipal disciplinou peculiaridades
locais de maneira a neutralizar a garantia protetiva ao direito ao meio
ambiente ecologicamente equilibrado protegido constitucionalmente pelas
Constituições Federal e Estadual e pelas normas gerais e federais.
IV - DA
LIMINAR
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum
in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia dos atos
normativos impugnados.
A razoável fundamentação jurídica
decorre dos motivos expostos anteriormente, que indicam, de forma clara, que os
diplomas impugnados na presente ação padecem de vício de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre
especialmente da idéia de que, sem a imediata suspensão da vigência e eficácia
dos atos normativos questionados, os assentamentos já existentes em áreas non aedificanti ao longo de corpos
d’água, quando não houver a possibilidade de relocação da população residente
para outra área, poderão ser regularizados, o mesmo ocorrendo com os
empreendimentos turísticos, residenciais de baixa densidade de caráter de
veraneio e auto-suficientes do ponto de vista de infraestrutura, equipamentos e
serviços urbanos, localizados em área de preservação permanente que não
obtiveram prévia licença ambiental ou autorização dos órgãos competentes. Tais
situações gerarão (possivelmente já vêm gerando) prejuízo incomensurável ao
direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, que
dificilmente poderá ser reparado in
natura.
Note-se
que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será
viável restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia
do art. 89, I, II e III, e dos incisos V, VI e VII do art. 91, da Lei n. 2.146,
de 28 de maio de 2012, do Município de Cananéia, cuja inconstitucionalidade é
palpável, evitará maiores prejuízos, além daqueles que já sofridos até o
momento.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal Federal, preordenados à
suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.
15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a
concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia dos atos
normativos impugnados até o julgamento final da presente ação.
Pelos motivos expostos, a providência é
indispensável para a eficácia teórica e prática do provimento esperado, de
procedência desta ação.
V- DO
PEDIDO
Nestes termos, aguardo seja determinado o
processamento da presente ação, colhendo-se informações do Prefeito e do
Presidente da Câmara Municipal de Cananéia, as quais examinarei oportunamente,
vindo, no final, a ser declarada a inconstitucionalidade do art. 89, I, II e
III, e dos incisos V, VI e VII do art. 91, da Lei n. 2.146, de 28 de maio de
2012, que “Institui o Plano Diretor Participativo, define Princípios,
Objetivos, Estratégias e Instrumentos para a realização de Ações de
Planejamento do Município da Estância de Cananéia, e dá outras providências”.
Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cananéia, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 21 de fevereiro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a
propositura da ação, com cópia da petição inicial.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
vlcb