EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

Protocolado nº 195.879/2013

 

 

 

                                              

Ementa: Constitucional. Ambiental. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba. Instituição de obrigação de plantio  de árvores às concessionárias, em razão da venda de veículos novos. Violação ao princípio da razoabilidade (art. 111 da ce). norma que dispõe acerca de Direito comercial. Invasão da competência legislativa da União (art. 22, I, da Cf). 1. Exigência do plantio de árvores em razão da venda de veículos novos, imposta somente às concessionárias do Município de Araçatuba, viola o princípio da razoabilidade 2. Imposição de obrigação atrelada a negócio de venda e compra de veículos que esbarra na competência legislativa da União (art. 22, I, da CF).

 

PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art.116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 195.879/13, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação oferecida pelo Vereador Emernegildo Nava, do Município de Araçatuba, encaminhada pelo Promotor de Justiça de Araçatuba (fls. 02/04).

A Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba, tem a seguinte redação:

“Art. 1º As concessionárias localizadas no Município de Araçatuba, ligadas à venda de automóveis e motocicletas, que são fontes emissoras de dióxido de carbono (CO2), ficam obrigadas a realizar o plantio de árvores, de acordo com a quantidade de veículos novos vendidos em cada mês.

§ 1º Para cada carro ou caminhão novo vendido, bem como para cada dez motocicletas novas vendidas, a concessionárias deverá plantar uma árvore, contribuindo para a formação de contínuos florestais entre unidades de conservação, compensando assim a emissão de gases (CO2) que contribuem para o efeito estufa.

§ 2º O plantio poderá ser executado pela própria concessionária ou através de cooperativas, organizações não governamentais ou empresas privadas habilitadas na área ambiental, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Sustentabilidade.

Art. 2º O Executivo Municipal regulamentará esta Lei no prazo de até noventa dias, contados da data de sua publicação, também estabelecendo sanções pelo seu descumprimento.

Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.”

2.     O PARÂMETRO DE FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

A Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força dos seguintes preceitos (ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal):

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

Na espécie, a incompatibilidade vertical da lei local com a Constituição do Estado de São Paulo se manifesta pelo contraste direto com a seguinte disposição constitucional estadual:

“Art. 111- A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.”

Não obstante a nobre intenção estampada na lei impugnada, de buscar maior proteção ao meio ambiente, o ato normativo atacado criou exigência desarrazoada, imposta somente aos estabelecimentos que desenvolvem atividade empresarial de venda de veículos novos, violando, desta forma, o princípio da razoabilidade.

A lei local não é compatível com o princípio da razoabilidade, inscrito no art. 111 da Constituição Estadual, e que exige dos atos normativos padrões como justiça, bom senso, racionalidade, logicidade, coerência, proporcionalidade, e isonomia, interditando medidas arbitrárias e destituídas de interesse público e pautando a igualdade na lei, consistente na proibição de normas discriminatórias desarrazoadas, como reflexo da cláusula do substantive due process of law.

A Constituição de 1988 consagra o devido processo legal nos aspectos substantivo e processual nos incisos LIV e LV do art. 5º, respectivamente. Em sua evolução histórica, o princípio do due process of law dilatou sua compreensão processual ou adjetiva (garantia de um procedimento judicial justo, com direito de defesa) para, a latere, uma conceituação substantiva ou material no direito norte-americano, como limitação do mérito das ações estatais, exigente da elaboração normativa com justiça, reasonableness (razoabilidade) e racionality (racionalidade), devendo ostentar real e substancial nexo com o objetivo que se quer atingir. No direito germânico, o princípio da proporcionalidade (proibição do excesso) impõe a avaliação da compatibilidade entre meios e fins, de modo a evitar restrições desnecessárias ou abusivas contra os direitos fundamentais. No fundo, entrosam-se tais conceitos com a dimensão da igualdade na lei (proibição de normas discriminatórias desarrazoadas) e perante a lei (vedação da execução da norma com tratamento discriminatório desarrazoado).

Por força desse princípio é necessário que a norma passe pelo denominado “teste de razoabilidade”, de maneira que preencha os seguintes elementos: adequação (aptidão a produção do resultado desejado), necessidade (infungibilidade por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcionalidade em sentido estrito (relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto).

Neste contexto, não há na lei enfocada qualquer elemento razoável para se arquitetar a obrigação nela contida e na forma concebida. Se é lícito ao Município legislar, de forma complementar, acerca de normas de proteção ao meio ambiente (art. 24, VI, da CF), as obrigações daí geradas devem estar acompanhadas de justificativa racional que as sustente.

A imposição de obrigação de plantio de árvores apenas aos estabelecimentos apontados na lei atacada não é razoável, tendo em vista que direcionada somente às concessionárias da cidade de Araçatuba, que vendam veículos novos, enquanto que as montadoras de veículos, e até mesmo comerciantes de carros usados, que estejam instalados em outras cidades, não são atingidos pela mesma obrigação, embora os veículos possam vir a circular naquela urbe, onde culminam por dispersar os indesejáveis agentes poluentes, o que, de toda sorte, acaba por malferir o princípio da isonomia.

 Aliás, este tratamento desigual aos concessionários de veículos demanda a existência de relação entre o fator ou elemento discriminante, o discrímen e a finalidade da discriminação, ou seja, impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferençado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo(Celso Antonio Bandeira de Mello. O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 49).

A diferenciação feita pelo legislador só será possível quando, objetivamente, constatar-se um fator de discrímen que dê razoabilidade à diferenciação de tratamento contida na lei, pois a igualdade pressupõe um juízo de valor e um critério justo de valoração, proibindo o arbítrio, que ocorrerá “quando a disciplina legal não se basear num: (i) fundamento sério; (ii) não tiver um sentido legítimo; (iii) estabelecer diferenciação jurídica sem um fundamento razoável” (J. J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da constituição, Coimbra: Almedina, 3ª ed., 1998, pp. 400-401).

         Esse raciocínio tem sido acolhido pela doutrina como argumento suficiente para, por desconsideração a um dos três aspectos do “teste de razoabilidade”, afastar-se a legitimidade do ato normativo ou administrativo. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na jurisprudência do STF”, publicado em Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p.83.

Portanto, a Lei 7.593, de 28 de novembro de 2013, viola o princípio da razoabilidade (art. 111 da CE).

A lei impugnada também acabou por invadir a esfera de competência legislativa da União, por reger matéria de direito comercial (art. 22, I, da CF).

Ora, a obrigação de cunho ambiental prevista no ato normativo impugnado não está baseada em uma atividade relacionada à proteção ambiental, mas tem origem vinculada a uma atividade comercial (venda e compra), constituindo verdadeira obrigação acessória ao negócio de venda e compra de veículos novos.

Porém, não é autorizado ao município a instituição de obrigação que acabe por interferir no âmbito de Direito Comercial-Empresarial, cuja matéria está inserida na esfera de competência privativa da União (art. 22, inciso I, da Constituição).    

Desta forma, conclui-se que a norma em apreço culminou por violar o disposto no art. 22, inc. I, da Constituição Federal.

Este Colendo Órgão Especial assim decidiu ao apreciar questão idêntica:

“A lei impugnada cria exigência que constitui desproporcional embaraço ao exercício da atividade empresarial, interferindo indevidamente em regras de direito comercial e civil, além de ferir o princípio da isonomia.

Ainda que se pudesse entender, por hipótese, que o Município possui competência para legislar sobre proteção ao meio ambiente, impossível deixar de reconhecer, no caso em exame, a ausência de razoabilidade na discriminação casuística dos estabelecimentos da cidade sujeitos à lei, quais sejam, apenas “empresas vendedoras de veículos motorizados zero quilômetro”.

Fácil perceber que a norma municipal beneficia alguns em detrimento de outros, principalmente diante das empresas do mesmo ramo situadas em cidades circunvizinhas onde a mesma obrigação não lhes foi imposta.” (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0073117-73.2013.8.26.0000, da Comarca de Presidente Prudente, Rel. Des. Elliot Akel, J. em 24 de julho de 2013)

 

3.     DOS PEDIDOS

a.    Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais, do Município de Araçatuba, apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão impostas obrigações ou até mesmo sanções aos concessionários de veículos novos, pautadas em lei municipal que não resiste à verificação de sua razoabilidade.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão, até o final e definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba.

b.    Do pedido principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba.

 Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Araçatuba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 13 de março de 2014.

 

         Álvaro Augusto Fonseca de Arruda

         Procurador-Geral de Justiça

em exercício

 

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Protocolado nº 195.879/2013

 

 

 

 

1.           Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade Lei nº 7.593, de 28 de novembro de 2013, do Município de Araçatuba.

2.           Oficie-se ao representante, informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 13 de março de 2014.

 

         Álvaro Augusto Fonseca de Arruda

         Procurador-Geral de Justiça

em exercício

 

 

 

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