EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 187.622/13
Ementa:
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 663, de 16 de julho de
2013, do Município de Atibaia, que Autoriza
o Poder Executivo a realizar sorteios de bens móveis em favor dos cidadãos que
consumirem produtos e/ou serviços no município, aprovada em regime de
urgência durante o período de recesso parlamentar.
2)
Inconstitucionalidade formal. Inexistência de urgência ou
interesse público relevante que justificasse a convocação extraordinária da
Câmara de Vereadores. Impossibilidade de adoção do processo legislativo sumário
(regime de urgência) durante o período de recesso. Violação dos arts. 9º, § 5º,
2 , art. 26 e 144 da Constituição Estadual e art. 64, § 4º, da Constituição
Federal.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 187.622/13,
que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a
presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei
Complementar nº 663, de 16 de julho de 2013, do Município de Atibaia, pelos fundamentos expostos a seguir:
1.
DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação de Vereadores do Município de Atibaia (fls.
02/08).
O projeto da Lei Complementar nº 663, de 16 de julho de 2013, do Município de Atibaia, que Autoriza o Poder Executivo a realizar sorteios de bens móveis em favor dos cidadãos que consumirem produtos e/ou serviços no município, foi encaminhado pelo Prefeito Municipal no dia 25 de junho 2013 (fls. 19), com pedido de convocação de sessão legislativa extraordinária, para houvesse deliberação em regime de urgência.
O projeto de lei complementar foi submetido à aprovação na sessão legislativa extraordinária do dia 15 de julho de 2013, durante o recesso parlamentar, de forma sumária, seguindo-se a 1ª e 2ª discussão e 1ª e 2ª votação respectivamente com a aprovação do projeto por maioria de votos (fls. 20/26).
A Lei Complementar nº 663, de 16 de julho de 2013, do Município de Atibaia, está eivada de inconstitucionalidade formal verificada no processo legislativo, como será demonstrado a seguir.
2.
DA FUNDAMENTAÇÃO
a.
Da necessidade de observância das
linhas mestras do processo legislativo traçadas na Constituição Federal e
Estadual.
O processo legislativo, compreendido o conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.
O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República e reproduzidas na Constituição Estadual conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.
A propósito da matriz constitucional traçada para o processo legislativo, oportuno mencionar os seguintes dispositivos:
Constituição Federal
“Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.
(...)
§ 6º - A convocação extraordinária do Congresso Nacional far-se-á:
II - pelo Presidente da República, pelos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal ou a requerimento da maioria dos membros de ambas as Casas, em caso de urgência ou interesse público relevante, em todas as hipóteses deste inciso com a aprovação da maioria absoluta de cada uma das Casas do Congresso Nacional. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 50, de 2006)
(...)
Art. 64. A discussão e votação dos projetos de lei de iniciativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores terão início na Câmara dos Deputados.
§ 1º - O Presidente da República poderá solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa.
§ 2º - Se, no caso do parágrafo anterior, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem, cada qual, sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobre a proposição, será esta incluída na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, para que se ultime a votação.
§ 3º Se, no caso do § 1º, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal não se manifestarem sobre a proposição, cada qual sucessivamente, em até quarenta e cinco dias, sobrestar-se-ão todas as demais deliberações legislativas da respectiva Casa, com exceção das que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação.
(...)
§ 4º - Os prazos do § 2º não correm nos períodos de recesso do Congresso Nacional, nem se aplicam aos projetos de código.”
Constituição Estadual
“Artigo 9º - O Poder Legislativo
é exercido pela Assembléia Legislativa, constituída de Deputados, eleitos e
investidos na forma da legislação federal, para uma legislatura de quatro anos.
§ 1º - A Assembléia Legislativa reunir-se-á, em sessão legislativa anual,
independentemente de convocação, de 1º de fevereiro a 30 de junho e de 1º de
agosto a 15 de dezembro.
(...)
§ 5º - A convocação
extraordinária da Assembléia Legislativa far-se-á:
2 - pela maioria absoluta dos membros da Assembléia Legislativa ou pelo
Governador, em caso de urgência ou interesse público relevante.
(...)
Artigo 26 - O Governador poderá
solicitar que os projetos de sua iniciativa tramitem em regime de urgência.
Parágrafo único – Se a Assembléia Legislativa não deliberar em até quarenta e
cinco dias, o projeto será incluído na ordem do dia até que se ultime sua
votação.”
Tal regramento deve ser observado pelos Municípios por força do princípio da simetria previsto no art. 144 da Constituição Paulista que estabelece que:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Padece, porém, de inconstitucionalidade formal o ato normativo impugnado por não observância das regras do processo legislativo.
b.
Da inexistência de justificativa para
a convocação de sessão legislativa extraordinária.
A convocação da sessão legislativa extraordinária não estava informada pela urgência ou interesse público relevante, reclamados pela Constituição Estadual (art. 9º, § 5º, 2).
A necessidade de aprovação de lei que autorize a doação de bens móveis a munícipes que consumirem no Município não revela a urgência e interesse público relevante que justifiquem a convocação de sessão legislativa extraordinária, para deliberação em regime de urgência e em período de recesso parlamentar.
Não está demonstrada no processo legislativo a circunstância excepcional, relevante, que autorizaria a aprovação da matéria e caráter extraordinário.
c.
Da impossibilidade de instauração do
processo legislativo sumário durante o recesso e para apreciação do ato
normativo impugnado.
A solicitação de urgência pelo Chefe do Poder
Executivo é pressuposto do procedimento sumário (art. 64, § 1º, da Constituição
Federal e art. 26 da Constituição Estadual).
Caso não deliberado no prazo de 45 dias, a Constituição
Federal e a Constituição Estadual estabelecem uma sanção de ordem impeditiva,
pois enquanto não houver deliberação, a proposição será incluída na ordem do
dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, com exceção das
matérias que tenham prazo constitucional determinado, até que se ultime a
votação.
Como os prazos ficam interrompidos e não tem curso no
recesso parlamentar, não há possibilidade de ocorrência do processo legislativo
sumário neste período.
A aplicação no caso do processo
legislativo sumário cerceou o direito dos parlamentares de melhor analisar,
discutir e debater sobre a matéria.
Desta forma, vedada estava sua deliberação no prazo
exíguo do processo legislativo sumário nos termos do art. 64, § 4º, da Constituição
Federal, aplicável aos municípios nos termos do art. 144 da Constituição
Estadual.
3.
DOS PEDIDOS
a.
DO PEDIDO LIMINAR
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais,
apontados como violadores de princípios e regras da Constituição Federal e da Constituição
do Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se o
dispêndio de recursos públicos, com doações de bens móveis, realizada com base
em lei formalmente inconstitucional.
Está claramente demonstrado que o ato normativo impugnado foi produzido com inconstitucionalidade formal haja vista óbice para sua deliberação através de regime constitucional de urgência e em período de recesso parlamentar.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar
de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de
4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC
493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão, até o final e definitivo julgamento desta ação da Lei Complementar nº 663, de 16 de julho de 2013, do Município de Atibaia.
b. DO PEDIDO PRINCIPAL
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e
processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada
procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 663,
de 16 de julho de 2013, do Município de Atibaia.
Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao
Prefeito Municipal e à Câmara Municipal de Atibaia, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 13 de março de
2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
em exercício
aaamj
Protocolado nº 187.622/13
Interessada – Câmara Municipal de Atibaia
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 663, de 16 de julho de 2013, do Município de Atibaia.
2. Oficie-se à representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 13 de março de
2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
em exercício
aaamj