Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 153.886/13
Ementa:
1. Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do Município de Atibaia, que estabelece a revisão anual dos subsídios dos Vereadores da Câmara Municipal de Atibaia.
2. A revisão geral anual da remuneração dos agentes políticos municipais é direito exclusivo dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Incompatível com a anterioridade do subsídio em relação à legislatura e com a inalterabilidade do subsídio de vereadores durante a legislatura, regra que autoriza sua revisão anual. Violação do art. 29, V, da Constituição Federal e dos arts. 111, 115, XI e 144, da Constituição Estadual.
O Procurador-Geral de Justiça do
Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei
Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no
art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts.
74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas
informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar nº 656, de 08 de
maio de 2013, do Município de Atibaia, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DO Ato Normativo
Impugnado
A propositura da presente ação direta decorre de representação endereçada a esta Procuradoria-Geral de Justiça pela DD. Promotora de Justiça de Atibaia, Dra. Carol Reis Lucas Vieira Ros, a partir do procedimento nº MP 14.0199.0001278/2013-9 (fls. 2/3).
A Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do
Município de Atibaia, assim dispõe:
“Art. 1º Nos termos do artigo 37, inciso X, e artigo 39 § 4º da Constituição Federal de 1988, ficam acrescidos aos subsídios dos Senhores Vereadores da Câmara Municipal da Estância de Atibaia, o repasse inflacionário correspondente à média dos índices IPCA, INPC, e IGP-DI apurada no período compreendido entre abril de 2.012 até março de 2.013, correspondente a 7% (sete por cento) incidente sobre os atuais subsídios dos Edis.
Parágrafo único – O repasse salarial a que se refere o artigo anterior retroagirá ao 1º de abril de 2.013.”
II – dO parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
A Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de
2013, do Município de Atibaia, contraria frontalmente a Constituição do Estado
de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a
previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.
Os dispositivos legais mencionados são incompatíveis com os seguintes
preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu
art. 144:
“Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115 - Para
a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XI – a
revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de
índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma
data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
(...)
Note-se que o disposto nos arts. 111 e 115, XI, da Constituição Estadual, reproduz os arts. 37, caput, e inciso X da Constituição Federal.
De outra parte, o art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera
municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na
medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete
para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo
Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010,
DJe 26-10-2010).
Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local
com o art. 144 da Constituição Estadual por sua remissão à Constituição Federal
e a seu art. 29, VI, que assim dispõe:
“(...)
Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:
(...)
V – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:
(...)”.
O art. 29, V, da Constituição
Federal estabelece a
regras da anterioridade da legislatura para fixação do subsídio dos agentes
políticos parlamentares municipais e da inalterabilidade do subsídio durante a
legislatura, que decorrem do princípio da moralidade administrativa agasalhado
tanto no art. 111 da Constituição Estadual quanto no art. 37 da Constituição
Federal.
O preceito inibe a fixação ou
alteração da remuneração dos Vereadores durante a legislatura, consoante
doutrina (Manoel
Neste sentido, proclama-se que “é da competência privativa da Câmara Municipal fixar, até o final da legislatura, para vigorar na subseqüente, a remuneração dos vereadores” (STF, RE 122.521-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-11-1991, v.u., DJ 06-12-1991, p 17.827, RTJ 140/269). Este egrégio Tribunal abona essa orientação:
“INCIDENTE DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 3º da Lei n°. 5 357, de 31 de maio de 2000 e
artigo 1º da Lei n° 5.960, de 05 de junho de 2003, ambos do Município de
Franca. Leis Municipais que dispõem sobre a majoração dos subsídios de
vereadores durante a própria legislatura. Aumentos variáveis no tempo.
Incidente de inconstitucionalidade suscitado por uma das Câmaras de Direito
Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em recurso de apelação contra
sentença que julgou ação civil pública em face do referido Município e de todos
os seus vereadores. Dispositivos que violam a ‘regra da legislatura’ e o
princípio da moralidade administrativa. Reajuste anual que não é aplicável aos
vereadores. Ofensa aos artigos 29, VI, e 37, ambos da Constituição Federal e
144 da Constituição do Estado. Argüição acolhida para declarara inconstitucionalidade
dos dispositivos objurgados” (TJSP, Incidente de Inconstitucionalidade
161.056-0/0-00, Franca, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, v.u.,
13-08-2008).
Não têm os agentes políticos não profissionais as
garantias da revisão geral anual, que, como se infere do art. 115, XI, da
Constituição Estadual, foi igualmente violado (e que reproduz o art. 37, X, da
Constituição Federal), porquanto esse direito subjetivo é exclusivo dos
servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na
Constituição da República, como magistrados e membros do Ministério Público e
do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional de seu vínculo à
função pública.
A propósito a jurisprudência desta corte é fértil:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Art. 3°da Resolução n° 02, de 08 de maio de 2012 - Previsão de revisão geral anual do subsídios dos Vereadores - Impossibilidade - "Regra da legislatura" que exige que o subsídio seja estabelecido pelo corpo de Edis da legislatura anterior, a fim de manter incólume os princípios da moralidade e impessoalidade, vedando-se, inclusive, oscilações no valor do subsídio durante a legislatura seguinte. Logo, não está acorde à "regra da legislatura" a previsão de revisão geral anual. Precedente. ACÂO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. (TJSP. ADIn nº 0047613-65.2013.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, julgada 12 de junho de 2013)
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 164/2009, DO MUNICÍPIO DE PARISI QUE REAJUSTOU EM 5,65% A REMUNERAÇÃO DE SEUS AGENTES POLÍTICOS PARA A MESMA LEGISLATURA EXISTÊNCIA DE LEI ANTERIOR PREVENDO REAJUSTE PARA O ANO DE 2009. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PERIODICIDADE ANUAL, ANTERIORIDADE E MORALIDADE ADMINISTRATIVA OFENSA AOS ARTIGOS 29, VI E 37, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGOS 111 E 144 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA AÇÃO PROCEDENTE” (TJSP, ADI 990.10.064771-7, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, 17-11-2010, v.u.).
“Em face do disposto no inciso VI do artigo 29 da Constituição da
República, com a redação que lhe deu a Emenda constitucional nº. 25, dos 14 de
fevereiro de 2000, não poderiam os senhores vereadores da Câmara Municipal de
Piracicaba, na própria legislatura, atualizar seus subsídios, ainda que com invocação
do inciso XV do caput do artigo 37 da Constituição da República.
Sobre esse último dispositivo, de caráter geral, prevalece aquele,
específico para o subsídio dos vereadores.
Certo que reajuste não é aumento, mas manutenção do poder de compra
dos subsídios. Todavia, o inciso VI do artigo 29 da Constituição da República
não proíbe aumento de subsídio durante a legislatura, quando então poder-se-ia
dizer possível o reajuste ou atualização, mas determina que o subsídio seja
fixado para a legislatura subseqüente, com observância dos critérios previstos
na própria Constituição da República e na respectiva Lei Orgânica. O que é fixo
não permite, salvo expressa previsão, alterações a título de atualização”
(TJSP, II 990.10.096557-0, Rel. Des. Barreto Fonseca, 05-05-2010, v.u.).
“Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade
dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original
e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de
2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e
Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras
providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º
ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do
reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus
auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é
vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos
Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios
dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à
alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor
daqueles durante a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da
chamada ‘regra da legislatura’ aos parlamentares
municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a quem tem vínculo
não profissional com a Administração Pública - é vedada a expansão do subsídio
como parcela única concebido, para abranger valores excedentes à remuneração do
mandato parlamentar estadual (ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e
XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a
fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem
remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou
na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os
limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal” (TJSP,
ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).
Portanto, a Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do Município de Atibaia, contraria o disposto nos arts. 111, 115, XI e 144, da Constituição Estadual e no art. 29, V, da Constituição Federal.
III – Pedido liminar
À saciedade demonstrado o fumus
boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do
preceito normativo apontado como violador de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente
oneração financeira do erário.
À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da
eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do
Município de Atibaia.
IV – Pedido
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente
ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade
da Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do
Município de Atibaia.
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas
informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de Atibaia, bem como citado o
Procurador-Geral do Estado, para se manifestar sobre o ato normativo impugnado,
protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 18 de março de 2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
em exercício
aaamj
Protocolado nº 153.886/2013
Interessado:
Promotoria de Justiça de Atibaia
Assunto:
inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do Município de
Atibaia.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar nº 656, de 08 de maio de 2013, do Município de Atibaia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se à Promotoria de Justiça de Atibaia, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 18 de março
de 2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
em exercício
aaamj