Excelentíssimo Senhor
Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo
Protocolado n. 166.277/2013
Ementa: Constitucional. Administrativo. Nepotismo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 4.627, de 07 de janeiro de 2013, do Município de Tupã, que alterou os arts. 1º e 2º da Lei n. 3.809/99. autorização legal expressa para nomeação de secretários municipais que tenham vínculo de parentesco com agentes políticos. Ofensa aos princípios da moralidade e impessoalidade. Ação direta de inconstitucionalidade. Violação aos princípios da moralidade e da impessoalidade – Alteração legislativa com nítido propósito de suplantar a vedação ao Nepotismo. Ofensa ao art. 111 da Constituição Estadual.
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado
de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI,
da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, §
2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI e art. 90, III,
da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de
Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 4.627, de 07 de
janeiro de 2013, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado.
A Lei 4.627, de 07 de janeiro de 2013, do
Município de Tupã, tem por escopo disciplinar o provimento de cargos em
comissão, em relação ao grau de parentesco ou convívio de agentes políticos
municipais. Alterou a Lei nº 3.809, de 24 de junho de 1999, passando a
excepcionar, expressamente, a possibilidade de contratação de Secretários
Municipais, nos seguintes termos:
“Artigo 1º - Altera os artigos 1º e 2º da Lei nº 3.809 de 1999, passando a ter as seguintes redações:
Artigo 1º - É proibida a contratação de parentes até terceiro grau, consanguíneos ou afins, de Prefeito, Vice-prefeito Municipal, Secretários Municipais, Vereadores, e dos diretores de autarquias, empresas públicas e fundações públicas, do Município de Tupã, para provimento de cargos em comissão ou em caráter temporário, exceto para cargo de agente político de Secretário Municipal.”
Artigo 2º. Para a nomeação para o cargo de provimento em comissão ou em caráter temporário, deverá o contratado anexar os documentos exigidos declaração de que não detém parentesco, por consanguinidade ou afinidade, até o terceiro grau, com os agentes referidos no artigo anterior, exceto para cargo de agente político de Secretário Municipal.
Artigo 2º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”
II – DA FUNDAMENTAÇÃO.
A lei impugnada alterou
dispositivo legal que combatia o nepotismo na Administração Pública de Tupã, na
medida em que impedia o exercício do cargo de secretário municipal, por
parentes até o 3º grau, consanguíneos ou afins, do prefeito, vice-prefeito,
secretários municipais, vereadores, diretores de autarquias, empresas públicas
e fundações públicas.
A
alteração de disposição legal admitindo a contratação de Secretários Municipais,
com vínculo de parentesco com agentes políticos, ofende os princípios
consagrados pelo art. 111 da Constituição Paulista.
O nepotismo é mal que assola
o Brasil desde a administração colonial portuguesa e deve ser banido,
urgentemente. Não se coloca a questão da competência ou não do parente do
agente público: o contribuinte não aceita e não quer custear a nomeação de
privilegiados aparentados ou cônjuges de uma cara burocracia eleita, e para
tanto inseriu na Constituição os princípios da moralidade e impessoalidade.
O nepotismo é uma das
formas de corrupção e assim considera Norberto Bobbio em seu 'Dicionário de
Política' (UnB, v. 1, p. 291). Etimologicamente,
nepotismo deriva do latim nepos, nepotis,
significando, respectivamente, neto, sobrinho. Nepos também indica os descendentes, a posteridade, podendo ser
igualmente utilizado no sentido de dissipador, pródigo, perdulário e devasso. A
divulgação do vocábulo (ao qual foi acrescido o sufixo ismo), no sentido hoje difundido em todo o mundo, em muito se deve
aos pontífices da Igreja Católica. Alguns papas tinham por hábito conceder
cargos, dádivas e favores aos seus parentes mais próximos, terminando por
lapidar os elementos intrínsecos ao nepotismo, que, nos dias atuais, passou a
ser associado à conduta dos agentes públicos que abusivamente fazem tais
concessões aos seus familiares.
Analisando a questão sob
o signo da imparcialidade, (termo preferido no ordenamento italiano), observam
Mazziotti di Celso e Salermo (Manuale di Diritto Costituzionale, Padova: CEDAM,
2002, p. 373) que referido cânone é correlato ao princípio da igualdade,
indicando a necessidade de ser perseguida, unicamente, a finalidade pública
objetivada no ordenamento, sendo inadmissível que a atividade administrativa
esteja associada a preferências, privilégios ou favoritismos, que procure
injustiças ou que se funde em juízos arbitrários, não sustentados por
parâmetros técnicos e neutros, mas, sim, destinada à obtenção de vantagens de
qualquer natureza. Giuseppe de Vergottini (Diritto Costituzionale, Padova:
CEDAM, 2003, p. 556) acrescenta que a imparcialidade da ação administrativa
pressupõe, salvo exceções (art. 97 da Constituição italiana), o acesso aos
cargos públicos por meio de concurso de igual natureza, garantindo, segundo
regras predeterminadas, a seleção dos mais meritórios, o que assegura a
imparcialidade desses funcionários na medida em que não permanecerão vinculados
aos interesses de seu benfeitor, mas "al servizio esclusivo della
nazione".
O nepotismo é, portanto,
prática condenável e perseguida, pois compromete a máquina administrativa.
Nesse sentido, a Lei Municipal nº 3.809 de 1999, em sua redação original,
representava a repulsa a tal prática e a tentativa de moralização.
Ocorre
que a sua posterior modificação, por meio da lei impugnada, acabou por abrandar
a proteção ao nepotismo. Como se sabe, a
Constituição erigiu a moralidade como princípio básico da administração pública
direta e indireta de qualquer dos Poderes dos Municípios (CF., art. 37; CE,
art. 111).
Na
conceituada lição de Lúcia Valle Figueiredo (Cf. “Curso de Direito
Administrativo”, Malheiros, São Paulo, 1995, 2.ª ed., p. 49), o princípio da
moralidade corresponde “ao conjunto de regras de conduta da Administração que,
em determinado ordenamento jurídico, são consideradas os ‘standards’
comportamentais que a sociedade deseja e espera” e os seus efeitos são
extensivos a todos os “poderes ou funções do Estado” (Cf. Marcelo Figueiredo,
“O Controle da Moralidade na Constituição”, Malheiros, São Paulo, 1999, p.
120).
A
nomeação de parentes para o exercício de cargos ou funções de confiança - que
constitui prática muito comum no âmbito dos Poderes Executivo, Legislativo e
Judiciário - é vista com enorme desconfiança pela população de nosso país.
Isto
porque, as nomeações desta natureza geralmente são voltadas à satisfação de
interesses privados e no mais das vezes espúrios, pondo em segundo plano o
interesse público.
Exemplos como este do
Município de Tupã são freqüentes e justificam a adoção de meios legais que
permitam limitar o direito à livre nomeação para o exercício de cargos,
empregos ou funções de confiança, coibindo-se eventuais abusos ou excessos que
possam resultar da interpretação liberal do dispositivo constitucional que
autoriza esse tipo de nomeação, resguardando-se a moralidade e a probidade
administrativas.
Neste contexto, a vedação à nomeação ou designação de pessoas que tenham laço de parentesco com agentes políticos ou ocupantes de cargos em comissão de direção superior, para os cargos, empregos ou funções de direção e chefia da Administração direta, inclusive Secretários Municipais, encontra-se amparada pelos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade que norteiam a atuação da Administração pública, insculpidos no artigo 111 da CE.
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.”
Afigura-se, portanto, contrário ao artigo 111 da Constituição Paulista, que reitera os princípios contidos no artigo 37, caput, da CF, a autorização, irrestrita, de nomeação de Secretários Municipais, que possuam vínculo de parentesco com agentes políticos.
O Colendo Supremo Tribunal Federal já decidiu que a nomeação de Secretário Municipal, que possua vínculo de parentesco com agente político, poderá configurar nepotismo, pontuando, inclusive, que tal vedação não implica violação à Súmula Vinculante nº 13:
“Assim, em linha com o afirmado pelo reclamante, tenho que os acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal Federal no RE 579.951 e na medida cautelar na Rcl 6.650 não podem ser considerados representativos da jurisprudência desta Corte e tampouco podem ser tomados como reconhecimento definitivo da exceção à súmula vinculante 13 pretendida pelo município reclamado.
Bem vistas as coisas, o fato é que a redação do verbete não prevê a exceção mencionada e esta, se vier a ser reconhecida, dependerá da avaliação colegiada da situação concreta descrita nos autos, não cabendo ao relator antecipar-se em conclusão contrária ao previsto na redação da súmula, ainda mais quando baseada em julgamento proferido em medida liminar.
Registro, ainda, que a apreciação indiciária dos fatos relatados, própria do juízo cautelar, leva a conclusão desfavorável ao reclamado. É que não há, em passagem alguma das informações prestadas pelo município, qualquer justificativa de natureza profissional, curricular ou técnica para a nomeação do parente ao cargo de secretário municipal de educação. Tudo indica, portanto, que a nomeação impugnada não recaiu sobre reconhecido profissional da área da educação que, por acaso, era parente do prefeito, mas, pelo contrário, incidiu sobre parente do prefeito que, por essa exclusiva razão, foi escolhido para integrar o secretariado municipal.” (grifei)
Não vislumbro, desse modo, ao menos em juízo de estrita delibação, a ocorrência do alegado desrespeito à autoridade da Súmula Vinculante nº 13.” (Reclamação nº 11.605/12, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 02-08/12)
Feitas
estas considerações, necessário o reconhecimento da inconstitucionalidade da
Lei nº 4.627/2013, do Município de Tupã, por ofensa ao artigo 111 da
Constituição Estadual.
III- DO PEDIDO LIMINAR.
Remanesce, no presente
caso, a necessidade de concessão de “MEDIDA CAUTELAR”. Isto porque, quando se
trata do controle normativo abstrato, e uma vez verificada a cumulativa
satisfação dos pressupostos legais concernentes ao “fumus boni júris” e ao
“periculum in mora”, o poder geral de cautela autoriza a suspensão da eficácia
do ato normativo impugnado, até o final julgamento da ação direta de
inconstitucionalidade.
A plausibilidade jurídica
da tese exposta na inicial é evidente, não admitindo maiores questionamentos,
ante a evidente ofensa ao princípio da moralidade. De outra parte, continuando em vigor, a
mencionada emenda autorizará a irrestrita nomeação irregular de parentes dos
citados agentes políticos.
E, por outro lado, também
está delineada a situação de risco, caracterizadora do ‘periculum in mora’,
tanto mais porque está em questão a preservação da moralidade pública e da boa
fé.
No contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos mais recentes do STF, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j.15.2.90, rel. Min. CELSO DE
MELLO; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52).
IV – DO PEDIDO
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente
ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 4.627, de 07 de janeiro de 2013, do Município
de Tupã.
Requer-se ainda que sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Tupã, bem como citado
o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo
impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 24 de março de 2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
Em Exercício
Protocolado n. 166.277/2013
Interessado: Conselho Superior do
Ministério Público
Assunto: Inconstitucionalidade da Lei
nº 4.627/13 do Município de Tupã, que alterou a Lei Municipal nº 3.809/1999.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 4.627, de 07 de janeiro de 2013, do Município de Tupã, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 24 de março
de 2014.
Álvaro Augusto Fonseca de Arruda
Procurador-Geral de Justiça
Em Exercício