EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 91.313/2013

 

                       

Ementa:

 

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 2.390, de 29 de fevereiro de 1994, que “DISPÕE SOBRE: TRANSFORMAÇÃO DE REGIME JURÍDICO FUNCIONAL DE SERVIDORES QUE ESPECIFICA, BEM COMO DOS RESPECTIVOS EMPREGOS EM CARGOS, TEMPO PARA APOSENTADORIA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”. Transformação de empregos e cargos públicos, com investidura nos cargos criados dos servidores ocupantes dos empregos e cargos transformados.

2)      Provimento por transposição ofensiva aos arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual. A transposição para cargo ou emprego diverso é vedada (Súmula 685-STF). É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido.

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 010.655/13, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 2.390, de 29 de fevereiro de 1994, do Município de Caieiras, que “dispõe sobre transformação de regime jurídico funcional de servidores que especifica, bem como dos respectivos empregos em cargos, tempo pra aposentadoria e dá outras providências”, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada pela Promotora de Justiça de Caieiras (fls. 02/03).

A Lei nº 2.930, de 29 de fevereiro de 1994, do Município de Caieiras, tem a seguinte redação:

“LEI Nº 2.390, DE 29 DE FEVEREIRO DE 1994

DISPÕE SOBRE: TRANSFORMAÇÃO DE REGIME JURÍDICO FUNCIONAL DE SERVIDORES QUE ESPECIFICA, BEM COMO DOS RESPECTIVOS EMPREGOS EM CARGOS, TEMPO PARA APOSENTADORIA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS.

FAÇO SABER que a Câmara Municipal de Caieiras aprovou, e eu, PROF. NÉVIO LUIZ ARANHA DÁRTORA, na qualidade de Prefeito do Município de Caieiras, sanciono e promulgo a seguinte Lei:

ARTIGO 1º - Os Servidores do Município de Caieiras,  enquadrados em regime C.L.T. (Consolidação das Leis do Trabalho), considerados estáveis nos termos do Artigo 1º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal, que optarem e apresentarem requerimento, ficam submetidos ao Regime Estatutário previsto na Lei nº 678, de 12 de Novembro de 1.970.

§ 1º - O requerimento de que trata o "caput" deste Artigo deverá vir instruído com declaração do Servidor, manifestando sua intenção de mudança de Regime Jurídico Funcional e com concordância expressa de desistência de quaisquer outros direitos que porventura possam ser apurados posteriormente, bem como do pleno conhecimento das disposições desta Lei.

§ 2º - O modelo do requerimento, bem como da declaração mencionados no parágrafo anterior, serão fornecidos pela Seção Pessoal da Prefeitura Municipal de Caieiras.

ARTIGO 2º - Ficam transformados em cargos públicos os empregos ocupados pelos Servidores incluídos no Regime Estatutário.

ARTIGO 3º - A aposentadoria aos Servidores enquadrados no Artigo 1º, desta Lei, será concedida pelo Regime Estatutário, aos que já tenham prestado no mínimo 24 (vinte e quatro) meses nesse Regime, que preencham os demais requisitos necessários ao mister, ficando excluídos da carência estabelecida neste Artigo, aos Servidores que derem entrada em processo de aposentadoria, amparados pelo Artigo 97, parágrafos e incisos, da Lei nº 1.994, de 05 de abril de 1.990, Lei Orgânica do Município de Caieiras.

ARTIGO 4º - O tempo de serviço prestado pelos Servidores de que trata o Artigo 1º desta Lei, sob o Regime C.L.T. (Consolidação das Leis do Trabalho), não será computado para efeito de Adicional por Tempo de Serviço, Licença Prêmio e Sexta-Parte.

ARTIGO 5º - As despesas decorrentes desta Lei, correrão a conta de verbas orçamentárias próprias, suplementadas se necessárias.

ARTIGO 6º - Fica revogada, em todos os seus expressos termos, a Lei nº 2.336, de 21 de Setembro de 1993.

ARTIGO 7º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação.

Prefeitura do Município de Caieiras, em 28 de Fevereiro de 1994.

PROF. NÉVIO LUIZ ARANHA DÁRTORA

Prefeito Municipal”

O mencionado diploma normativo é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     DA FUNDAMENTAÇÃO

A Lei nº 2.930, de 29 de fevereiro de 1994, do Município de Caieiras, transformou o emprego público dos servidores do Município de Caieiras, enquadrados em regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em cargos públicos, por simples opção, manifestada em requerimento, submetendo-os ao Regime Estatutário.

Em consequência da “opção” e do requerimento formulado pelo empregado público, ficaram transformados em cargos públicos os empregos. Consequentemente, tornaram-se incluídos no Regime Estatutário.

Inclusive, a aposentadoria dos servidores optantes foram enquadradas no Regime Estatutário.

Está evidente que houve provimento dos cargos públicos criados por transposição, seja porque não se tratou de mera modificação de nomenclatura, mas de criação de unidade de caraterísticas e atribuições diversas.

De outro lado, não constam dos atos normativos as atribuições dos novos cargos, o que, por si só, já seria motivo para o reconhecimento da inconstitucionalidade, haja vista não haver correspondência das atribuições entre os cargos.

Houve no caso, transposição de servidores públicos lato sensu admitidos para um determinado cargo ou emprego público, isolado, para outro de natureza, regime, atribuições e requisitos de investidura diversos.

Cuida-se, sem dúvida alguma, da transposição de servidores públicos lato sensu admitidos para um determinado cargo ou emprego público, isolado, para outro de natureza, regime e requisitos de investidura diversos, bem como de carreira distinta, sem submissão à prévia aprovação em concurso público de provas e títulos em igualdade de condições. Trata-se, portanto, de transposição vedada.

“Não há como privilegiar alguém pelo só fato de (já) ser funcionário público e livrá-lo da concorrência dos não funcionários para ingressar em outro cargo ou carreira, que por concurso público deveriam ser disputados” (Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 327).

Registre-se a ementa do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI n. 289/CE , em que foi Relator o Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, referente a caso análogo:

“Servidor Público: estabilidade extraordinária (ADCT/CF/88, art. 19). O Tribunal tem afirmado a sujeição dos Estados-membros às disposições da Constituição Federal relativas aos servidores públicos, não lhes sendo dado, em particular, restringir ou ampliar os limites da estabilidade excepcional conferida no artigo 19 do ato federal das disposições transitórias. II. Estabilidade excepcional (Art. 19 ADCT): não implica efetividade no cargo, para a qual é imprescindível o concurso público (v.g. RE 181.883, 2ª T., Corrêa, DJ 27.02.98; ADIns. 88-MG, Moreira, DJ 08.09.00; 186-PR, Rezek, DJ 15.09.95; 2433-MC, Corrêa, DJ 24.8.01). III. Concurso público: exigência incontornável para que o servidor seja investido em cargo de carreira diversa. 1. Reputa-se ofensiva ao art. 37, II, CF, toda modalidade de ascensão de cargo de uma carreira ao de outra, a exemplo do "aproveitamento" de que cogita a norma impugnada. 2. Incidência da Súmula/STF 685 ("É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido"). IV. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 25, 26, 29 e 30 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Ceará – fizemos destaques.

         Trata-se, como já acenado, de transposição para cargo ou emprego distinto, e que é estimada ilícita e inconstitucional pelo ordenamento jurídico vigente, tanto que o Supremo Tribunal Federal já editou, a propósito, a Súmula 685, cujo teor expressa que:

“É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.

A espécie exibe ofensa ao princípio de moralidade administrativa que preordena a exigência constitucional de provimento originário de cargos ou empregos públicos isolados ou de carreira mediante prévia aprovação em concurso público e que, de outra parte, recebe o influxo do princípio da impessoalidade administrativa ao interditar toda a sorte de favorecimentos e privilégios na investidura no serviço público e nas funções públicas correlatas. Portanto, caracterizada a incompatibilidade vertical com os arts. 111 e 115, II, da Constituição Estadual.

Dentro deste panorama as transformações operadas caracterizam provimento por transposição com violação à exigência constitucional do concurso público (art. 115, II, da Constituição Estadual), além da violação ao disposto no art. 11 da Constituição paulista.

3.     DOS PEDIDOS

a.    DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais, apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura em cargos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação, do diploma normativo impugnado.

b.     DO PEDIDO PRINCIPAL

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.390, de 29 de fevereiro de 1994, do Município de Caieiras.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e à Câmara Municipal de Caieiras, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 04 de abril de 2014.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

md

 


Protocolado nº 91.313/2013

Interessado: Promotoria de Justiça de Caieiras

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 2.390, de 29 de fevereiro de 1994, do Município de Caieiras, que “DISPÕE SOBRE: TRANSFORMAÇÃO DE REGIME JURÍDICO FUNCIONAL DE SERVIDORES QUE ESPECIFICA, BEM COMO DOS RESPECTIVOS EMPREGOS EM CARGOS, TEMPO PARA APOSENTADORIA E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade.

2.     Oficie-se ao representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 8 de abril de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

md