Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 142.930/2013
Constitucional.
Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei N. 1.587/13, do
Município de Rifaina. 1. Criação indiscriminada, abusiva e artificial de funções de
confiança que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção,
mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem
preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. 2. Ausência de fixação das
atribuições. 3. Constituição Estadual: artigos 5º; 24, §
2°, 1; 111; 115, V, e
144.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São
Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei
Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do
Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125,
§ 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90,
III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com
pedido liminar, em face da Lei n. 1.587, de 15 de
fevereiro de 2013, do Município de Rifaina, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
1.
A Lei n. 1.587, de 15 de fevereiro de 2013, do Município de Rifaina,
assim dispõe, ao criar
inúmeras funções de confiança:
(...)”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
2.
A lei
impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual
está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º,
18 e 29 da Constituição Federal.
3.
Os
preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
4.
As
normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 24 -
A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou
Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a
iniciativa das leis que disponham sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na
administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva
remuneração;
(...)
Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (...)”.
III – A CRIAÇÃO DE CARGOS E EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO E
INEXISTÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES PREVISTAS EM LEI
5.
O
quadro acima reproduzido revela a criação indiscriminada, abusiva e artificial
de funções de confiança, sem qualquer descrição de suas atribuições em lei.
6.
Inicialmente,
é inconstitucional a criação de funções de confiança cujas atribuições são de
natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não
revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser
desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo
mediante aprovação em concurso público.
7.
Afinal,
como bem claramente estabelece o art. 115, V, da Constituição Paulista, as
funções de confiança destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e
assessoramento.
8. Por isso que a criação não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
9. Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.
10.
Portanto,
têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e
direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco
importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois,
11.
É
dizer: as funções de confiança, acessíveis por provimento em comissão, devem
ser restritas às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível
superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com
os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação,
supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a
criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal
absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais,
burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.
12.
Para
tanto, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas
atribuições para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de
assessoramento, chefia e direção. Isto se amolda ao próprio princípio da
legalidade – porque a reserva legal exige lei em sentido formal para disciplina
das atribuições de cargo público, como adverte a doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto
inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público.
Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta
uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do
Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo.
A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no
sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável.
Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que
‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a
discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da
organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e
diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
13.
Pois, somente a partir
da descrição precisa das atribuições será possível, a bem do funcionamento
administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa
licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de
exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em
nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos
dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da forma de
investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade,
pela impessoalidade e pela razoabilidade.
14.
Nem
se alegue, por oportuno, que as atribuições poderiam ser regulamentadas pelo
Poder Executivo Municipal. A possibilidade de regulamento autônomo para
disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência
para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre
seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista
do art. 61, § 1°, II, a, da
Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em
sentido formal.
Regulamento
administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização
administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das
relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu
funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los
desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a,
84, VI, b, Constituição Federal; art.
47, XIX, a, Constituição Estadual) ou
para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem
explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84,
VI, a, da Constituição, é:
“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).
15.
Neste sentido, pronuncia a jurisprudência a
inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da
descrição das atribuições
de cargos de provimento em comissão (STF,
RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u.,
DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso,
14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial,
Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).
16. E, ademais, proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
17.
A
criação abusiva e a ausência de fixação de atribuições caracterizam violação
dos 111 e 115, V, da Constituição
Estadual, pois, é exigência elementar à criação de cargos públicos a descrição
de suas atribuições em lei.
18.
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados
como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é
sinal, de per si, para suspensão de
sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação,
consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção
de remuneração à custa do erário.
19.
À luz desta contextura,
requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, da Lei n. 1.587/13, do Município de Rifaina.
V – Pedido
20.
Face ao exposto, requerendo o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 1.587/13, do
Município de Rifaina.
21.
Requer-se,
ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito
Municipal de Rifaina, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do
Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por
nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 24
de abril de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
md
Protocolado nº 142.930/13
1. Distribua-se a petição
inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2. Oficie-se ao interessado,
informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 24 de abril
de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça