EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE  SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 177.059/2013

 

 

 

Ementa:

1.      Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 6.178, de 05 de Janeiro de 2012, do Município de Bauru. Alteração de Zoneamento Urbano. Ausência de participação popular e de planejamento técnico. violação aos arts. 180, I, II e V, 181 e 191 da CE. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.178, 5 de Janeiro de 2012, que “Transforma em corredor comercial, de serviços e comercial e de serviços as ruas que especifica”, é incompatível com a Constituição Estadual, em razão da ausência de planejamento técnico e participação popular na produção da lei. Inconstitucionalidade por violação dos arts. 180, I, II e V, 181 e 191 da Constituição Estadual.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru, pelos seguintes fundamentos:

 

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru, que “Transforma em corredor comercial, de serviços e comercial e de serviços as ruas que especifica, tem a seguinte redação:

 

 

 

 

 

O ato normativo impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

 

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“(...)

Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

 

3. DA Violação Ao princípio do planejamento

O ato normativo impugnado desrespeitou a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas à instituição de diretrizes urbanas.

Nos termos dos arts. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada ao desenvolvimento urbano.

E não poderia ser diferente, vez que eventuais alterações nesta temática produzem significativas modificações na geografia e dinâmica urbana, seja em termos de mobilidade, saneamento, questões ambientais e outras, sendo imperiosa a elaboração de minucioso planejamento técnico destinado a apontar eventuais desdobramentos resultantes da mudança do ordenamento urbano, que por vezes é promovida pelo zoneamento.

Assim sendo, todo e qualquer regramento concernente ao zoneamento urbano, seja em sede inaugural ou em razão de futuras alterações necessárias no curso do desenvolvimento do território urbano, deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, razão pela qual a exigência de planejamento e estudos técnicos se faz imprescindível no uso do instrumento em apreço.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados pode-se concluir que: (a) a adequada política de ordenamento do território urbano, sendo um de seus instrumentos o zoneamento, é mandamento de status constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação adequada do território urbano se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento do território urbano devem constar do respectivo Plano Diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica acerca do ordenamento urbano, assim como suas posteriores alterações, pauta-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento, definido como um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, desprovida, em muitos casos, de elementos vinculados às reais necessidades do território e de sua população, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão de exigência constitucional (art. 48, IV, 182, da CF e art. 180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos e congêneres, quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

Outrossim, o planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema, Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo tempo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28 ,  apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro,  2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do território é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o zoneamento, visando regular o uso da propriedade urbana em função das necessidades do território e seus habitantes, a fim de concretizar o interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que a ordenação urbanística seja legítima, portanto, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule, à luz de suas reais necessidades e de critérios objetivos aferidos a partir de estudo técnico.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que alterações das normas que regulam o ordenamento urbano, inclusive as de zoneamento, dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do Poder Público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global do território urbano - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

No caso em comento, o ato normativo que altera o zoneamento em determinadas áreas do território, mudando radicalmente sua destinação sem a realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas de zoneamento que estejam dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o território urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade a exigência de planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor Participativo e o Sistema de Planejamento Integrado e Gestão Participativa do Município.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, inclusive sobre o zoneamento, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

A partir da análise da Lei 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru, e de seu processo legislativo, verifica-se que o diploma objeto da impugnação não está fundado em planejamento urbanístico destinado a atender os efetivos anseios da cidade e a promover a melhoria das condições de vida dos cidadãos, porquanto alterou, de forma aleatória e sem qualquer lastro técnico, vias que outrora possuíam destinação exclusivamente residencial em setores mistos, ante a criação de corredores comerciais e de serviços nessas áreas, revelando sua total incompatibilidade com os mandamentos constitucionais.

Ademais, impende mencionar que a lei impugnada, mesmo que editada a partir de iniciativa do Executivo, por não observar a atividade de planejamento urbano do Município, compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

Deste modo, patente a inconstitucionalidade do ato normativo que, sem qualquer estudo prévio consistente, dispõe sobre a alteração do zoneamento de áreas anteriormente destinadas somente a imóveis residenciais, haja vista sua ofensa frontal ao disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, aos princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

 

4. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

A transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens dos particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.

Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bem estar do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

O princípio da participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da Constituição Estadual (arts. 180, II e 191).

O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento, como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

Pois bem. No caso trazido a lume, uma simples leitura do diploma impugnado evidencia uma drástica alteração do zoneamento urbano promovido pela Lei nº 6.178, de 05 de janeiro de 2012, sem que tal ato legislativo tenha sido amplamente discutido pela coletividade, em oposição aos imperativos constitucionais anteriormente esposados.

Não há que se falar em dispensa da consulta popular em alterações de zoneamento supostamente pontuais, dada a obrigatoriedade de participação popular nos projetos e temas concernentes ao ordenamento urbano. Ademais, na hipótese em apreço, o zoneamento urbano foi significativamente modificado, com a criação de corredores comerciais, de serviços e comerciais e de serviços em áreas anteriormente destinadas tão somente à moradia, não sendo possível, assim, ventilar tese de alterações pontuais no zoneamento urbano, muito menos de hipótese excepcional justificadora de eventual afastamento da obrigatoriedade de consulta popular.

Nesse diapasão, portanto, seria imprescindível a participação da comunidade para discutir a alteração do zoneamento urbano de vias inseridas no território do Município, pois resta clara a significativa alteração do ordenamento urbanístico, não cabendo qualquer menção à hipótese de dispensa de tal ato.

Nesse sentido já se posicionou este E. Tribunal de Justiça na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 0168001-94.2013.8.26.0000, em face de ato legislativo similar ao ora combatido, editado, inclusive, pelo Município de Bauru:

“(...) A lei nº 6.359, de 7 de junho de 2013, do Município de Bauru, transforma ruas e quarteirões que especifica em seus arts. 1º, 2º e 3º em corredores comerciais e de serviços. E não resta dúvida de que, visando a atender interesse público local, isso é possível, mas com a observância de normas constitucionais (art. 180, II, e 191 da Constituição do Estado) que exigem em tal processo a participação de entidades comunitárias, da coletividade, em suma, o que, no caso, não ocorreu, como se depreende do que segue claro nas informações que Município e Câmara prestaram (fls. 33/36 e 39/40).

O art. 180, II, da Constituição do Estado prevê que no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão “a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes” (inciso II). E o art. 191 da Constituição do Estado diz: “O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico”.

O ato normativo aqui atacado constitui inequívoca alteração do zoneamento, com transformação de ruas e quarteirões inteiros em corredores comerciais e de serviços, o que se fez sem a imprescindível participação comunitária.

(...)

Não se trata de, como quer a Municipalidade, submeter a consulta popular todo e qualquer ato do poder público municipal, toda e qualquer edição de lei, a acarretar “uma enorme burocratização da Gestão Pública Municipal.” Trata-se, isto sim, de cumprir e fazer com que se cumpra a Constituição Estadual que, no que concerne à matéria em exame, exige, como dito, a participação comunitária, na forma do que estabelece nos arts. 180, II, e 191, que não abrem exceção para modificações pontuais ou pequenas alterações de zoneamento. Aliás, observados os termos da lei 6.359/13, não cabe no caso falar em pequena alteração de zoneamento. A necessidade de “dinamizar e desenvolver a cidade em conformidade com o progresso” não justifica o descumprimento de normas constitucionais, das diretrizes nestas especificadas para alterações urbanísticas e de zoneamento. (...)”

Ante as considerações supramencionadas, padece de inconstitucionalidade a Lei nº 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru, por subtrair a possibilidade e exigência constitucional da participação popular, ofendendo frontalmente o disposto no art. 180, caput e inciso II, no art. 181, caput e §1º e no art. 191, da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput e § 1º, e o art. 30 e inciso VIII, da Constituição Federal.

 

5. DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com um desenvolvimento incompatível com as reais necessidades da cidade e dissonante ao devido planejamento urbanístico voltado ao bem estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que o zoneamento urbano descompassado do interesse público poderá resultar em situações urbanisticamente não desejáveis, que poderão gerar conflitos e intranquilidade na comunidade.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei nº 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru.

 

7. DO PEDIDO PRINCIPAL.

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Bauru, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 16 de maio de 2014.

 

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

          

 

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Protocolado nº 177.059/2013

Assunto: inconstitucionalidade da Lei 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 6.178, de 05 de janeiro de 2012, do Município de Bauru, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 16 de maio de 2014.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

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