EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 164.647/2013

                                              

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Arts. 4º, 5º, 6º e 7 da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, da Câmara Municipal de Franca, que cria o cargo de provimento em comissão de Chefe de Setor de Logística e aumenta o número de assessores parlamentares na Câmara Municipal. Expressão “Assessor Parlamentar”, constante no Anexo VI da Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, que estabelece o quadro de cargos em comissão da Câmara Municipal de Franca.

2)      Cargos Públicos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição Estadual (art. 111, 115, II e V, e art. 144).

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 164.647/13, que segue anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, da Câmara Municipal de Franca, e da expressão “Assessor Parlamentar” constante no Anexo VI, inserto na Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação encaminhada por cidadãos do Município de Franca (fls. 02/07).

Os arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, da Câmara Municipal de Franca, têm a seguinte redação:

                            (...)

Art. 4º Fica criado o cargo em comissão de Chefe de Setor de Logística, que passa a integrar o anexo VI da Resolução nº 473/2013.

Art. 5º Ficam criados 3 (três) cargos de assessor parlamentar, passando a integrar o Anexo VI da Resolução 473/2013.

Art. 6º Em consequência das alterações aqui processadas, o Anexo VI da Resolução nº 473/2013, passa a vigorar com a seguinte redação:

Anexo VI – Quadro de Cargos em Comissão.

GRUPO OCUPACIONAL

DENOMINAÇÃO DO CARGO

NÍVEL DE VENCIMENTO

QUANTITATIVO DE CARGOS

Grupo de serviços de Chefia e Direção

Chefe do setor de Logística

20

1

Grupo de Serviços Técnicos

Assessor Parlamentar

21

18

 

Art. 7º A descrição e as atribuições dos cargos em comissão passam a vigorar com a redação constante do Anexo VIII, que substitui o mesmo documento da Resolução nº 473/2013. (...)”

Já a Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, a qual estabelece o quadro de cargos em comissão da Câmara Municipal de Franca, em seu Anexo VI, alterado pelo art. 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, assim dispõe:

Anexo VI – Quadro de Cargos em Comissão.

GRUPO OCUPACIONAL

DENOMINAÇÃO ANTERIOR DO CARGO

NOVA DENOMINAÇÃO DO CARGO

NÍVEL DE VENCIMENTO ANTERIOR

NÍVEL DE VENCIMENTO NOVO

QUANTITATIVO DE CARGOS

Grupo de Serviços Técnicos

Assessor Processamento de Dados

Assessor Processamento de Dados

113 + 40%

22

1

Assessor Comunicação

Assessor Comunicação

113 + 40%

22

1

Chefe do Serviço de Transporte

Assessor do Serviço de Transporte

110 + 40%

20

1

Assessor Parlamentar

Assessor Parlamentar

112 + 35%

21

15

2.     DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO IMPUGNADOS

As atribuições do cargo de provimento em comissão de Chefe do Setor de Logística foram previstas no Anexo VIII da Resolução nº 491/2013, a qual alterou, por força de seu art. 7º, o rol de atribuições dos cargos em comissão anteriormente disciplinados pelo Anexo VII da Resolução nº 473/ 2013, expedido pela Câmara Municipal de Franca, da seguinte forma:

ANEXO VIII

DESCRIÇÃO DOS CARGOS EM COMISSÃO

1. Cargo: CHEFE DO SETOR DE LOGÍSTICA

2. Descrição sintética: Subordina-se à Presidência, com a observância da coordenação e organização estrutural dos órgãos. Compreende os cargos que se destinam a dirigir as atividades de manutenção, conservação e controle dos serviços de logística e de apoio aos diversos setores da Câmara.

3. Atribuições típicas:

I - programar, organizar, dirigir, supervisionar e executar as atividades referentes à distribuição, manutenção, conservação e controle de utilização dos veículos da Câmara;

II - programar, dirigir e supervisionar as atividades de manutenção preventiva dos veículos da Câmara, tais como os serviços de abastecimento, lavagem, lubrificação, borracharia e normas operacionais;

III - manter o controle de veículos quanto a uso, gasto e depreciação;

IV - promover a organização e a manutenção atualizada dos reparos em veículos da Câmara;

V - promover a distribuição dos veículos pelos diferentes órgãos da Câmara, de acordo com as necessidades de cada um e as possibilidades da frota;

VI - promover a inspeção periódica dos veículos e a verificação do seu estado de conservação, providenciando os reparos necessários;

VII - promover o recolhimento e o conserto dos veículos acidentados, quando for o caso;

VIII - determinar os estoques máximo e mínimo de peças e acessórios de utilização frequente na manutenção de veículos da Câmara;

IX - assessorar o Diretor do Departamento Administrativo nas operações de compra e alienação de veículos e respectivos equipamentos e peças;

X - zelar pela regularidade da documentação dos veículos e da situação dos motoristas da Câmara, em face das normas de trânsito em vigor;

XI - fazer observar as normas e os prazos estabelecidos nos contratos de seguro dos veículos da Câmara;

XII - promover a vistoria dos veículos de terceiros a serem alugados pela Câmara, abastecê-los por força de contrato e fiscalizar os boletins de transportes;

XIII - promover a elaboração de quadros demonstrativos mensais, por veículo e por repartição, dos gastos de combustível e lubrificantes, reparos de peças e mão de obra;

XIV - promover a organização e fazer cumprir a escala de revisão e lubrificação de veículos;

XV - manter, sob segurança, a guarda de pneus, peças, ferramentas e demais materiais utilizados;

XVI - coordenar as atividades relativas ao controle de utilização, manutenção e abastecimento dos veículos da Câmara;

XVII - exercer outras atividades correlatas.

4. Requisitos para provimento:

Instrução – ensino fundamental completo e carteira de habilitação profissional.

Experiência – mínimo de 2 (dois) anos de atividades na área de transporte.”

Já as atribuições do cargo de provimento em comissão de Assessor Parlamentar também foram previstas no Anexo VIII da Resolução nº 491/2013, com a redação alterada pelo art. 7º da mesma Resolução, editada pela Câmara Municipal de Franca, nos seguintes moldes:

ANEXO VIII

DESCRIÇÃO DOS CARGOS EM COMISSÃO

(...)

1. Cargo: ASSESSOR PARLAMENTAR

2. Descrição sintética: Subordina-se à Presidência, com a observância da coordenação e organização estrutural dos órgãos. Compreende os cargos que se destinam a assessorar os vereadores.

3. Atribuições típicas:

I. assessorar o Vereador, no âmbito das Comissões;

II. assessorar o Vereador na elaboração de proposições e pronunciamentos;

III. preparar matérias referentes a pronunciamentos e proposições do Vereador;

IV. registrar e controlar as audiências, visitas e reuniões de que deva participar ou tenha interesse o Vereador;

V. acompanhar e informar ao Vereador sobre prazos e providências das proposições em tramitação na Câmara;

VI. incumbir-se da correspondência recebida e expedida pelo parlamentar;

VII. preparar regularmente sinopse das matérias de interesse do Vereador, publicadas nos principais órgãos da imprensa;

VIII. recepcionar e atender o público no gabinete do Vereador, prestando orientações e esclarecimentos necessários sobre os assuntos de interesse dos munícipes;

IX. dar o encaminhamento necessário aos assuntos de interesse dos munícipes, conforme orientação do Vereador;

X. manter-se informado e atualizado sobre os assuntos de interesse geral;

XI. acompanhar o Vereador em visitas e reuniões efetuando as anotações necessárias;

XII. colaborar com os serviços da Câmara Municipal em geral;

XIII. realizar serviços externos do gabinete;

XIV. recepcionar visitantes e hóspedes oficiais da Câmara, conduzindo-os à presença do Presidente e prestando-lhe todo o apoio necessário durante sua permanência na Casa;

XV - organizar e manter atualizado cadastro contendo nomes, telefones e endereços de autoridades e instituições da Câmara;

XVI. manter-se atualizado sobre a história e o funcionamento da Câmara, com o objetivo de prestar informações corretas aos visitantes;

XVII. desenvolver programas de visitação de alunos de estabelecimentos de ensino às dependências da Câmara, expondo sobre sua organização e seu funcionamento e a importância da representação exercida pelos Vereadores;

XVIII. desenvolver outras iniciativas com vistas a promover o nome da Câmara, através da integração da comunidade com os trabalhos legislativos;

XIX. auxiliar e colaborar na divulgação dos trabalhos do Vereador e do Legislativo;

XX. organizar os registros relativos às audiências, visitas, conferências e reuniões de que deva participar ou em que tenha interesse o Presidente da Câmara;

XXI. apreciar as relações existentes entre a Câmara e o público em geral, propondo medidas para melhorá-las;

XXII. promover a organização de arquivos de recortes de jornais relativos a assuntos de interesse do Poder Legislativo;

XXIII. exercer outras atividades correlatas.

4. Requisitos para provimento:

Instrução – ensino fundamental completo.”

A partir da análise dos dispositivos legais supratranscritos é possível concluir que tais enunciados são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, por violação dos arts. 111, 115, II e V, e 144 da Carta Paulista, como será demonstrado a seguir.

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

a.       DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS.

As atribuições do cargo de provimento em comissão de Chefe do Setor de Logística, assim como de Assessor Parlamentar, têm natureza meramente técnica, burocrática, operacional e profissional.

A exigência apenas de ensino fundamental completo em ambos os cargos, e de carteira de habilitação profissional apenas para o cargo de Chefe do Setor de Logística, são outros aspectos que lhes conferem natureza de unidade que desempenha atividade subalterna, que, conjugados com as demais características dos cargos impugnados, reforçam a ideia de unidades executórias de pouca complexidade, de nível subalterno, sem poder de mando e comando superior e necessidade do elemento fiduciário para seu desempenho, o que justificaria o provimento em comissão.

A propósito do nível de escolaridade compatível com cargos de provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do Município de Álvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria, extingue empregos públicos e dá outras providências - Funções descritas que não exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente. (TJSP, ADIn 0107464-69.2012.8.26.0000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2012)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITÜCIONALIDADE - Legislações do Município de Tietê, que dispõem sobre a criação de cargos de provimento em comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos — Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a complexidade das funções - - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn 0130719-90.2011.8.26.000, Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2012)

Em relação ao cargo de Chefe do Setor de Logística, embora descrita no rol de atribuições previstas para o cargo a função de programar, supervisionar, dirigir, organizar, trata-se de atividades destinadas a atender necessidades executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Em suma, são atribuições técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo.

No tocante ao cargo de Assessor Parlamentar, entendimento diverso ao aludido não poderia ser abstraído de seu ato disciplinador. Da simples leitura do anexo incumbido de reger suas atribuições é visível a natureza subalterna da função exercida por tal assessor, vide as seguintes tarefas constantes no texto, de sorte que, por não exigirem qualquer elemento de confiança para sua consecução, afastam por completo a possibilidade de provimento por comissão:

“(...)

IV. registrar e controlar as audiências, visitas e reuniões de que deva participar ou tenha interesse o Vereador;

V. acompanhar e informar ao Vereador sobre prazos e providências das proposições em tramitação na Câmara;

VI. incumbir-se da correspondência recebida e expedida pelo parlamentar;

(...)

VIII. recepcionar e atender o público no gabinete do Vereador, prestando orientações e esclarecimentos necessários sobre os assuntos de interesse dos munícipes;

(...)

X. manter-se informado e atualizado sobre os assuntos de interesse geral;

XI. acompanhar o Vereador em visitas e reuniões efetuando as anotações necessárias;

XII. colaborar com os serviços da Câmara Municipal em geral; (...)”.

Na verdade, tanto o cargo de Chefe do Setor de Logística como o de Assessor Parlamentar são voltados à consecução de atividades técnico administrativas relacionadas, respectivamente, à frota da Câmara Municipal ou à mantença das atividades corriqueiras no gabinete de parlamentar, que evidentemente não reclamam especial confiança para o seu bom desempenho.

Ademais, como já mencionado, a escolaridade exigida para a admissão em ambos os cargos é apenas a de ensino fundamental, o que afasta a complexidade da função na consecução dos cargos, haja vista a não exigência de conhecimentos específicos que possuem as pessoas que ostentam nível superior de ensino.

Além destes aspectos indicativos de que os cargos impugnados desempenham funções subalternas, de pouca complexidade, se exigindo tão somente o dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição genérica das atribuições dos cargos de Chefe do Setor de Logística e de Assessor Parlamentar evidenciam a natureza puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior.

Dessa forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a ordem constitucional vigente, em especial com os arts. 111; 115 incisos II e V; e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

Essa incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso (art. 115, II, CE).

Embora o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 459).

A autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).

No exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras questões, bem como se estruturando adequadamente.

Todavia, a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas ao regime jurídico do serviço público.

A regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, II, da Constituição Federal; bem como no art. 115, II, da Constituição do Estado de São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de natureza técnica ou burocrática.

A criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração, deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente política.

Há limites implícitos à sua criação, visto que se assim não fosse, estaria, na prática, aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço público.

A propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal Federal, que “a criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno, Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).

Podem ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos ou funções que, pela própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.

É esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).

Daí a afirmação de que “é inconstitucional a lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).

São a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o imprescindível “vínculo de confiança” (cf. Alexandre de Moraes, Direito constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam ser destinados “apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).

Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).

Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados, não se evidenciam elementos que justificam o provimento em comissão.

Escrevendo na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão para tal criação, “propiciar ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).

No caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão impugnados destinam-se ao desempenho de atividades meramente burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação de especial confiança.

É necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em inúmeros julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j. 16.07.2008, v.u.).

Por fim, imperioso consignar que o cargo de Assessor Parlamentar, em especial, poderia eventualmente ser provido via comissão.

Respeitadas as balizas legais, a Câmara do Município de Franca não encontraria óbice à instituição de cargo dessa natureza, pois há funções desenvolvidas no seio da atividade legiferante que exigem especial confiança e afinamento com as diretrizes políticas do governo, ante sua complexidade técnica.

Todavia, nos moldes como editado, o aludido cargo revela total desprendimento às regras jurídicas, ante a flagrante natureza ordinária das atividades desempenhadas por tal assessor, de modo a ser patente sua a inconstitucionalidade por ofensa à obrigatoriedade de concurso público para funções deste porte (art. 115, II, CE).

Diante dos argumentos esposados, evidencia-se a ofensa dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar” constante no Anexo VI, inserto na Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, editadas pela Câmara Municipal de Franca, em face do art. 115, II e V, da CE, sendo imperiosa a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos supramencionados por este Egrégio Tribunal.

4.     DOS PEDIDOS

a.    Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais, da Câmara Municipal de Franca, apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se ilegítima investidura no cargo público e a consequente oneração financeira do erário.

Está claramente demonstrado a ofensa ao princípio da obrigatoriedade de concurso público, haja vista que os cargos em comissão impugnados não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições normativas questionadas, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência posterior da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocupar tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia dos atos normativos impugnados evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação do art. 4º da Resolução 491/2013 e da expressão Chefe do Setor de Logística constante dos Anexos VI e VIII da Resolução nº 473/2013 da Câmara Municipal de Franca (com a redação que lhes foram dadas pelos art. 6º e 7º da Resolução nº 491/2013), do art. 5º da Resolução 491/2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013.

b.    Do pedido principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 4º da Resolução nº 491/2013 da Câmara Municipal de Franca e da expressão Chefe do Setor de Logística dos Anexos VI e VIII da Resolução nº 473/2013 da Câmara Municipal de Franca (com a redação que lhes foram dadas pelos arts. 6º e 7º da Resolução nº 491/2013), bem como do art. 5º da Resolução 491/2013, e da expressão a ela correlata “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Franca, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que, aguarda-se deferimento.

São Paulo, 26 de maio de 2014.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

aca

Protocolado nº 164.647/2013

Assunto: Inconstitucionalidade dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491 de 16 de outubro de 2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013, ambas da Câmara Municipal de Franca.

 

1.           Distribua-se eletronicamente a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491 de 16 de outubro de 2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013 da Câmara Municipal de Franca.

2.           Oficie-se ao representante, informando a propositura da presente ação, com cópia da petição inicial;

São Paulo, 26 de maio de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

aca