EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 164.647/2013
Ementa:
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Arts. 4º, 5º, 6º e 7 da Resolução nº 491, de
16 de outubro de 2013, da Câmara Municipal de Franca, que
cria o cargo de provimento em comissão de Chefe de Setor de Logística e aumenta
o número de assessores parlamentares na Câmara Municipal. Expressão “Assessor
Parlamentar”, constante no Anexo VI da Resolução nº 473, de 24 de abril de
2013, que estabelece o quadro de cargos em comissão da Câmara Municipal de
Franca.
2)
Cargos
Públicos de provimento em comissão que não
retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções
técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por
servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade
de especial relação de confiança. Violação de dispositivos da Constituição
Estadual (art. 111, 115, II e V, e art. 144).
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da
Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade
com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da
República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da
Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no
incluso protocolado (PGJ nº 164.647/13, que segue anexo), vem perante esse
Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro
de 2013, da Câmara Municipal de Franca, e da expressão “Assessor Parlamentar” constante no Anexo VI,
inserto na Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, pelos fundamentos expostos
a seguir:
1.
DOS ATOS NORMATIVOS
IMPUGNADOS
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação encaminhada por cidadãos do Município
de Franca (fls. 02/07).
Os arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, da Câmara Municipal de Franca, têm a seguinte redação:
(...)
Art. 4º Fica criado o cargo em comissão de Chefe de Setor de Logística, que passa a integrar o anexo VI da Resolução nº 473/2013.
Art. 5º Ficam criados 3 (três) cargos de assessor parlamentar, passando a integrar o Anexo VI da Resolução 473/2013.
Art. 6º Em consequência das alterações aqui processadas, o Anexo VI da Resolução nº 473/2013, passa a vigorar com a seguinte redação:
Anexo VI – Quadro de Cargos em Comissão.
GRUPO OCUPACIONAL |
DENOMINAÇÃO DO CARGO |
NÍVEL DE VENCIMENTO |
QUANTITATIVO DE CARGOS |
Grupo de serviços de Chefia e Direção |
Chefe do setor de Logística |
20 |
1 |
Grupo de Serviços Técnicos |
Assessor Parlamentar |
21 |
18 |
Art. 7º A descrição e as atribuições dos cargos em comissão passam a vigorar com a redação constante do Anexo VIII, que substitui o mesmo documento da Resolução nº 473/2013. (...)”
Já a Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, a qual estabelece o
quadro de cargos em comissão da Câmara Municipal de Franca, em seu Anexo VI,
alterado pelo art. 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, assim
dispõe:
Anexo VI – Quadro de Cargos em Comissão.
GRUPO OCUPACIONAL |
DENOMINAÇÃO ANTERIOR DO CARGO |
NOVA DENOMINAÇÃO DO CARGO |
NÍVEL DE VENCIMENTO ANTERIOR |
NÍVEL DE VENCIMENTO NOVO |
QUANTITATIVO DE CARGOS |
Grupo de Serviços Técnicos |
Assessor Processamento de Dados |
Assessor Processamento de Dados |
113 + 40% |
22 |
1 |
Assessor Comunicação |
Assessor Comunicação |
113 + 40% |
22 |
1 |
|
Chefe do Serviço de Transporte |
Assessor do Serviço de Transporte |
110 + 40% |
20 |
1 |
|
Assessor Parlamentar |
Assessor Parlamentar |
112 + 35% |
21 |
15 |
2.
DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO IMPUGNADOS
As atribuições do cargo de provimento em comissão de Chefe do Setor de Logística foram previstas no Anexo VIII da Resolução nº 491/2013, a qual alterou, por força de seu art. 7º, o rol de atribuições dos cargos em comissão anteriormente disciplinados pelo Anexo VII da Resolução nº 473/ 2013, expedido pela Câmara Municipal de Franca, da seguinte forma:
“ANEXO VIII
DESCRIÇÃO DOS CARGOS
EM COMISSÃO
1. Cargo: CHEFE DO SETOR DE LOGÍSTICA
2. Descrição sintética: Subordina-se à Presidência, com a observância da coordenação e organização estrutural dos órgãos. Compreende os cargos que se destinam a dirigir as atividades de manutenção, conservação e controle dos serviços de logística e de apoio aos diversos setores da Câmara.
3. Atribuições típicas:
I - programar, organizar, dirigir, supervisionar e executar as atividades referentes à distribuição, manutenção, conservação e controle de utilização dos veículos da Câmara;
II - programar, dirigir e supervisionar as atividades de manutenção preventiva dos veículos da Câmara, tais como os serviços de abastecimento, lavagem, lubrificação, borracharia e normas operacionais;
III - manter o controle de veículos quanto a uso, gasto e depreciação;
IV - promover a organização e a manutenção atualizada dos reparos em veículos da Câmara;
V - promover a distribuição dos veículos pelos diferentes órgãos da Câmara, de acordo com as necessidades de cada um e as possibilidades da frota;
VI - promover a inspeção periódica dos veículos e a verificação do seu estado de conservação, providenciando os reparos necessários;
VII - promover o recolhimento e o conserto dos veículos acidentados, quando for o caso;
VIII - determinar os estoques máximo e mínimo de peças e acessórios de utilização frequente na manutenção de veículos da Câmara;
IX - assessorar o Diretor do Departamento Administrativo nas operações de compra e alienação de veículos e respectivos equipamentos e peças;
X - zelar pela regularidade da documentação dos veículos e da situação dos motoristas da Câmara, em face das normas de trânsito em vigor;
XI - fazer observar as normas e os prazos estabelecidos nos contratos de seguro dos veículos da Câmara;
XII - promover a vistoria dos veículos de terceiros a serem alugados pela Câmara, abastecê-los por força de contrato e fiscalizar os boletins de transportes;
XIII - promover a elaboração de quadros demonstrativos mensais, por veículo e por repartição, dos gastos de combustível e lubrificantes, reparos de peças e mão de obra;
XIV - promover a organização e fazer cumprir a escala de revisão e lubrificação de veículos;
XV - manter, sob segurança, a guarda de pneus, peças, ferramentas e demais materiais utilizados;
XVI - coordenar as atividades relativas ao controle de utilização, manutenção e abastecimento dos veículos da Câmara;
XVII - exercer outras atividades correlatas.
4. Requisitos para provimento:
Instrução – ensino fundamental completo e carteira de habilitação profissional.
Experiência – mínimo de 2 (dois) anos de atividades na área de transporte.”
Já as atribuições do cargo de provimento em comissão de Assessor Parlamentar também foram previstas no Anexo VIII da Resolução nº 491/2013, com a redação alterada pelo art. 7º da mesma Resolução, editada pela Câmara Municipal de Franca, nos seguintes moldes:
“ANEXO VIII
DESCRIÇÃO DOS CARGOS
EM COMISSÃO
(...)
1. Cargo: ASSESSOR PARLAMENTAR
2. Descrição sintética: Subordina-se à Presidência, com a observância da coordenação e organização estrutural dos órgãos. Compreende os cargos que se destinam a assessorar os vereadores.
3. Atribuições típicas:
I. assessorar o Vereador, no âmbito das Comissões;
II. assessorar o Vereador na elaboração de proposições e pronunciamentos;
III. preparar matérias referentes a pronunciamentos e proposições do Vereador;
IV. registrar e controlar as audiências, visitas e reuniões de que deva participar ou tenha interesse o Vereador;
V. acompanhar e informar ao Vereador sobre prazos e providências das proposições em tramitação na Câmara;
VI. incumbir-se da correspondência recebida e expedida pelo parlamentar;
VII. preparar regularmente sinopse das matérias de interesse do Vereador, publicadas nos principais órgãos da imprensa;
VIII. recepcionar e atender o público no gabinete do Vereador, prestando orientações e esclarecimentos necessários sobre os assuntos de interesse dos munícipes;
IX. dar o encaminhamento necessário aos assuntos de interesse dos munícipes, conforme orientação do Vereador;
X. manter-se informado e atualizado sobre os assuntos de interesse geral;
XI. acompanhar o Vereador em visitas e reuniões efetuando as anotações necessárias;
XII. colaborar com os serviços da Câmara Municipal em geral;
XIII. realizar serviços externos do gabinete;
XIV. recepcionar visitantes e hóspedes oficiais da Câmara, conduzindo-os à presença do Presidente e prestando-lhe todo o apoio necessário durante sua permanência na Casa;
XV - organizar e manter atualizado cadastro contendo nomes, telefones e endereços de autoridades e instituições da Câmara;
XVI. manter-se atualizado sobre a história e o funcionamento da Câmara, com o objetivo de prestar informações corretas aos visitantes;
XVII. desenvolver programas de visitação de alunos de estabelecimentos de ensino às dependências da Câmara, expondo sobre sua organização e seu funcionamento e a importância da representação exercida pelos Vereadores;
XVIII. desenvolver outras iniciativas com vistas a promover o nome da Câmara, através da integração da comunidade com os trabalhos legislativos;
XIX. auxiliar e colaborar na divulgação dos trabalhos do Vereador e do Legislativo;
XX. organizar os registros relativos às audiências, visitas, conferências e reuniões de que deva participar ou em que tenha interesse o Presidente da Câmara;
XXI. apreciar as relações existentes entre a Câmara e o público em geral, propondo medidas para melhorá-las;
XXII. promover a organização de arquivos de recortes de jornais relativos a assuntos de interesse do Poder Legislativo;
XXIII. exercer outras atividades correlatas.
4. Requisitos para provimento:
Instrução – ensino fundamental completo.”
A partir da análise dos dispositivos legais supratranscritos é possível concluir que tais enunciados são verticalmente incompatíveis com nosso ordenamento constitucional, por violação dos arts. 111, 115, II e V, e 144 da Carta Paulista, como será demonstrado a seguir.
3.
DA FUNDAMENTAÇÃO
a.
DA NATUREZA TÉCNICA OU
BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS OCUPANTES DOS CARGOS COMISSIONADOS.
As atribuições do cargo de provimento em comissão de Chefe do Setor de
Logística, assim como de Assessor Parlamentar, têm natureza meramente técnica,
burocrática, operacional e profissional.
A exigência apenas de ensino fundamental completo em ambos
os cargos, e de carteira de habilitação profissional apenas para o cargo de Chefe do Setor de Logística,
são outros aspectos
que lhes conferem natureza de unidade que desempenha atividade subalterna, que,
conjugados com as demais características dos cargos impugnados, reforçam a ideia
de unidades executórias de pouca complexidade, de nível subalterno, sem poder
de mando e comando superior e necessidade do elemento fiduciário para seu
desempenho, o que justificaria o provimento em comissão.
A propósito do nível de escolaridade compatível com cargos de
provimento em comissão, destacam-se os seguintes julgados desse Colendo Órgão
Especial:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE -Legislações do
Município de Álvares Machado que estabelece a organização administrativa, cria,
extingue empregos públicos e dá outras providências - Funções descritas que não
exigem nível superior para seus ocupantes - Cargo de confiança e de comissão
que possuem aspectos conceituais diversos – Afronta aos artigos 111, 115,
incisos II e V, e 144 da Constituição Estadual — Ação procedente. (TJSP,
ADIn 0107464-69.2012.8.26.0000,
Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 12 de dezembro de 2012)
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITÜCIONALIDADE - Legislações do
Município de Tietê, que dispõem sobre a criação de cargos de provimento em
comissão - Funções que não exigem nível superior para seus ocupantes — Cargo de
confiança e de comissão que possuem aspectos conceituais diversos —
Inexigibilidade de curso superior aos ocupantes dos cargos, que afasta a
complexidade das funções - - Afronta aos artigos 111, 115, incisos II e V, e
144 da Constituição Estadual — Ação procedente.” (TJSP, ADIn 0130719-90.2011.8.26.000,
Rel. Des. Antonio Carlos Malheiros, v.u., j. 17 de outubro de 2012)
Em relação ao cargo de Chefe do Setor de Logística,
embora descrita no rol de atribuições previstas para o cargo a função de
programar, supervisionar, dirigir, organizar, trata-se de atividades destinadas a atender necessidades
executórias ou a dar suporte a decisões e execução. Em suma, são atribuições
técnicas, administrativas e burocráticas, distantes dos encargos de comando
superior em que se exige especial confiança e afinamento com as diretrizes
políticas do governo.
No tocante ao cargo de Assessor Parlamentar, entendimento diverso
ao aludido não poderia ser abstraído de seu ato disciplinador. Da simples
leitura do anexo incumbido de reger suas atribuições é visível a natureza
subalterna da função exercida por tal assessor, vide as seguintes tarefas
constantes no texto, de sorte que, por não exigirem qualquer elemento de
confiança para sua consecução, afastam por completo a possibilidade de
provimento por comissão:
“(...)
IV. registrar e controlar as audiências, visitas e reuniões de que deva participar ou tenha interesse o Vereador;
V. acompanhar e informar ao Vereador sobre prazos e providências das proposições em tramitação na Câmara;
VI. incumbir-se da correspondência recebida e expedida pelo parlamentar;
(...)
VIII. recepcionar e atender o público no gabinete do Vereador, prestando orientações e esclarecimentos necessários sobre os assuntos de interesse dos munícipes;
(...)
X. manter-se informado e atualizado sobre os assuntos de interesse geral;
XI. acompanhar o Vereador em visitas e reuniões efetuando as anotações necessárias;
XII. colaborar com os serviços da Câmara Municipal em geral; (...)”.
Na verdade, tanto o cargo de Chefe do Setor de Logística como o de
Assessor Parlamentar são voltados à consecução de atividades técnico
administrativas relacionadas, respectivamente, à frota da Câmara Municipal ou à
mantença das atividades corriqueiras no gabinete de parlamentar, que
evidentemente não reclamam especial confiança para o seu bom desempenho.
Ademais, como já mencionado, a escolaridade exigida para a
admissão em ambos os cargos é apenas a de ensino fundamental, o que afasta a
complexidade da função na consecução dos cargos, haja vista a não exigência de
conhecimentos específicos que possuem as pessoas que ostentam nível superior de
ensino.
Além destes aspectos indicativos de que os cargos impugnados
desempenham funções
subalternas, de pouca complexidade, se exigindo tão somente o dever comum de
lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer servidor, a descrição genérica das atribuições dos
cargos de Chefe do Setor de Logística e de Assessor
Parlamentar evidenciam a natureza
puramente profissional, técnica, burocrática ou operacional, fora dos níveis de
direção, chefia e assessoramento superior.
Dessa
forma, os cargos comissionados anteriormente destacados são incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com
os arts. 111; 115 incisos II e V; e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.
Essa
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição quanto ao provimento no serviço público sem concurso (art. 115,
II, CE).
Embora
o Município seja dotado de autonomia política e administrativa, dentro do
sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal), esta
autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado pela
Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No
exercício de sua autonomia administrativa, o Município cria cargos, empregos e
funções, mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre
outras questões, bem como se estruturando adequadamente.
Todavia,
a possibilidade de que o Município organize seus próprios serviços encontra
balizamento na própria ordem constitucional, sendo necessário que o faça
através de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais
relativas ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, II, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, II, da Constituição do Estado de
São Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade
predominantemente política.
Há
limites implícitos à sua criação, visto que se assim não fosse, estaria, na
prática, aniquilada a exigência constitucional de concurso para acesso ao
serviço público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo
Tribunal Federal, que “a criação de cargo
em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito administrativo
brasileiro, 33. ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos ou funções que, pela
própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de
confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, necessárias a todo e qualquer servidor.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão
necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se
desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não
poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua
confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
Administrativo, 3ª ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que criar cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2. ed., 2. tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São
a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão. A atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.
Pela análise da natureza e atribuições dos cargos impugnados, não se evidenciam elementos que justificam o provimento em comissão.
Escrevendo
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em lição plenamente aplicável
ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites à criação
de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com a permissão
para tal criação, “propiciar ao Chefe de
Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício de certas
funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes
políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é, portanto, qualquer
plexo unitário de competências que reclama seja confiado o seu exercício a esta
ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta confiança da
autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das atribuições a
serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles não apenas o
dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e administrativas a
que servirem, comum a todos os funcionários, como também um comprometimento
político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos agentes políticos,
uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se que a lei declare
de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de chefia, de assessoria
superior, mas não há razão lógica que justifique serem declarados de livre
provimento e exoneração cargos como os de auxiliar administrativo, fiscal de
obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro, procurador, e outros mais,
de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o escorreito exercício de
suas atribuições, em caráter estritamente profissional, técnico, livres de
quaisquer preocupações e considerações de outra natureza” (Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
No
caso em exame, evidencia-se claramente que os cargos de provimento em comissão impugnados destinam-se ao
desempenho de atividades meramente
burocráticas ou técnicas, que não exigem, para seu adequado desempenho, relação
de especial confiança.
É
necessário ressaltar que a posição aqui sustentada encontra esteio em inúmeros
julgados desse E. Tribunal de Justiça (ADI 111.387-0/0-00, j. em 11.05.2005,
rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de 2005, rel.
des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro de 2008,
rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo, j.
16.07.2008, v.u.).
Por
fim, imperioso consignar que o cargo de Assessor Parlamentar, em especial, poderia
eventualmente ser provido via comissão.
Respeitadas
as balizas legais, a Câmara do Município de Franca não encontraria óbice à
instituição de cargo dessa natureza, pois há funções desenvolvidas no seio da
atividade legiferante que exigem especial confiança e
afinamento com as diretrizes políticas do governo, ante sua complexidade
técnica.
Todavia, nos moldes como editado, o aludido cargo revela total desprendimento às regras jurídicas, ante a flagrante natureza ordinária das atividades desempenhadas por tal assessor, de modo a ser patente sua a inconstitucionalidade por ofensa à obrigatoriedade de concurso público para funções deste porte (art. 115, II, CE).
Diante dos argumentos esposados, evidencia-se a ofensa dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491, de 16 de outubro de 2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar” constante no Anexo VI, inserto na Resolução nº 473, de 24 de abril de 2013, editadas pela Câmara Municipal de Franca, em face do art. 115, II e V, da CE, sendo imperiosa a declaração de inconstitucionalidade dos dispositivos supramencionados por este Egrégio Tribunal.
4.
DOS PEDIDOS
a.
Do pedido liminar
À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais, da Câmara
Municipal de Franca, apontados como violadores de princípios e regras da
Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento
desta ação, evitando-se ilegítima investidura no cargo público e a consequente
oneração financeira do erário.
Está claramente demonstrado a ofensa ao princípio da obrigatoriedade de concurso público, haja vista que os cargos em comissão impugnados não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições normativas questionadas, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência posterior da ação direta.
Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocupar tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia dos atos normativos impugnados evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os
pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar
de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de
4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC
493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial, até o final e definitivo julgamento desta ação do art. 4º da Resolução 491/2013 e da expressão Chefe do Setor de Logística constante dos Anexos VI e VIII da Resolução nº 473/2013 da Câmara Municipal de Franca (com a redação que lhes foram dadas pelos art. 6º e 7º da Resolução nº 491/2013), do art. 5º da Resolução 491/2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013.
b. Do pedido principal
Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do art. 4º da Resolução nº 491/2013 da Câmara Municipal de Franca e da expressão Chefe do Setor de Logística dos Anexos VI e VIII da Resolução nº 473/2013 da Câmara Municipal de Franca (com a redação que lhes foram dadas pelos arts. 6º e 7º da Resolução nº 491/2013), bem como do art. 5º da Resolução 491/2013, e da expressão a ela correlata “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013.
Requer-se
ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Franca, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que, aguarda-se deferimento.
São Paulo, 26 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca
Protocolado nº 164.647/2013
Assunto: Inconstitucionalidade dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491 de 16 de outubro de 2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013, ambas da Câmara Municipal de Franca.
1. Distribua-se eletronicamente a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos arts. 4º, 5º, 6º e 7º da Resolução nº 491 de 16 de outubro de 2013, bem como da expressão “Assessor Parlamentar”, constante Anexo VI, da Resolução 473/2013 da Câmara Municipal de Franca.
2. Oficie-se ao representante, informando a propositura da presente ação, com cópia da petição inicial;
São Paulo, 26 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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