Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 187.664/13

 

 

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto, que “Dispõe sobre serviços de táxi no município – utilização de bandeira II, anualmente, durante o mês de dezembro, conforme especifica e dá outras providências.”

2)      Matéria tipicamente administrativa. Iniciativa parlamentar. Invasão da esfera da gestão administrativa, reservada ao Poder Executivo Municipal. Violação ao princípio da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição do Estado).

 

 

 

 

            O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (Protocolado nº 187.664/13), vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto, que “Dispõe sobre serviços de táxi no Município – utilização de bandeira II, anualmente, durante o mês de dezembro, conforme especifica e dá outras providências”, pelos fundamentos a seguir expostos:

1)    ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto, que “Dispõe sobre serviços de táxi no Município – utilização de bandeira II, anualmente, durante o mês de dezembro, conforme especifica e dá outras providências”, resultante de iniciativa parlamentar, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica pela presente lei, autorizado para os veículos devidamente regularizados e com permissão para funcionarem como TÁXIS no Município, a fazerem uso da BANDEIRA II, anualmente, somente durante o mês de dezembro, em regime permanente de 24 horas.

Art. 2º. Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

(...)

A norma, entretanto, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo.

2)    INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL: VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES

O ato normativo ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto no art. 5º, e art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.

A questão é objetiva.

A Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto, fruto de iniciativa parlamentar, autoriza os taxistas a fazerem o uso da bandeira II, anualmente, durante o mês de dezembro, em regime permanente de 24 horas.

Em que pese a boa intenção que certamente animou o Vereador autor do projeto de lei que se converteu no diploma ora questionado, é certo que fixar preço de um serviço controlado pela Administração Pública é matéria a cargo do Poder Executivo.

Com efeito, os táxis, por ser um serviço prestado ao público, concedido por meio de autorização, se sujeita ao controle da Administração Pública, tendo em vista sua relevância.

Para Hely Lopes Meirelles, os serviços de táxi são serviços autorizados, ou seja, aqueles que o Poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses coletivos instáveis ou emergência transitória (Direito Administrativo Brasileiro. 33ª ed. at., Malheiros, 2007, p. 407).

Na mesma página discorre ainda o referido autor que:

“(...)

A remuneração de tais serviços é tarifada pela Administração, como os demais de prestação ao público, dentro da mensurabilidade dos serviços oferecidos aos usuários.

(...)”

Desta forma, não resta qualquer dúvida de que a definição da fixação de preço pela utilização de um serviço controlado pela Administração Pública é matéria que se insere no âmbito da gestão administrativa, sendo manifestamente estranha à atividade parlamentar.

Assim, quando o Poder Legislativo do Município edita lei fixando preço pelo uso de um serviço prestado ao público e controlado pela Administração Pública devido sua relevância, essa atuação do legislador invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

E mais: ainda que fosse o ato normativo oriundo de iniciativa do Chefe do Executivo seria inconstitucional.

A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º, da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Nem se chegaria a conclusão diversa a partir da afirmação de que a lei ora questionada é simples “lei autorizativa”, da qual não resta nenhuma imposição para o administrador público.

Em trabalho, publicado na Revista do Instituto de Pesquisas e Estudos da Instituição Toledo de Ensino (Bauru, n. 29, ago/nov. 2000, pp. 259-267), disponível também na internet (Endereço eletrônico: www.srbarros.com.br), sustenta o Professor Sérgio Resende de Barros:

“(...)

Em 17 de março de 1982 – ainda sob a Constituição (Emenda Constitucional nº 1/69) anterior à atual – o plenário do Supremo Tribunal Federal julgou representação (nº 993-9) por inconstitucionalidade de uma lei estadual (Lei nº 174, de 8/12/77, do Estado do Rio de Janeiro) que autorizava o Chefe do Poder Executivo a praticar ato que já era de sua competência constitucional privativa. Nesse julgamento, decidiu, textualmente: O só fato de ser autorizativa a lei não modifica o juízo de sua invalidade por falta de legítima iniciativa. Não obstante a clareza do acórdão (Diário da Justiça de 8/10/82, p. 10187, Ementário nº 1.270-1, RTJ 104/46), persistiu por toda a Federação brasileira, nos níveis estadual e municipal, a prática de "leis" autorizativas (...).

 Insistente na prática legislativa brasileira, a "lei" autorizativa constitui um expediente, usado por parlamentares, para granjear o crédito político pela realização de obras ou serviços em campos materiais nos quais não têm iniciativa das leis, em geral matérias administrativas. Mediante esse tipo de "leis" passam eles, de autores do projeto de lei, a co-autores da obra ou serviço autorizado. Os constituintes consideraram tais obras e serviços como estranhos aos legisladores e, por isso, os subtraíram da iniciativa parlamentar das leis. Para compensar essa perda, realmente exagerada, surgiu "lei" autorizativa, praticada cada vez mais exageradamente. Autorizativa é a "lei" que – por não poder determinar – limita-se a autorizar o Poder Executivo a executar atos que já lhe estão autorizados pela Constituição, pois estão dentro da competência constitucional desse Poder. O texto da "lei" começa por uma expressão que se tornou padrão: "Fica o Poder Executivo autorizado a...". O objeto da autorização – por já ser de competência constitucional do Executivo – não poderia ser "determinado", mas é apenas "autorizado" pelo Legislativo. Tais "leis", óbvio, são sempre de iniciativa parlamentar, pois jamais teria cabimento o Executivo se autorizar a si próprio, muito menos onde já o autoriza a própria Constituição. Elas constituem um vício patente.

 (...)

 Pelo que, se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei é inconstitucional. Não é só inócua ou rebarbativa. É inconstitucional, porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir, ferindo a Constituição por ele estatuída. O fato de ser mera autorização não elide o efeito de dispor, ainda que de forma não determinativa, sobre matéria de iniciativa alheia aos parlamentares. Vale dizer, a natureza teleológica da lei – o fim: seja determinar, seja autorizar – não inibe o vício de iniciativa. A inocuidade da lei não lhe retira a inconstitucionalidade. A iniciativa da lei, mesmo sendo só para autorizar, invade competência constitucional privativa.

 (...)

A jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo corrobora o entendimento aqui sustentado.

Confiram-se, a título de exemplificação, os seguintes precedentes do Col. Órgão Especial: ADI. 0323870-55.2010.8.26.0000, Rel. Barreto Fonseca, j. 3.2.2011; ADI 150.400-0/6-00, Rel. Renato Nalini, j. 12.12.2007.

3)    PEDIDO DE LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia da lei impugnada.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, a inconstitucionalidade da norma.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia do preceito legal questionado, subsistirá a sua aplicação, com a possível realização de despesas por parte dos consumidores que dificilmente serão revertidas àqueles, na hipótese provável de procedência da ação direta.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto.

4)    CONCLUSÃO E PEDIDO

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Ribeirão Preto, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

São Paulo, 27 de maio de 2014.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 187.664/13

Interessado: Dr. Carlos Cezar Barbosa, 2º Promotor de Justiça da Comarca de Ribeirão Preto

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto.

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Municipal nº 13.163, de 21 de novembro de 2013, de Ribeirão Preto, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

São Paulo, 27 de maio de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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