Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 117.093/13
Ementa: Constitucional. Previdenciário. Ação Direta Inconstitucionalidade. Art. 197, § único, do Anexo VII, da Lei Complementar nº 02/2005, de 29 de dezembro de 2005, do Município de Cafelândia. Direito à complementação dos proventos de aposentadoria e de pensão aos servidores públicos municipais inativos e pensionistas. Ausência de fonte de custeio. Violação aos princípios do interesse público e da razoabilidade. 1. Incompatíveis com o art. 218 da Constituição Estadual, que determina a observância dos princípios da seguridade social previstos nos arts. 194 e 195 da Constituição Federal [dentre eles, os de que a seguridade social deve ser custeada por contribuições dos trabalhadores e de que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total (art. 195, II, § 5º)], os direitos à complementação de proventos de aposentadoria e de pensão aos servidores municipais inativos e pensionistas, integrantes do regime geral de previdência social. 2. Inexistência de interesse público e de razoabilidade, violadora dos arts. 111 e 128 da Constituição Estadual, na complementação de proventos de aposentadoria e de pensões de servidores públicos e dependentes, integrantes do regime geral de previdência social, medida que lhes outorga integralidade remuneratória recusada na inatividade.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face do parágrafo único do art. 197, constante o Anexo VII da Lei Complementar
n. 02/2005, de 29 de dezembro de 2005, do Município de Cafelândia, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
1. Em 29 de dezembro de 2005 foi editada a Lei Complementar
nº 02, do Município de Cafelândia, cujo art. 71 tem a seguinte redação:
“Artigo 71 - Fica fazendo parte integrante desta lei complementar, o Regimento do Funcionário Público Civil da Prefeitura Municipal de Cafelândia, conforme consta do Anexo VII.”
2. O
referido dispositivo aduz no plano legislativo municipal o Anexo VII, por meio
do qual fica instituído no ente o Regimento do Funcionalismo Público Civil.
3. Dentre
outros assuntos trazido a lume pelo referido anexo, destaca-se à presente o art.
197, parágrafo único, assegurando aos aposentados e pensionistas do serviço
público direito à complementação de seus vencimentos, conforme se observa da
leitura de seu enunciado:
“Artigo 197 - Para fins de percepção dos benefícios previstos na legislação, obrigatoriamente são contribuintes da Previdência Social os funcionários regidos por este REGIMENTO. Ressalvados os ocupantes de cargo em comissão, que como contribuintes da Previdência Social, têm o direito estabelecido na Lei da Consolidação do Trabalho, ficando desta forma com direitos e deveres contidos na CLT.
Parágrafo único – Fica assegurado aos aposentados e pensionistas do Poder Público Municipal, a complementação dos seus vencimentos, calculados pela diferença existente entre o valor pago mensalmente pelo INSS e o valor atribuído ao seu respectivo padrão, no quadro de vencimentos dos funcionários.”
4. Anteriormente
a matéria era disciplinada no art. 20 da Lei n. 2050/92, de 28 de maio de 1992,
tendo sido revogada pela referida Lei Complementar, que regia a questão nos
seguintes termos:
“Artigo 20 - Os inativos desta Prefeitura Municipal, enquadrados no quadro de vencimentos constantes do artigo 9º desta Lei, terão seus vencimentos complementados entre o valor pago mensalmente pelo INSS (INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL), ou outro que venha substituir, e o valor atribuído ao seu respectivo padrão, no quadro de vencimentos acima.”
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
5. A norma impugnada contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
6. Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
7. As
regras jurídicas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da
Constituição Estadual:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 128 – As vantagens de qualquer natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao interesse público e às exigências do serviço.
(...)
Artigo 218 – O Estado garantirá, em seu território, o planejamento e desenvolvimento de ações que viabilizem, no âmbito de sua competência, os princípios de seguridade social previstos nos artigos 194 e 195 da Constituição Federal”.
8. Essa última é norma remissiva que incorpora à
Constituição Estadual os princípios da seguridade social contidos na
Constituição Federal, em especial o caput,
o inciso II e o § 5º do art. 195 desta:
“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
(...)
II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;
(...)
§ 5º. Nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio social”.
9. A norma local
impugnada outorga a complementação de benefícios previdenciários mercê da
inexistência de fonte de custeio, pois, ela é paga exclusiva e integralmente
por recursos oriundos do erário.
10. Se os servidores beneficiários não
gozam de direito à integralidade ou paridade de seus proventos com a
remuneração do pessoal ativo, assim como os pensionistas, falece interesse
público e razoabilidade na instituição da complementação desses benefícios
previdenciários.
11. Agrava-se a situação a compreensão
da natureza do vínculo dos beneficiários da lei (servidores públicos municipais
e seus pensionistas). Sendo celetistas, ex
vi do disposto no § único, art. 1º do Anexo VII, inserido no ordenamento
municipal por força da Lei Complementar nº 02/2005, assim como da leitura de
manifestações carreadas pela municipalidade no incluso protocolado (fl. 89), e
ante sua sujeição ao regime geral de previdência social que não tolera complementação
de proventos e pensões à custa do erário, nem integralidade ou paridade, resta
evidente a ausência de interesse público e razoabilidade na sua instituição,
não podendo tal situação se perpetuar no município.
12. O colendo Órgão Especial do E.
Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo já pronunciou, reiteradas vezes, a
inconstitucionalidade de leis municipais similares (ADI 164.947-0/9-00, Rel.
Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 12-11-2008; ADI 158.764-0/4-00, Rel. Des. A.
C. Mathias Coltro, v.u., 16-07-2008; ADI 150.585-0/9-00, Rel. Des. Luiz
Tâmbara, v.u., 26-08-2009; ADI 154.602-0/7, Rel. Des. Sousa Lima, m.v.,
10-09-2008).
13. Neste sentido, a instituição de
complementação de aposentadoria é inconstitucional em virtude de sua incompatibilidade
com o art. 195, § 5º, da Constituição Federal de 1988, que exige a prévia
existência de fonte de custeio para criação, majoração ou extensão de benefício
da seguridade social, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
“A exigência inscrita no art. 195, § 5º, da Carta Política traduz comando que tem, por destinatário exclusivo, o próprio legislador ordinário, no que se refere a criação, majoração ou extensão de outros benefícios ou serviços da seguridade social” (STF, AI 151.106-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 26-11-1993).
III – Pedido
liminar
13. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de
princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se lesão irreparável ou de
difícil reparação que incide sobre o erário.
14. Ademais, resta claramente demonstrado que a complementação de benefícios
previdenciários pelo Município de Cafelândia atenta aos preceitos das
Constituições Federal e Estadual, posto que a ausência de indicação da
respectiva fonte de custeio para tal desiderato não pode ser ignorada pelo
legislador infraconstitucional.
15. No caso em apreço, o perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que,
sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa
questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que,
dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável
de procedência da ação direta.
16. Basta
lembrar que as complementações feitas pela municipalidade sobre os pagamentos
realizados aos aposentados e pensionistas não serão revertidas ao erário, pela
argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da
prestação, de sorte que com
a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer
o status quo ante.
17. Assim,
a imediata suspensão da eficácia dos diplomas normativos impugnados evitará a
ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
18. De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida.
19. Com
efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares
para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante,
que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal,
preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf.
ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello;
ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92,
p. 16.182).
20. À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para
suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do
parágrafo único do art. 197, constante no Anexo VII da Lei Complementar nº 02,
de 29 de dezembro de 2005, do Município de Cafelândia.
IV – Pedido
21. Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 197, constante no Anexo VII da
Lei Complementar nº 02, de 29 de dezembro de 2005, do Município de Cafelândia.
22. Requer ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Cafelândia, bem como
posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o
ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São
Paulo, 03 de junho de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado nº 117.093/13
Interessado: Promotoria
de Justiça de Cafelândia
Assunto: inconstitucionalidade do parágrafo único do art.
197, constante no Anexo VII da Lei Complementar nº 02, de 29 de dezembro de
2005, do Município de Cafelândia.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do parágrafo único do art. 197, constante o Anexo VII da Lei Complementar nº 02, de 29 de dezembro de 2005, do Município de Cafelândia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 03 de junho de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj