EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 139.114/2012
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Inconstitucionalidade de atos normativos que criaram os cargos de provimento em comissão na estrutura administrativa do Município de Presidente Bernardes. Falta de descrição das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Motorista de Gabinete, Assistente de Diretor de Escola, Assessor de Imprensa, Diretor de Escola, Tesoureiro, Diretor Executivo Esporte e Recreação, Orientador Educacional, Supervisor Educacional, Assessor Jurídico, Assistente Técnico de Administração e Planejamento, Chefe de Gabinete, Diretor de Divisão de Administração e Planejamento, Diretor de Divisão Agropecuária, Diretor de Divisão de Educação Cultura e Recreação, Diretor de Divisão de Finanças, Diretor de Divisão de Obras e Serviços Públicos, Diretor de Divisão de Saúde e Assistência Social (art. 7º da Lei Complementar 03/91 – fls. 19/59), Presidente da Comissão Municipal de Esportes e Cultura COMEC (Lei Complementar nº 15/96 – fls. 163), Assessor Jurídico (Lei Complementar nº 16/97 – fls. 154/155), Assistente Técnico de Administração e Planejamento Educacional, Coordenador Pedagógico de Ensino Médio, Coordenador Pedagógico de Ensino Fundamental, Coordenador Pedagógico de Ensino Infantil, Coordenador de Transporte Escolar (Lei Complementar 20/97 – fls. 152), Assessor Técnico de Comunicações, Assessor Técnico de Informática, Diretor de Edição, Diretor de Comunicações, Diretor de Informática (Lei Complementar nº 23/97 – fls. 148/151), Assistente de Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico, Assessor de Administração Educacional, Assessor de Planejamento Educacional (Lei Complementar 26/98 – fls. 140/141), Diretor Operacional da Divisão de Obras e Serviços Municipais (Lei Complementar nº 28/99 – fls. 167), Secretária de Biblioteca, Secretária Administrativa de Educação, Coordenador de Serviços de Meio Ambiente (Lei Complementar 55/05 – fls. 169/170), Coordenador de Departamento de Projeto, Controle Fiscalização e Desenvolvimento Ambiental, Coordenador de Departamento de Educação Ambiental, Coordenador de Departamento de Saneamento (Lei Complementar 96/09 – fls. 218) e Diretor de Compras da Divisão de Administração e Planejamento (Lei Complementar nº 106/10 e Lei Complementar nº 108/2010 – fls. 244/245). O núcleo das competências, os poderes, os deveres, os direitos, o modo da investidura e as condições do exercício das atividades do cargo público devem estar descritos na lei. Violação do princípio da reserva legal e dos arts. 111, 115, II e V, da Constituição Estadual.
2) CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO DIRETA INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 7º DA LEI COMPLEMENTAR 03/91 E ARTS. 3º E 6º DA LEI COMPLEMENTAR N. 16, DE 29 DE JANEIRO DE 1997, DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE BERNARDES. CRIAÇÃO DE CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO. ADVOCACIA PÚBLICA. É Inconstitucional a criação de cargo de provimento em comissão para atribuições inerentes à advocacia pública, cujo provimento deve ser efetivo mediante aprovação em concurso público (art. 98, 115, II e V, CE/89).
3) AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE. ARTS. 51, 53 e 80 DA LEI COMPLEMENTAR 03/91, DO MUNICÍPIO DE PRESIDENTE BERNARDES. VANTAGENS PECUNIÁRIAS FIXADAS EM PERCENTUAIS VARIÁVEIS DOS VENCIMENTOS A CRITÉRIO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA SEPARAÇÃO DE PODERES, DA LEGALIDADE, DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE, ARTS. 5º, 24, § 2º, 1, 111, 115, XI, E 144 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE SÃO PAULO. A possibilidade de escolha aleatória, subjetiva, pessoal e diferenciada dos percentuais de adicional e gratificações a servidores públicos agride os princípios da impessoalidade e da moralidade. A exigência de legalidade na fixação dos vencimentos dos servidores públicos abrange as vantagens pecuniárias. Inadmissibilidade de renúncia, pelo Poder Legislativo, de sua competência exclusiva para fixação do valor do adicional e das gratificações, de maneira impessoal, objetiva, abstrata e genérica, mesmo em face da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo”.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art.
116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993,
e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV,
da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90,
inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 139.114/2012, que segue anexo), vem
perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts.
7º, 51, 53 e 80, da Lei Complementar nº 03/91 (fls. 19/59), da Lei Complementar nº 15/96 (fls. 163), dos artigos
3º e 6º da Lei Complementar nº 16/97 (fls. 154/155), da Lei Complementar nº
20/97 (fls. 152), do artigo 4º da Lei
Complementar nº 23/97 (fls. 148/151), dos artigos 2º e 3º da Lei Complementar
nº 26/98 (fls. 140/141), da Lei Complementar nº 28/99 (fls. 167), da Lei
Complementar nº 55/05 (fls. 169/170), da Lei Complementar nº 96/09 (fls. 218),
da Lei Complementar nº 106/2010 (fls. 244), da Lei Complementar nº 108/2010
(fls. 245), do Município de Presidente Bernardes, pelos fundamentos expostos a
seguir:
1. DA INEXISTÊNCIA DE DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO CRIADOS PELOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS.
O protocolado que instrui
esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade - a cujas folhas
reportar-se-á - foi instaurado a partir de representação encaminhada pelo Ministério
Público de Contas do Estado de São Paulo (fls. 2/08), na qual foi
indicada a necessidade de análise da possível inconstitucionalidade de diversas
leis locais, criadoras de diversos cargos em comissão na estrutura
administrativa do Município de Presidente Bernardes, sem a necessária e
imprescindível descrição de suas atribuições.
O
quadro abaixo associa os cargos de provimento em comissão com as respectivas leis
municipais que os criaram:
Prefeitura Municipal de Presidente
Bernardes |
|
Cargo |
Criação |
Motorista de Gabinete |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Assistente de Diretor de Escola |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Assessor de Imprensa |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Diretor de Escola |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Tesoureiro |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Diretor Executivo de Esporte e
Recreação |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Orientador Educacional |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Supervisor Educacional |
art. 7º da Lei Complementar nº 03/91 |
Assessor Jurídico |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Assistente Técnico de Administração e
Planejamento |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Diretor de Divisão de Administração e
Planejamento |
art. 7º da Lei Complementar
nº 03/91 |
Diretor de Divisão Agropecuária |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Diretor de Divisão de Educação Cultura
e Recreação |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Diretor de Divisão de Finanças |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Diretor de Divisão de Obras e Serviços
Públicos |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Diretor de Divisão de Saúde e
Assistência Social |
art. 7º da Lei
Complementar nº 03/91 |
Presidente da Comissão Municipal de
Esportes e Cultura – COMEC |
Lei Complementar nº
15/96 |
Assessor Jurídico |
arts. 3º e 6º da Lei
Complementar nº 16/97 |
Assistente Técnico de
Administração e Planejamento Educacional |
Lei
Complementar nº 20/97 |
Chefe de Gabinete |
Lei
Complementar nº 20/97 |
Coordenador Pedagógico de
Ensino Médio |
Lei
Complementar nº 20/97 |
Coordenador Pedagógico de Ensino
Fundamental |
Lei
Complementar nº 20/97 |
Coordenador Pedagógico de Ensino
Infantil |
Lei
Complementar nº 20/97 |
Coordenador de Transporte Escolar |
Lei
Complementar nº 20/97 |
Assessor Técnico de Comunicações |
art. 4º da Lei
Complementar nº 23/97 |
Assessor Técnico de Informática |
art. 4º da Lei
Complementar nº 23/97 |
Diretor de Edição |
art. 4º da Lei
Complementar nº 23/97 |
Diretor de Comunicações |
art. 4º da Lei
Complementar nº 23/97 |
Diretor de Informática |
art. 4º da Lei Complementar
nº 23/97 |
Assistente de Diretor de Escola |
arts. 2º e 3º da Lei
Complementar nº 26/98 |
Coordenador Pedagógico |
arts. 2º e 3º da Lei
Complementar nº 26/98 |
Assessor de Administração Educacional |
arts. 2º e 3º da Lei
Complementar nº 26/98 |
Assessor de Planejamento
Educacional |
arts. 2º e 3º da Lei
Complementar nº 26/98 |
Diretor Operacional da
Divisão de Obras e Serviços Municipais |
Lei
Complementar nº 28/99 |
Secretária de Biblioteca |
Lei Complementar nº
55/05 |
Secretária Administrativa de Educação |
Lei Complementar nº
55/05 |
Coordenador de Serviços de
Meio Ambiente |
Lei Complementar nº
55/05 |
Coordenador de Departamento de Projeto
Controle Fiscalização e Desenvolvimento Ambiental |
Lei Complementar nº
96/09 |
Coordenador de Departamento de
Educação Ambiental |
Lei Complementar nº
96/99 |
Coordenador de Departamento de
Saneamento |
Lei Complementar nº
96/99 |
Diretor de Compras da Divisão de
Administração de Planejamento |
Lei Complementar nº 106/2010 e Lei Complementar 108/2010 |
Nenhuma das leis acima mencionadas traz a descrição, ainda que superficial, do núcleo de competência e das atribuições dos respectivos cargos de provimento em comissão que criaram.
Bem por isso, declarou o Diretor da Divisão de Administração e Planejamento de Presidente Bernardes:
“Declaro para os devidos fins que as leis ordinárias e complementares que criaram os cargos em comissão desta Municipalidade não mencionam as atribuições e atividades inerentes aos referidos cargos” (fls. 09).
Ora, seja porque a nomenclatura da maioria dos cargos constantes da tabela não retrata atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, a ser preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, seja porque nenhuma das leis que os criaram traz a descrição das respectivas atribuições, não permitindo, destarte, verificar se a natureza do cargo justifica o provimento em comissão, forçoso reconhecer que são inconstitucionais os atos normativos que forjaram os cargos constantes da tabela acima.
Por
outras palavras, os cargos comissionados destacados são incompatíveis com a
ordem constitucional vigente, em especial com
o art. 115 incisos I, II e V, e art. 144, da Constituição do Estado de São
Paulo.
Essa
incompatibilidade decorre da inadequação ao perfil e limites impostos pela
Constituição quanto ao ingresso no serviço público sem concurso.
Com
efeito, embora o município seja dotado de autonomia política e administrativa,
dentro do sistema federativo (cf. art. 1º e art. 18 da Constituição Federal),
esta autonomia não tem caráter absoluto, pois se limita ao âmbito pré-fixado
pela Constituição Federal (cf. José Afonso da Silva, Direito constitucional positivo, 13. Ed., São Paulo, Malheiros,
1997, p. 459).
A
autonomia municipal deve ser exercida com a observância dos princípios contidos
na Constituição Federal e na Constituição Estadual (cf. Luiz Alberto David
Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, Curso
de direito constitucional, 9ª ed., São Paulo, Saraiva, 2005, p. 285).
No exercício
de sua autonomia administrativa, o município cria cargos, empregos e funções,
mediante atos normativos, instituindo carreiras, vencimentos, entre outras
questões, de modo a se estruturar adequadamente.
Não
obstante isso, a possibilidade de o município organizar seus próprios serviços
encontra balizamento na ordem constitucional, sendo necessário que o faça por
meio de lei, respeitando normas constitucionais federais e estaduais relativas
ao regime jurídico do serviço público.
A
regra, no âmbito de todos os Poderes Públicos, deve ser o preenchimento dos postos
através de concurso público de provas ou de provas e títulos, pois assim se
garante a acessibilidade geral (prevista inclusive no art. 37, I, da
Constituição Federal; bem como no art. 115, I, da Constituição do Estado de São
Paulo). Essa deve ser a forma de preenchimento dos cargos e empregos de
natureza técnica ou burocrática.
A
criação de cargos de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração,
deve ser limitada aos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o governante e o servidor, para
que adequadamente sejam desempenhadas funções inerentes à atividade predominantemente
política.
Há
implícitos limites à sua criação, visto que assim não fosse, estaria aniquilada
na prática a exigência constitucional de concurso para acesso ao serviço
público.
A
propósito, anota Hely Lopes Meirelles, amparado em precedente do E. Supremo Tribunal
Federal, que “a criação de cargo em
comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes do nosso
ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável
esvaziamento da exigência constitucional do concurso (STF, Pleno,
Repr.1.282-4-SP)” (Direito
administrativo brasileiro, 33. Ed., São Paulo, Malheiros, 2007, p. 440).
Podem
ser de livre nomeação e exoneração apenas aqueles cargos ou empregos que, pela
própria natureza das atividades desempenhadas, exijam excepcional relação de
confiança e lealdade, isto é, verdadeiro comprometimento
político e fidelidade com relação às diretrizes estabelecidas pelos agentes
políticos, que vão bem além do dever comum de lealdade às instituições
públicas, exigível de todo e qualquer servidor.
É
esse o fundamento da argumentação no sentido de que “os cargos em comissão são próprios para a direção, comando ou chefia de
certos órgãos, onde se necessita de um agente que sobre ser de confiança da
autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-a a promover
a direção superior da Administração. Por essas razões percebe-se quão
necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode se
desfazer desse poder de dispor dos titulares de tais cargos, sob pena de não
poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar de sua
confiança” (cf. Diógenes Gasparini, Direito
administrativo, 3. Ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208).
Daí
a afirmação de que “é inconstitucional a
lei que cria cargo em comissão para o exercício de funções técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e
assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu Dallari, Regime constitucional dos servidores
públicos, 2ª ed., 2. Tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41, g.n.).
São
a natureza do cargo e as funções a ele cometidas pela lei que estabelecem o
imprescindível “vínculo de confiança” (cf.
Alexandre de Moraes, Direito
constitucional administrativo, São Paulo, Atlas, 2002, p. 158), que
justifica a dispensa do concurso. Daí o entendimento de que tais cargos devam
ser destinados “apenas às atribuições de
direção, chefia e assessoramento” (cf. Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. Ed., São Paulo, RT, p. 317).
Essa também é a posição do E. Supremo Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J. 10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169).
Não é qualquer unidade de chefia, assessoramento ou direção que autoriza o provimento em comissão, a atribuição do cargo deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.
No caso em apreço, impossível a análise da natureza e das atribuições dos cargos em razão da inexistência de descrição. Registre-se, ainda, que as nomenclaturas da maioria dos cargos não apontam para os elementos que justificam o provimento em comissão.
Prelecionando
na vigência da ordem constitucional anterior, mas em magistério plenamente
aplicável ao caso em exame, anotava Márcio Cammarosano a existência de limites
à criação de postos comissionados pelo legislador. A Constituição objetiva, com
a permissão para tal criação, “propiciar
ao Chefe de Governo o seu real controle mediante o concurso, para o exercício
de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as
diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental. Não é,
portanto, qualquer plexo unitário de competências que reclama seja confiado o
seu exercício a esta ou aquela pessoa, a dedo escolhida, merecedora da absoluta
confiança da autoridade superior, mas apenas aquelas que, dada a natureza das
atribuições a serem exercidas pelos seus titulares, justificam exigir-se deles
não apenas o dever elementar de lealdade às instituições constitucionais e
administrativas a que servirem, comum a todos os funcionários, como também um
comprometimento político, uma fidelidade às diretrizes estabelecidas pelos
agentes políticos, uma lealdade pessoal à autoridade superior (...). Admite-se
que a lei declare de livre provimento e exoneração cargos de diretoria, de
chefia, de assessoria superior, mas não há razão lógica que justifique serem
declarados de livre provimento e exoneração cargos como os de auxiliar
administrativo, fiscal de obras, enfermeiro, médico, desenhista, engenheiro,
procurador, e outros mais, de cujos titulares nada mais se pode exigir senão o
escorreito exercício de suas atribuições, em caráter estritamente profissional,
técnico, livres de quaisquer preocupações e considerações de outra natureza”
(Provimento de cargos públicos no direito
brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96).
Observa-se que os cargos mencionados não refletem a
imprescindibilidade do elemento fiduciário em concurso às atribuições de
assessoramento, chefia e direção em nível superior.
Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos
previstos na lei local a exigir o controle de execução das diretrizes políticas
do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a
orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivas aos princípios de moralidade,
eficiência e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os
incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.
Concorre neste quadro a falta de definição, indicação,
precisão ou descrição das atribuições desses cargos, o que igualmente vulnera
os preceitos constitucionais citados e inclusive o princípio da legalidade ou
reserva legal.
Com efeito, o princípio da legalidade impõe lei em
sentido formal para disciplina das atribuições de qualquer função pública lato
sensu (cargo ou emprego públicos). Embora distintos seus regimes jurídicos,
cargo e emprego significam o lugar e o conjunto de atribuições e
responsabilidades determinadas na estrutura organizacional, com denominação
própria, criado por lei, sujeito à remuneração e à subordinação hierárquica,
provido por uma pessoa, na forma da lei, para o exercício de uma específica
função permanente conferida a um servidor. Ponto elementar relacionado à
criação de cargos ou empregos públicos é a necessidade de a lei específica – no
sentido de reserva legal ou de lei em sentido formal, ou, ainda, de princípio
da legalidade absoluta ou restrita, como ato normativo produzido no Poder
Legislativo mediante o competente e respectivo processo - descrever as
correlatas atribuições. A criação do cargo público impõe a fixação de suas
atribuições porque todo cargo pressupõe função previamente definida em lei
(Maria Sylvia Zanella Di Pietro. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas,
2006, p. 507; Odete Medauar. Direito Administrativo Moderno, São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1998, p. 287; Marçal Justen Filho. Curso de Direito
Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
Neste sentido, é ponto luminoso na criação de cargos
ou empregos públicos a necessidade de a lei específica descrever as correlatas
atribuições, consoante expõe lúcida doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
É a partir da descrição precisa das atribuições do
cargo público que se analisa, a bem do funcionamento administrativo e dos
direitos dos administrados, a completa licitude do exercício de suas funções
pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente
público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial,
aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraia à
aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser
guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.
Nem se alegue, por oportuno, que ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição).
Com maior razão a exigência de reserva legal em se
tratando de cargos ou empregos de provimento em comissão, porquanto serve para
mensuração da perfeita subsunção da hipótese normativa concreta ao comando
constitucional excepcional que restringe o comissionamento às funções de
assessoramento, chefia e direção. Portanto, somente se a lei contiver a
descrição de atribuições desse jaez será legítima e não abusiva nem artificial
sua criação e sua forma de provimento. Quanto aos cargos de provimento efetivo
a exigência da reserva legal descritiva de suas atribuições também é impositiva
na medida em que contribui para o bom funcionamento administrativo e o respeito
aos direitos dos administrados ao delimitar as competências de cada cargo na
organização municipal.
Sobre o tema esse Colendo Órgão Especial já se
pronunciou, conforme se verifica na seguinte ementa:
“Ação direta de inconstitucionalidade – LCM N. 113/07do Município de Peruíbe que alterando o quadro geral dos servidores municipais de que trata o art. 210 da Lei n° 1.330/90 e suas modificações posteriores criou os cargos de provimento em comissão de assessor de setor, chefe de setor, assessor de serviço, chefe de serviço, assessor de comunicação, coordenador geral, diretor de divisão, diretor de trânsito, assessor de departamento, diretor musical, diretor de departamento e procurador geral, constantes de seu anexo II, sem, todavia, lhes descrever as atribuições. Violação do princípio da reserva legal.” (ADIN Rel. Des. Alves Bevilacqua, j. 22.08.2012).
2.
DOS CARGOS DE PROVIMENTO EM
COMISSÃO COM ATRIBUIÇÕES INERENTES À ADVOGACIA PÚBLICA
Não bastasse a ausência de descrição das atribuições dos
cargos de assessor jurídico, o artigo 7º da Lei Complementar nº 03/91, bem como os artigos 3º e 6º da Lei
Complementar nº 16, de 29 de janeiro de 1997 ainda contrariam a Constituição do
Estado de São Paulo em outro aspecto.
Com efeito, os preceitos da Constituição Federal e da
Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do disposto no
artigo 144 da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa,
administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
As normas contestadas são incompatíveis com os
seguintes preceitos da Constituição Estadual:
“Artigo 98 - A Procuradoria Geral do Estado é instituição de natureza
permanente, essencial à administração da justiça e à Administração Pública
Estadual, vinculada diretamente ao Governador, responsável pela advocacia do
Estado, sendo orientada pelos princípios da legalidade e da indisponibilidade
do interesse público.
§ 1º - Lei orgânica da Procuradoria Geral do Estado disciplinará sua
competência e a dos órgãos que a compõem e disporá sobre o regime jurídico dos
integrantes da carreira de Procurador do Estado, respeitado o disposto nos
arts. 132 e 135 da Constituição Federal.
§ 2º - Os Procuradores do Estado, organizados em carreira, na qual o
ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação
da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a
representação judicial e a consultoria jurídica na forma do ‘caput’ deste
artigo.
§ 3º - Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade
após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante
os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias.”
“Artigo 99 - São funções institucionais da Procuradoria Geral do Estado:
I - representar judicial e extrajudicialmente o Estado e suas autarquias,
inclusive as de regime especial, exceto as universidades públicas estaduais;
II - exercer as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do
Poder Executivo e das entidades autárquicas a que se refere o inciso anterior;”
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de
qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação,
interesse público e eficiência.”
“Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou
indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação
prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as
nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e
exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores
ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por
servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em
lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Atividades inerentes à advocacia pública como
assessoramento, consultoria e representação jurídica de entidades ou órgãos
públicos são atribuições de natureza profissional e técnica, exclusivamente
reservadas a profissionais investidos em cargos de provimento efetivo da
respectiva carreira mediante aprovação prévia em concurso público, como revela
a remissão ao art. 132 da Constituição Federal contida no § 1º do art. 99 da
Constituição Estadual. Cediça jurisprudência assim pronuncia:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO
DO ESPÍRITO SANTO (ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) -
ASSESSOR JURÍDICO - CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO
CARGO DE PROCURADOR DO ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS -
PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das
atividades de assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual
traduz prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do
Estado pela Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou
uma inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos
membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de
investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-1993, m.v., DJ 25-04-1997, p. 15.197).
“CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10 DE MARÇO DE
2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO. PRELIMINAR
DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE PROVIMENTO
EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA.
INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
Portanto, é incompatível com a Constituição Estadual o
provimento comissionado em cargo com atribuição inerente à da advocacia
pública.
3. DAS VANTAGENS PECUNIÁRIAS EM PERCENTUAIS VARIÁVEIS DOS
VENCIMENTOS, FIXADOS A CRITÉRIO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO, PREVISTOS NOS
ARTIGOS 51, § 5º, 53, E 80, § 1º, TODOS DA LEI COMPLEMENTAR 03/91
O Ministério Público de Contas também aponta, em sua
representação, inconstitucionalidade de dispositivos legais que autorizam a
fixação dos valores de adicional e de gratificações em percentuais variáveis do
vencimento do servidor, a critério exclusivo do Chefe do Poder Executivo
Municipal.
Dispõem
os artigos 51, 53 e 80, da Lei Complementar nº 03, de 18 de setembro de 1991,
do Município de Presidente Bernardes:
“ARTIGO 51 - Além dos adicionais e
das gratificações previstas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, poderão
ser concedidas gratificações pela execução de trabalhos ou serviços sendo:
I – trabalhos técnicos ou científicos
fora das atribuições normais do emprego;
II – serviço de natureza especial não
constante nas atribuições do emprego que exerce;
(...)
Parágrafo 5º - A gratificação será
fixada na data da designação e poderá
equivaler a até sessenta e cinco (65) por cento da parte fixa correspondente a
seus vencimentos” (destacamos).
“ARTIGO 53 – Poderá ser atribuída
gratificação pelo exercício das funções de Direção ou de Chefia, a critério do
Chefe do Executivo, no percentual
máximo de sessenta e cinco (65) por cento da parte fixa correspondente a seus
vencimentos” (nosso destaque).
“ARTIGO 80 - A critério do Chefe do Executivo poderá ser
concedido a título de produção e produtividade adicional a remuneração dos
Servidores Municipais.
(...)
Parágrafo 1º - O adicional aludido no “caput” deste artigo não poderá ultrapassar 65%
(sessenta e cinco por cento) da remuneração dos Servidores Municipais” (grifamos).
Como
se vê, não há parâmetros objetivos, impessoais, abstratos, genéricos para
concessão do valor das vantagens pecuniárias pagas a cada servidor público
municipal, o qual fica ao exclusivo critério do Chefe do Poder Executivo.
Os dispositivos legais acima transcritos estipulam os valores do adicional e das gratificações em percentual variável sobre os vencimentos mensais do servidor público, cuja fixação é delegada ao Chefe do Poder Executivo, possibilitando que assim o faça de maneira aleatória, subjetiva, pessoal e diferenciadamente para cada servidor público.
Referidos
dispositivos legais são inconstitucionais porque, considerada a noção básica e
elementar de supremacia da Constituição, são verticalmente incompatíveis com os
arts. 5º, 24, § 2º, 1, 111, 115, XI, e 144,
da Constituição do Estado de São Paulo.
A
esses fundamentos soma-se o art. 128 da Constituição do Estado de São Paulo, a
proclamar que:
“Art. 128. As vantagens de qualquer
natureza só poderão ser instituídas por lei e quando atendam efetivamente ao
interesse público e às exigências do serviço”.
A permissão
de que os valores da gratificação e do adicional sejam fixados a partir de
percentuais variáveis aplicáveis aos vencimentos por critério do Chefe do Poder
Executivo não respeita os princípios da legalidade, da moralidade e da
impessoalidade na Administração Pública, previstos nos arts. 24, § 2º, 1, 111,
115, XI, e 128, da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por obra de
seu art. 144.
Com
efeito, resulta dos arts. 24, § 2º, 1, 111, e 115, XI, da Constituição
Paulista, que os vencimentos dos servidores públicos devem ser fixados em lei
específica, assim como as vantagens pecuniárias (art. 128), até porque accessorium sequitur principale. De
qualquer modo, nessa compreensão incluem-se as vantagens pecuniárias e seus
respectivos valores porque a dimensão da reserva de lei - da tradição
jurídico-constitucional brasileira (art. 15, n. 17, Constituição de 1824; art.
34, n. 24, art. 72, n. 32, Constituição de 1891; art. 65, IV, Constituição de
1946; arts. 43, V, e 57, II, Constituição de 1967; art. 37, X, Constituição de
1988) - abrange quaisquer espécies remuneratórias e, aliás, quaisquer
estipêndios pagos pelo poder público sob qualquer rubrica, alcançando
acréscimos e vantagens pecuniários, indenizações, auxílios, abonos, etc.
Ubi eadem ratio, ibi eadem
legis dispositio: se à lei é reservada, com exclusividade, a função de fixação da
remuneração do servidor público, pela mesma razão, pertence-lhe fixar os valores
do adicional e da gratificação (ainda que fracionário ou em percentual, e até
com diferenciações em razão do cargo situar-se em maior ou menor grau de
hierarquia, de complexidade, etc.), sob pena de inviabilidade do planejamento e
da execução orçamentária (art. 169, Constituição Estadual). A estipulação dos
valores do adicional e da gratificação confiada ao arbítrio do Chefe do Poder
Executivo não se afina ao princípio da legalidade remuneratória atinente aos
servidores públicos (decorrência do princípio da legalidade administrativa).
A
delegação da eleição do percentual utilizado para fixação dos valores das
gratificações e do adicional ofende os princípios da moralidade e da
impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) à medida que confere, ao Chefe
do Poder Executivo, ampla e excessiva discricionariedade. Isto facultará
aquinhoar, por escolha imotivada ou motivada por critérios alheios ao interesse
público primário, alguns servidores credores da gratificação com percentuais
maiores ou menores que outros igualmente nessa situação. Ora, essa escolha
aleatória, subjetiva, pessoal e diferenciada dos percentuais da gratificação não
se amolda às exigências da moralidade e impessoalidade em virtude de sua
permeabilidade a critérios desprovidos de objetividade, neutralidade,
imparcialidade, igualdade e impessoalidade. Na compreensão deste último, por
sinal, está a matriz da igualdade que repudia tratamentos discriminatórios
desprovidos de relação lógica e proporcional entre o fator de discriminação e a
sua finalidade.
Essa
liberdade expõe a Administração Pública a tratamentos desigualitários, imorais,
desarrazoados, e, sobretudo, distantes do interesse público primário. Ora, se o
desiderato é a remuneração condigna e diferenciada a certa classe de
servidores, não há motivo plausível, racional, proporcional, ético, funcional e
objetivo a sustentar a instituição nesse grupo, classe ou categoria de
servidores públicos de tratamento diferenciado entre seus integrantes.
Patenteada
infração aos arts. 5º e 24, § 2º, 1, da Constituição Estadual. A transferência
ao Chefe do Poder Executivo de missão inerente ao Poder Legislativo - de definição
do percentual devido a título de adicional e de gratificação a cada servidor
público a partir de critérios objetivos, impessoais, abstratos – viola o
princípio da separação dos poderes.
É
do domínio exclusivo da lei a disciplina integral da essência da matéria.
Porém, a norma local impugnada delega ao Chefe do Poder Executivo parcela de
função intransmissível do Poder Legislativo, a quem compete fixar os valores do
adicional e das gratificações instituídas ou, quando muito, mediante parâmetros
objetivos previamente dispostos, exigir regulamentação subalterna a respeito.
Trata-se,
sem dúvida, de renúncia de competência exclusiva do Poder Legislativo para
fixação impessoal, abstrata e genérica do valor da gratificação, que não se
amolda ao princípio da separação dos poderes.
O
Supremo Tribunal Federal prestigia a prevalência da reserva legal na
remuneração dos servidores públicos e sua indelegabilidade:
“O tema concernente à disciplina jurídica da
remuneração funcional submete-se ao postulado constitucional da reserva
absoluta de lei, vedando-se, em conseqüência, a intervenção de outros atos
estatais revestidos de menor positividade jurídica, emanados de fontes
normativas que se revelem estranhas, quanto à sua origem institucional, ao
âmbito de atuação do Poder Legislativo, notadamente quando se tratar de
imposições restritivas ou de fixação de limitações quantitativas ao estipêndio
devido aos agentes públicos em geral. - O princípio constitucional da reserva
de lei formal traduz limitação ao exercício das atividades administrativas e
jurisdicionais do Estado. A reserva de lei - analisada sob tal perspectiva -
constitui postulado revestido de função excludente, de caráter negativo, pois
veda, nas matérias a ela sujeitas, quaisquer intervenções normativas, a título
primário, de órgãos estatais não-legislativos. Essa cláusula constitucional,
por sua vez, projeta-se em uma dimensão positiva, eis que a sua incidência
reforça o princípio, que, fundado na autoridade da Constituição, impõe, à
administração e à jurisdição, a necessária submissão aos comandos estatais
emanados, exclusivamente, do legislador. Não cabe, ao Poder Executivo, em tema
regido pelo postulado da reserva de lei, atuar na anômala (e inconstitucional)
condição de legislador, para, em assim agindo, proceder à imposição de seus
próprios critérios, afastando, desse modo, os fatores que, no âmbito de nosso
sistema constitucional, só podem ser legitimamente definidos pelo Parlamento. É
que, se tal fosse possível, o Poder Executivo passaria a desempenhar atribuição
que lhe é institucionalmente estranha (a de legislador), usurpando, desse modo,
no contexto de um sistema de poderes essencialmente limitados, competência que
não lhe pertence, com evidente transgressão ao princípio constitucional da separação
de poderes” (STF, ADI-MC 2.075-RJ, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello,
07-02-2001, v.u., DJ 27-06-2003, p. 28).
“Em tema de remuneração dos
servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É
dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão
mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52,
XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004,
das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (STF, ADI 3.369-MC, Rel.
Min. Carlos Velloso, 16-12-2004, DJ 01-02-2005).
a. DO PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus
boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos
preceitos legais do Município de Presidente Bernardes apontados como violadores
de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se pagamentos de adicionais
e gratificações indevidos e ilegítima investidura em cargos públicos, com a
consequente oneração financeira do erário.
Está claramente demonstrado que os cargos de provimento em comissão impugnados, a par de não possuírem atribuições descritas em lei, também não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo.
Evidente também está a inconstitucionalidade do pagamento de vantagens pecuniárias em valores variáveis, ao livre alvedrio do Chefe do Poder Executivo Municipal.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições normativas questionadas, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.
Basta lembrar que os pagamentos realizados aos servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para a suspensão parcial da eficácia, até o final e definitivo julgamento desta ação, dos seguintes atos normativos, todos do Município de Presidente Bernardes:
1) do artigo 7º da Lei Complementar nº 03/91 que criou os cargos de Motorista de Gabinete, Assistente de Diretor de Escola, Assessor de Imprensa, Diretor de Escola, Tesoureiro, Diretor Executivo Esporte e Recreação, Orientador Educacional, Supervisor Educacional, Assessor Jurídico, Assistente Técnico de Administração e Planejamento, Chefe de Gabinete, Diretor de Divisão de Administração e Planejamento, Diretor de Divisão Agropecuária, Diretor de Divisão de Educação Cultura e Recreação, Diretor de Divisão de Finanças, Diretor de Divisão de Obras e Serviços Públicos e Diretor de Divisão de Saúde e Assistência Social;
2) da Lei Complementar nº 15/96 que criou o cargo de Presidente da Comissão Municipal de Esportes e Cultura COMEC;
3) dos artigos 3º e 6º da Lei Complementar nº 16/97 que criaram o cargo de Assessor Jurídico;
4) da Lei Complementar nº 20/97 que criou os cargos de Assistente Técnico de Administração e Planejamento Educacional, Coordenador Pedagógico de Ensino Médio, Coordenador Pedagógico de Ensino Fundamental, Coordenador Pedagógico de Ensino Infantil e Coordenador de Transporte Escolar;
5) do artigo 4º da Lei Complementar nº 23/97 que criou os cargos de Assessor Técnico de Comunicações, Assessor Técnico de Informática, Diretor de Edição, Diretor de Comunicações e Diretor de Informática;
6) dos artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº 26/98 que criaram os cargos de Assistente de Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico, Assessor de Administração Educacional e Assessor de Planejamento Educacional;
7) da Lei Complementar nº 28/99 que criou o cargo de Diretor Operacional da Divisão de Obras e Serviços Municipais;
8) da Lei Complementar nº 55/05 que criou os cargos de Secretária de Biblioteca, Secretária Administrativa de Educação e Coordenador de Serviços de Meio Ambiente;
9) da Lei Complementar nº 96/09 que criou os cargos de Coordenador de Departamento de Projeto Controle Fiscalização e Desenvolvimento Ambiental, Coordenador de Departamento de Educação Ambiental e Coordenador de Departamento de Saneamento;
10) da Lei Complementar nº 106/2010 e da Lei Complementar nº 108/2010 que criaram o cargo de Diretor de Compras da Divisão de Administração e Planejamento.
11) dos artigos 51, 53 e 80 que criaram vantagens pecuniárias em valores variáveis, a critério do Prefeito Municipal de Presidente Bernardes.
b. DO PEDIDO PRINCIPAL
Diante
de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação
declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a
inconstitucionalidade dos arts. 7, 51, 53 e 80 da Lei Complementar nº
03/91 (fls. 19/59), da Lei Complementar nº 15/96 (fls. 163), dos artigos 3º e
6º da Lei Complementar nº 16/97 (fls. 154/155), da Lei Complementar nº 20/97
(fls. 152), do artigo 4º da Lei Complementar nº 23/97 (fls. 148/151), dos
artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº 26/98 (fls. 140/141), da Lei
Complementar nº 28/99 (fls. 167), da Lei Complementar nº 55/05 (fls. 169/170),
da Lei Complementar nº 96/09 (fls. 218), da Lei Complementar nº 106/2010 (fls.
244) e da Lei Complementar nº 108/2010 (fls. 245), do
Município de Presidente Bernardes.
Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Presidente Bernardes, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre os atos normativos impugnados.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se
deferimento.
São Paulo, 30 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao
Protocolado nº 139.142/2012
Assunto: Inconstitucionalidade
de cargos de provimento em comissão previstos no art. 7º da Lei Complementar nº
03/91, na Lei Complementar nº 15/96, nos artigos 3º e 6º da Lei Complementar nº
16/97, na Lei Complementar nº 20/97, no artigo 4º da Lei Complementar nº 23/97,
nos artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº 26/98, na Lei Complementar nº 28/99,
na Lei Complementar nº 55/05, na Lei Complementar nº 96/09, na Lei Complementar
nº 106/2010 e na Lei Complementar nº 108/2010, do Município de Presidente
Bernardes. Inconstitucionalidade das vantagens pecuniárias previstas nos
artigos 51, 53 e 80 da Lei Complementar 03/91.
1. Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face dos arts. 7, 51, 53 e 80 da Lei Complementar nº 03/91, da Lei Complementar nº 15/96, dos artigos 3º e 6º da Lei Complementar nº 16/97, da Lei Complementar nº 20/97, do artigo 4º da Lei Complementar nº 23/97, dos artigos 2º e 3º da Lei Complementar nº 26/98, da Lei Complementar nº 28/99, da Lei Complementar nº 55/05, da Lei Complementar nº 96/09, da Lei Complementar nº 106/2010 e da Lei Complementar nº 108/2010, do Município de Presidente Bernardes, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 30 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
mao