EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 178.027/2013

 

 

 

Ementa: Constitucional. Tributário. Ação direta de inconstitucionalidade. art. 3º da Lei nº 14.125, de 29 de dezembro de 2005, do Município de São Paulo. Isenção de Contribuição para Custeio de Iluminação Pública - COSIP a contribuintes desprovidos do equipamento de iluminação pública em suas vias. Art. 163, II da CE/89. O art. 3º da Lei nº 14.125, de 29 de dezembro de 2005, que assegura isenção da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP, instituída no Município de São Paulo pela Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, a contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros desprovidos do equipamento de iluminação pública, é incompatível com o mandamento constitucional da isonomia tributária (art. 163, II, CE/89).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 29, I, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no art. 103, II, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e no art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º e 129, IV, da Constituição Federal, no art. 74, VI, da Constituição do Estado de São Paulo, no art. 25, I, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e no art. 103, II, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 3º da Lei nº 14.125, de 29 de dezembro de 2005, do Município de São Paulo, a qual estabelece isenção da Contribuição para  Custeio do Serviço de Iluminação Pública - COSIP, instituída por meio da Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, a contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros desprovidos do equipamento de iluminação pública, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei nº 14.125, de 29 de dezembro de 2005, em seu art. 3º, instituiu isenção da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP, criada no Município de São Paulo por meio da Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, a contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros desprovidos do equipamento de iluminação pública, conforme se observa no dispositivo a seguir transcrito:

“Art. 3 – Ficam isentos da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP, instituída pela Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, os contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros que não possuam iluminação pública.

 

Parágrafo único: A isenção de que trata o “caput” deste artigo:

 

I – cessará a partir do mês seguinte ao início do fornecimento de iluminação pública;

 

II – não se aplica em casos de interrupção provisória do fornecimento de energia elétrica em virtude de instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, ou decorrentes de qualquer outro fato que provoque a interrupção provisória.”.

Ocorre que o ato normativo impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como será demonstrado após breve explanação acerca da construção do tributo em exame, necessária à inteligibilidade da indevida discriminação promovida pelo dispositivo ora combatido.

II – Da edição da contribuição para custeio do serviço de iluminação pública (cosip) pelo constituinte derivado e sua posterior declaração de constitucionalidade pelo supremo tribunal federal

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e consequente a extinção do denominado Fundo Único sobre Energia Elétrica (Lei nº 2.308, de 31 de agosto de 1954), que permitia o repasse de verbas a Municípios, a fim de auxiliá-los na manutenção da Iluminação Pública em seus limites territoriais, não restou outra saída aos entes supramencionados senão criar um tributo para fazer frente aos gastos com iluminação pública.

Assim, fora editada pelos Municípios a denominada “TIP – Taxa de Iluminação Pública”, que cobrava indistintamente dos munícipes exação desprovida de especificidade e divisibilidade, em contrariedade ao mandamento constitucional relativo à espécie tributária em comento, o qual exige o detalhamento e divisão do serviço público fruído pelo sujeito passivo quando da sua cobrança (art. 145, II, CF).

Ocorre que à luz da errônea forma eleita pelo legislador na criação da aludida espécie tributária, vez que um serviço de iluminação pública (uti universi) não permite detalhamento de sua utilização por cada contribuinte, não demorou a surgir uma série de questionamentos em prol da inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública (TIP).

Diversas ações individuais, em sede de controle difuso, foram ajuizadas no intento de afastar a indevida “taxa” que mais se assemelhava a um imposto, de sorte que, após reiteradas decisões sobre a temática, o Supremo Tribunal Federal pacificou a celeuma no sentido de vedar o emprego da aludida exação para custeio do serviço de iluminação pública, editando, inclusive, a Súmula nº 670. In verbis:

“Súmula 670, STF: O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa (24/09/2003. DJ 09/10/2003).”.

Pois bem. Ante a declaração de inconstitucionalidade da Taxa de Iluminação Pública (TIP) pela Suprema Corte, aliada à premente necessidade dos Municípios em angariar fundos voltados ao custeio do serviço de iluminação pública, o Constituinte Derivado Reformador, via Emenda Constitucional nº 39/2002, trouxe a lume nova espécie tributária ao sistema tributário nacional, a qual passou a ser denominada Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (COSIP).

Por meio desta nova contribuição, inserta no art. 149-A da CF/88, ficou estabelecido que compete aos Municípios e Distrito Federal, na forma da lei, a instituição da COSIP para financiar o serviço de iluminação em suas vias e logradouros, tendo sido editada no seguintes termos:

“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)

Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 39, de 2002)”.

Impende mencionar que em razão da ausência de elementos precisos contemplados tanto pelo Constituinte Reformador como pelo legislador ordinário de cada ente ao regrar a nova espécie tributária, especialmente no que tange aos seus contribuintes, indagações atinentes à inconstitucionalidade da COSIP bateram às portas da E. Suprema Corte.

Em síntese, fora alegado em ações no controle difuso, cada qual à luz de sua respectiva legislação municipal, que a contribuição nos moldes em que fora disciplinada ofendia o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, CF), porquanto restringia os contribuintes da COSIP tão somente aos consumidores de energia elétrica do Município, em oposição à própria ideia da referida exação, que por custear serviço de iluminação pública em quaisquer vias e logradouros, sendo fruída, portanto, por toda a coletividade (uti universi), deveria ser cobrada de todos os munícipes, e não apenas daqueles que consome energia elétrica em suas residências.

Contudo, no julgamento do Recurso Extraordinário 573.675/SC, o Egrégio Supremo Tribunal Federal pacificou entendimento no sentido da constitucionalidade da exigência da COSIP apenas de contribuintes consumidores de energia elétrica, não havendo, portanto, ofensa à isonomia tributária, tendo se pronunciado no mesmo julgado em relação a questionamentos relevantes sobre a natureza e características dessa nova contribuição.

Diante da relevância de certos apontamentos aduzidos na r. decisão, os quais permitem uma melhor compreensão da exação em apreço, pedimos vênia para transcrever abaixo algumas passagens do voto:

“(...) A doutrina é praticamente unânime quanto à natureza tributária da exação em comento, intitulada “contribuição” pelo constituinte derivado. Isso porque, além de ter sido o art. 149-A inserido no capítulo da Constituição Federal referente ao Sistema Tributário Nacional, o dispositivo estabelece que aos Municípios e ao Distrito Federal, ao instituí-la, devem observar o disposto nos incs. I e III do art. 150.

(...)

A meu ver, a COSIP constitui um novo tipo de contribuição, que refoge aos padrões estabelecidos nos arts. 149 e 195 da Constituição Federal. Cuida-se, com efeito, de uma exação subordinada a disciplina própria, qual seja, a do art. 149-A da CF, sujeita, contudo, aos princípios da constitucionais tributários, visto enquadrar-se inequivocamente no gênero tributo.

(...)

Não obstante o art. 149-A da Carta Magna faça menção apenas aos incs. I e III do art. 150, penso que o legislador infraconstitucional, ao instituir a contribuição sob exame, considerada a natureza tributária da exação, está jungido aos princípios gerais que regem o gênero, notadamente ao da isonomia (art. 150, II) e ao da capacidade contributiva (art. 145, §1º). (...)” (RE 573.675/SC, Min. Ricardo Lewandowski. Pleno. Julgamento 25/03/2009. DJe 21/05/2009).

Da leitura dos excertos supra, conclui-se que a COSIP é uma das espécies tributárias existentes no ordenamento, adstrita a todos os princípios constitucionais tributários, de sorte que, na disciplina de tal exação, cabe ao legislador infraconstitucional observar todos os mandamentos constitucionais aplicáveis aos tributos, sem exceção, sob pena de ofensa frontal à Lei Fundamental.

Isto posto, posteriormente à explanação ofertada passa-se ao exame pormenorizado das Leis do Município de São Paulo que regram a contribuição supracitada.

iII – Da LEGISLAÇÃO DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO INSTITUIDORA DA COSIP e de sua isenção

Fazendo uso de sua competência tributária instituída pelo Constituinte Derivado Reformador, via Emenda Constitucional 39/2002, o Município de São Paulo editou a Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, que assim disciplinou a Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP nos limites de seu território.

Segundo a referida lei:

“Art. 1º Fica instituída no Município de São Paulo, para fins do custeio do serviço de iluminação pública, a Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública - Cosip.

Parágrafo único. O serviço previsto no "caput" deste artigo compreende a iluminação de vias, logradouros e demais bens públicos, e a instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, além de outras atividades a estas correlatas.

Art. 2º Caberá à Secretária de Finanças e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura do Município de São Paulo proceder ao lançamento e à fiscalização do pagamento da Contribuição.

Art. 3º Contribuinte é todo aquele que possua ligação de energia elétrica regular ao sistema de fornecimento de energia.

Art. 4º O valor da Contribuição será incluído no montante total da fatura mensal de energia elétrica emitida pela concessionária desse serviço e obedecerá à classificação abaixo:

 I – R$ 3,50 (três reais e cinqüenta centavos) para os consumidores residenciais;

II – R$ 11,00 (onze reais) para os consumidores não-residenciais.

Parágrafo único. O valor da Contribuição será reajustado anualmente pelo mesmo índice utilizado para o reajuste da tarifa de energia elétrica.

Art. 5º Ficam isentos da Contribuição os contribuintes vinculados às unidades consumidoras classificadas como "tarifa social de baixa renda" pelo critério da Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL.

Art. 6º A concessionária de energia elétrica é responsável pela cobrança e recolhimento da Contribuição, devendo transferir o montante arrecadado para a conta do Tesouro Municipal especialmente designada para tal fim, sob pena de responder civil e criminalmente pelo não-cumprimento do aqui disposto.

§ 1º A eficácia do disposto no "caput" deste artigo fica condicionada ao estabelecimento de convênio a ser firmado entre a Prefeitura Municipal e a concessionária de energia elétrica, respeitadas, no que couber, as determinações da ANEEL.

§ 2º O convênio definido no parágrafo 1º deste artigo será celebrado no prazo máximo de 90 (noventa) dias e disporá sobre a forma e operacionalização da cobrança a que se refere o “caput”.

Art. 7º A concessionária deverá manter cadastro atualizado dos contribuintes que deixarem de efetuar o recolhimento da Contribuição, fornecendo os dados constantes naquele para a autoridade administrativa, competente pela administração da Contribuição.

Art. 8º O montante arrecadado pela Contribuição será destinado a um Fundo Especial, vinculado exclusivamente ao custeio do serviço de iluminação pública, tal como definido no parágrafo único do artigo 1º desta lei, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo no prazo de 90 (noventa) dias.

Parágrafo único. O Poder Executivo fica obrigado a encaminhar à Câmara Municipal de São Paulo programa de gastos e investimentos e balancete anual do Fundo Especial a ser criado para custear o serviço de iluminação pública.

Art. 9º As despesas decorrentes da implantação desta lei correrão por conta das dotações orçamentárias, suplementadas se necessário.

Art. 10. O Poder Executivo regulamentará a presente lei em 30 (trinta) dias.

Art. 11. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.”

A partir do exame do aludido diploma é possível concluir que a COSIP editada pelo Município de São Paulo, embora por vezes dissonante dos institutos tributários consagrados no Código Tributário Nacional (Lei 5.172/66), é espécie de exação cujos recursos devem ser percebidos, em tese, de toda a coletividade, pois suas receitas servem tanto ao custeio do serviço de iluminação pública como à manutenção, melhoramento, instalação e expansão da rede pública de iluminação, sendo, assim, fruída por todos os munícipes, sem qualquer distinção.

Pois bem. Após o estabelecimento da COSIP no Município de São Paulo, posteriormente foi editada pelo legislador infraconstitucional municipal a Lei nº 14.125, de 29 de dezembro de 2005, a qual, dentre outras providências, instituiu isenção da COSIP em prol de contribuintes residentes em vias públicas desprovidas do equipamento urbano de iluminação (art. 3º). Sobre o tema, in verbis:

“(...)

Art. 3º Ficam isentos da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública - COSIP, instituída pela Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, os contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros que não possuam iluminação pública.

Parágrafo único. A isenção de que trata o "caput" deste artigo:

I – cessará a partir do mês seguinte ao do início do fornecimento de iluminação pública;

II – não se aplica em casos de interrupção provisória do fornecimento de energia elétrica em virtude de instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, ou decorrentes de qualquer outro fato que provoque a interrupção provisória. (...)”

No cotejo do enunciado supratranscrito, percebe-se que o legislador municipal, ao instituir tal hipótese de exclusão do crédito tributário, visou promover uma igualdade tributária material por meio da discriminação entre contribuintes, partindo da premissa segundo a qual a falta de equipamento de iluminação na via urbana de determinado munícipe revelaria sua eventual incapacidade absoluta para contribuir ao financiamento da contribuição em estudo.

Ou seja, imbuído de um ideário de justiça tributária almejado em qualquer sistema arrecadatório, o legislador acreditou que por meio da isenção trazida a lume estaria assegurando uma tributação mais justa aos seus cidadãos, porquanto a discriminação por ele promovida restaria, em tese, consonante às diretrizes do ordenamento constitucional tributário, não havendo justificativa para suposta alegação de ofensa à isonomia.

Todavia, como será adiante demonstrado, o critério eleito pelo legislador municipal paulista não guarda correlação lógica com a própria ratio legis da COSIP, muito menos com os ditames constitucionais tributários que norteiam a edição de tributos, de sorte que deve ser reconhecida a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 14.125/05.

 

IV – DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 3º da Lei nº 14.125, de 29 de dezembro de 2005, que instituiu isenção da Contribuição para o Custeio do Serviço de Iluminação Pública – COSIP, criada por meio da Lei nº 13.479, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta com o seguinte preceito da Constituição Paulista:

“(...)

Artigo 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado ao Estado:

(...)

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; (...)”.

 

V – Da violação ao princípio da isonomia tributária

Conforme menção em ponto anterior, o critério eleito pelo legislador municipal não possui identidade com a ratio legis da COSIP, nem com os preceitos constitucionais tributários que norteiam a edição de tributos, em especial a isonomia tributária (art. 150, II, CF; art. 163, II, CE).

Portanto, ao longo deste tópico procurar-se-á apresentar os fundamentos pelos quais se evidencia a manifesta ofensa à igualdade tributária promovida pelo art. 3º da Lei nº 14.125/05, iniciando-se pela exposição relativa às linhas introdutórias do instituto jurídico “isonomia tributária”.

 

a)    Linhas introdutórias sobre o instituto:

Em qualquer seara da ciência jurídica, que embora una foi sendo subdivida em diversos seguimentos ao longo do processo evolutivo doutrinário, em vista de fins estritamente didáticos, sempre houve a preocupação por parte dos teóricos em se buscar um ideal de justiça nas relações por eles disciplinadas, de sorte que no Direito Tributário tal desiderato não poderia ser outro.

Se de um lado o Estado necessita de receitas voltadas à mantença de sua complexa máquina, não menos relevante é o interesse do contribuinte em defender seu patrimônio da iminente atividade predatória desempenhada pelos entes quando do exercício de seu poder de tributar, de sorte que a bem de um sistema arrecadatório equilibrado caberia ao próprio ordenamento estabelecer balizas voltadas a compatibilizar intentos deveras antagônicos.

Nesse contexto e tendo em vista sua natureza garantista por excelência, a Constituição Federal de 1988 instituiu no decorrer de seu texto inúmeros direitos e garantias na órbita tributária à defesa do cidadão, plasmando em seu Título VI, Capítulo I, Seção I, limites expressos e implícitos à efetivação da capacidade tributária ativa pelos entes, dentre os quais destaca-se, em função de sua relevância a presente inicial, o princípio da isonomia tributária (art. 150, II, CF; art. 163, II, CE).

Segundo a Carta de 88, o princípio da isonomia tributária veda o tratamento desigual a contribuintes situados em plano equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos (art. 150, II, CF).

Por este princípio, reproduzido na Carta Paulista em seu art. 163, II, buscou o Constituinte Originário materializar a aspiração de igualdade entre os contribuintes, concretizando, por conseguinte, o objetivo de edificação de uma sociedade mais justa, conforme preconiza o art. 3º, I da CF/88.

Cumpre mencionar, no entanto, que tal desiderato é complexo e permeia outros ramos do direito.

A bem da verdade, o princípio da isonomia não é exclusivo da ciência das finanças, pois no âmago dos sistemas jurídicos questões atinentes ao tratamento igualitário e seus meios de concretização aos membros do corpo social sempre foram objeto de profunda indagação, de sorte que somente a partir das revoluções demo-liberais oitocentistas, em especial a Revolução Francesa de 1789, é que o primado da igualdade formal passou a ter contornos mais objetivos, sendo erigido como um dos fundamentos do Estado de Direito.

Todavia, esse ideário de igualdade jurídica formal aduzido nos diplomas legais dos Estados modernos, reproduzido pela máxima “tratar a todos de forma igualitária perante a lei”, aos poucos foi sendo relativizado, haja vista a impossibilidade de sua efetivação em razão das diferenças naturais entre os seres da comunidade.

Destarte, buscando a superação desse paradigma, a problemática da igualdade ensejou uma leitura diversa, passando a ser tratada sob o prisma da diferenciação razoável entre sujeitos, a fim de equiparar suas adversidades e garantir a tão almejada isonomia concreta.

Com efeito, competiria ao próprio sistema criar mecanismos voltados a nivelar indivíduos situados em planos distintos, por meio de um fator de discrímen legítimo e justo no cotejo com as demais disposições do ordenamento, de modo que à luz desse entendimento foi cunhado o conceito de isonomia “material ou real”, consagrado tanto em sede doutrinária como jurisprudencial.

Sobre o assunto, confira-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“O Plenário julgou improcedente pedido formulado em arguição de descumprimento de preceito fundamental ajuizada pelo Partido Democratas (DEM) contra atos da Universidade de Brasília (UnB), do Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão da Universidade de Brasília (CEPE) e do Centro de Promoção de Eventos da Universidade de Brasília (CESPE), os quais instituíram sistema de reserva de 20% de vagas no processo de seleção para ingresso de estudantes, com base em critério étnico-racial. (...) No mérito, explicitou-se a abrangência da matéria. Nesse sentido, comentou-se, inicialmente, sobre o princípio constitucional da igualdade, examinado em seu duplo aspecto: formal e material. Rememorou-se o art. 5º, caput, da CF, segundo o qual ao Estado não seria dado fazer qualquer distinção entre aqueles que se encontrariam sob seu abrigo. Frisou-se, entretanto, que o legislador constituinte não se restringira apenas a proclamar solenemente a igualdade de todos diante da lei. Ele teria buscado emprestar a máxima concreção a esse importante postulado, para assegurar a igualdade material a todos os brasileiros e estrangeiros que viveriam no país, consideradas as diferenças existentes por motivos naturais, culturais, econômicos, sociais ou até mesmo acidentais. Além disso, atentaria especialmente para a desequiparação entre os distintos grupos sociais. Asseverou-se que, para efetivar a igualdade material, o Estado poderia lançar mão de políticas de cunho universalista – a abranger número indeterminado de indivíduos – mediante ações de natureza estrutural; ou de ações afirmativas – a atingir grupos sociais determinados – por meio da atribuição de certas vantagens, por tempo limitado, para permitir a suplantação de desigualdades ocasionadas por situações históricas particulares. Certificou-se que a adoção de políticas que levariam ao afastamento de perspectiva meramente formal do princípio da isonomia integraria o cerne do conceito de democracia. Anotou-se a superação de concepção estratificada da igualdade, outrora definida apenas como direito, sem que se cogitasse convertê-lo em possibilidade. (...) . (ADPF 186, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 26-4-2012, Plenário, Informativo 663.)

Ou seja, a diferenciação entre os sujeitos não é vedada pelo ordenamento. Na verdade, é promovida por ele em situações justificadas por circunstâncias razoáveis que transcendem os limites jurídicos, havendo, inclusive, inúmeros instrumentos legais assegurando tal conduta.

Entretanto, a possibilidade de tratamento diversificado a sujeitos de um mesmo corpo deve ser feita com extrema cautela.

Não se pode conferir a alguns uma conjuntura favorecida à luz de critérios obscuros ou mesmo carentes de legitimidade, sob pena de desvio da finalidade precípua em igualar, criando, ao revés, um privilégio fruído por poucos e indesejado pelo próprio ordenamento.

Portanto, é nessa moldura que o princípio da isonomia tributária deve ser apreciado, de sorte que no ponto a seguir far-se-á uma análise do critério diferenciador erigido no art. 3º da Lei nº 14.125/05, demonstrando, ao final, sua impropriedade e consequente inconstitucionalidade.

b)    Critério de discrímen utilizado no art. 3º da Lei 14.125/05 e sua ofensa à isonomia tributária

A pretexto de atingir uma igualdade material entre seus munícipes e concretizar o ideário de justiça social estabelecido no art. 3º, I da CF, o Município de São Paulo, por meio do art. 3º da Lei 14.125/05, outorgou isenção da COSIP aos residentes em vias públicas desprovidas de equipamento de iluminação urbana, nos seguintes termos:

“(...)

Art. 3º Ficam isentos da Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública - COSIP, instituída pela Lei nº 13.479, de 30 de dezembro de 2002, os contribuintes residentes ou instalados em vias ou logradouros que não possuam iluminação pública.

Parágrafo único. A isenção de que trata o "caput" deste artigo:

I – cessará a partir do mês seguinte ao do início do fornecimento de iluminação pública;

II – não se aplica em casos de interrupção provisória do fornecimento de energia elétrica em virtude de instalação, manutenção, melhoramento e expansão da rede de iluminação pública, ou decorrentes de qualquer outro fato que provoque a interrupção provisória. (...)”

Segundo a municipalidade, os contribuintes residentes em tais vias não seriam dotados de capacidade contributiva para custear a COSIP, porquanto, segundo a ratio legis isentiva, tais sujeitos, em razão da não fruição direta do serviço público de iluminação, estariam supostamente legitimados ao afastamento da tributação.

Portanto, sob a ótica do legislativo municipal, seria razoável o fator de discrímen eleito, não havendo ofensa à isonomia tributária.

Todavia, o fundamento escolhido pelo ente para isentar alguns munícipes da incidência da COSIP evidencia-se falacioso e desprovido de fundamento lógico, acarretando, por conseguinte, ofensa direta ao art. 163, II da CE, pelos seguintes motivos.

Com efeito, a contribuição em apreço fora editada no intento de angariar recursos, em tese, de toda a coletividade.

Pelo exame do art. 1º, parágrafo único da Lei nº 13.479/02, outro entendimento não pode ser extraído de seu enunciado, senão o de que a COSIP servirá tanto ao custeio do serviço de iluminação pública como à manutenção, melhoramento, instalação e expansão da rede pública de iluminação.

Desse modo, a exação em tela não se subsume, necessariamente, à exigência de fruição direta do serviço público de iluminação em sua via.

Na verdade, por meio da COSIP busca-se auferir receitas não apenas para custear o serviço de iluminação, como também para expandir seus equipamentos aos demais logradouros deficitários inseridos no plano municipal, tendo, portanto, caráter solidário e universal.

Mutatis mutandis, a essência do tributo em apreço guarda similitude à teoria da risco administrativo, situada na temática da responsabilidade aquiliana objetiva do Estado por danos causados a particulares pelos agentes públicos, no exercício de sua função.

Segundo tal teoria, em apertada síntese, se a atividade administrativa beneficia a todos, sem distinção, os riscos gerados aos administrados na sua consecução devem ser, também, suportados pela coletividade. Nesse sentido, precisa a lição do professor Sérgio Cavalieri Filho:

“(....) Esta teoria, como se vê, surge como expressão concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante de encargos públicos. É a forma democrática de repartir os ônus e encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. (...)” (Programa de Responsabilidade Civil, 10 ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 257).

Ora, se o animus da contribuição em exame é também fomentar a expansão do serviço de iluminação pública, conforme estabelecido pelo próprio legislador municipal, em um primeiro momento a contrapartida exigida sob a rubrica COSIP não deveria excluir qualquer contribuinte, sob pena de violar a igualdade entre contribuintes assegurada pelas Constituições Federal e Estadual.

Ocorre que à luz da problemática exaustivamente discorrida no ponto V, alínea “a” (“Linhas introdutórias sobre o instituto”), a igualdade entre os seres de qualquer meio social nunca é plena.

Se observado de forma estrita, esse ideário de igualdade formal aduzido nos textos legais pode resultar em alargamento da distância real entre os sujeitos, sendo por esse motivo que o ordenamento permite a utilização excepcional de instrumentos destinados a reduzir as desigualdades, ainda que crie situações específicas a determinados grupamentos, estando nesse bojo a isenção tributária.

No caso da isenção tributária, em razão de fundamentos justificados em cotejo com as demais regras do sistema e desde que razoáveis,  exclui-se o crédito tributário outrora exigido de alguns sujeitos albergados pelo elemento excludente, buscando, assim, efetivar a isonomia fiscal.

Ou seja, a própria lei que cria o tributo pode excluir de sua incidência determinados sujeitos passivos. No entanto, para que tal discriminação não promova desigualdade indesejada, seus fundamentos devem possuir ligação com o fato merecedor de diferenciação e com a finalidade perquirida ao se empregar o instituto, tudo sob a égide da proporcionalidade.

Sobre a eleição de critério de discrímen para legitimar situações de desigualdade, imperioso o magistério do juspublicista Celso Antônio Bandeira de Mello, cujos ensinamentos nos revelam um norte a ser trilhado na árdua tarefa supramencionada:

“O ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. (...) Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferenciadora quando é perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecida e a desigualdade de situações correspondentes. De revés, ocorre imediata e intuitiva rejeição de validade à regra que, ao apartar situações, para fins de regulá-las diversamente, calça-se em fatores que não guardam pertinência com a desigualdade de tratamento jurídico. Tem-se, pois, que é o vínculo de conexão lógica entre os elementos diferenciais colecionados e a disparidade das disciplinas estabelecidas em vista deles, o quid determinante da validade ou invalidade de uma regra perante a isonomia (...)”

E assim conclui o professor:

“(...) tem-se que investigar, de um lado, aquilo que é erigido em critério discriminatório e, de outro, se há justificativa racional para, à vista do traço desigualador adotado, atribuir o específico tratamento jurídico construído em função da desigualdade afirmada.” (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed. 19ª tiragem. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 37/38).

Fazendo uso das lições acima, pode-se concluir, portanto, que eventual discriminação entre sujeitos é permitida na seara jurídica, mas somente se restar alicerçada em elementos que guardem conexão entre o critério diferenciador e a justificativa racional para a situação de desigualdade buscada.

Assim sendo, o desafio está em se verificar quais critérios são legítimos a excluir contribuintes da tributação da COSIP, à luz de um fundamento de discriminação razoável à situação, vez que o referido tributo, por excelência, deve ser cobrado de todos os cidadãos.

Pois bem.

Da leitura do art. 3º da Lei nº14.125/05, infere-se que o ente isentou da COSIP contribuintes instalados em logradouros desprovidos de iluminação pública, como se os referidos munícipes restassem desprovidos de capacidade financeira pelo simples fato de não terem em suas vias o serviço em questão.

Entretanto, no esteio das considerações apresentadas nesta exordial, imprescindíveis são as seguintes indagações: seria viável discriminar contribuintes da COSIP pelo simples fato da ausência de iluminação pública em suas vias? Qual a relação lógica entre a capacidade em financiar a COSIP, cujo caráter prima facie é universal, e o fato de não possuir tal serviço de iluminação na via do sujeito passivo?

Em que pense qualquer esforço hermenêutico destinado a conferir uma interpretação racional ao critério de discrímen empregado pelo legislador para a outorga da isenção em tela, a bem da ciência jurídica e em respeito a uma argumentação no mínimo coerente, é gritante a falta de vínculo entre a possibilidade em se custear o aludido tributo e a ausência de serviço público na via do contribuinte.

Conforme já sedimentado, a contribuição ora examinada não se preza apenas ao custeio do serviço de iluminação pública. Se destina, outrossim, ao fomento de sua expansão.

Se fosse intento do legislador afastar da tributação munícipes realmente desprovidos de qualquer possibilidade em contribuir com a COSIP, deveria fazê-lo segundo critérios objetivamente aferíveis e em respeito à isonomia tributária, utilizando, por exemplo, o consagrado instituto da capacidade contributiva.

É sabido que no âmbito tributário comumente o legislador faz uso do princípio da capacidade contributiva para atingir o intento de nivelar sujeitos em planos distintos e concretizar, assim, a igualdade real.

Por meio do aludido instituto, seria possível, em sede abstrata, averiguar a capacidade do sujeito em suportar o ônus tributário à luz de seus haveres e rendas, havendo quem a separe em capacidade contributiva objetiva e subjetiva.

A respeito do tema, relevantes os apontamentos da Min. Regina Helena Costa, do Superior Tribunal de Justiça:

“(...)

a) Capacidade Contributiva Absoluta (ou Objetiva): é a capacidade identificada pelo legislador, que elege o evento ou fato-manifestação de riqueza, vocacionados a concorrer com as despesas públicas. Aqui se tem um sujeito passivo potencial;

b) Capacidade Contributiva Relativa (ou Subjetiva): é a capacidade identificada pelo legislador, que elege o sujeito individualmente considerado, apto a contribuir na medida de suas possibilidades econômicas, suportando o impacto tributário. (...)” (Princípio da Capacidade Contributiva, 3ª ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 27).

Ou seja, o princípio da capacidade contributiva, aplicável à COSIP conforme posição sedimentada pelo E. STF no RE 573.675/SC, é empregado para diferenciar com maior justeza indivíduos em planos distintos de poderio econômico, separando-os segundo suas riquezas e haveres.

Nesse contexto e tomando-se por base a predileção do ordenamento ao uso de sua faceta objetiva, ante a maior facilidade proporcionada ao Fisco para identificar sinais exteriores de riqueza, se o ente tributante fizesse uso da capacidade contributiva para distinguir de forma segura a possibilidade de cada munícipe em participar do erário acabaria por retirar de seu âmbito arrecadatório pessoas que realmente fazem jus ao afastamento em epígrafe, sendo tal fato um elemento de discrímen aceitável em face de sua justificativa racional e da possibilidade de aferição em concreto.

Ocorre que, pelo que se observa da tortuosa redação do art. 3º da Lei 14.125/05, não foi esse o destino da malfadada isenção.

Além de contemplar critério de discriminação totalmente dissonante de justificativa racional, posto que a vinculação entre ausência de equipamento de iluminação pública e a falta de capacidade contributiva é incongruente e desarrazoada, o aludido dispositivo também padece de boa técnica jurídica ao não permitir aferição segura acerca dessa ausência de capacidade financeira, o que fere de morte a isonomia tributária.

Apenas a título de exemplo, como explicar a situação de galpões comerciais e extensos terrenos não edificados para especulação imobiliária em regiões extremas do Município, os quais, ante a eventual ausência do equipamento, restariam dispensados da contribuição? Seria razoável afastar da tributação estes proprietários apenas pela ausência do equipamento? Seriam estes financeiramente incapazes de contribuir ao erário?

Ora, é evidente que respostas a esses questionamentos acabam se revelando imprecisas nos moldes em que a isenção fora editada. Sem um lastro objetivo mínimo e condizente ao seu fim precípuo, qualquer afirmação categórica de pobreza de eventual munícipe nesse contexto seria mero devaneio, o que não se pode admitir, sob hipótese alguma, em um Estado Democrático.

Conforme a jurisprudência da E. Suprema Corte, é da essência do regime democrático a ampla publicidade dos atos praticados por seus agentes, salvo hipóteses justificadas na própria Constituição, sendo contrário ao seu espírito atos velados, obscuros, sobre os quais resta impossibilitada qualquer espécie de controle:

“(...) 2. Princípio constitucional de maior densidade axiológica e mais elevada estatura sistêmica, a Democracia avulta como síntese dos fundamentos da República Federativa brasileira. Democracia que, segundo a Constituição Federal, se apóia em dois dos mais vistosos pilares: a) o da informação em plenitude e de máxima qualidade; b) o da transparência ou visibilidade do Poder, seja ele político, seja econômico, seja religioso (art. 220 da CF/88). (...)” (ADPF-MC 130. Relator Min. Carlos Britto. Pleno. Julgamento: 27.02.2008)

Sem publicidade não há democracia. Governo democrático garante o direito de todos, ainda que diversas as identidades culturais e sociais, por meio de políticas e instrumentos transparentes, visíveis aos olhos de seus “súditos” e por eles passíveis de controle, não havendo democracia que se preze sem ela.

Ademais, se não há publicidade o controle da atuação estatal resta obsoleto, senão inatingível, não havendo como justificar atividade qualquer, inclusive a da presente situação.

E pior, a falta de objetividade na eleição de critérios acaba por privilegiar determinadas pessoas sem que haja fundamento legítimo, promovendo, na contramão de seu objetivo primacial, tratamento indesejado, desnecessário e incompatível com o esperado no seio de um Estado Democrático.

Por todo exposto, não resta dúvida acerca da flagrante ofensa do art. 3º da Lei 14.125/05 ao primado da isonomia tributária.

Ao lançar mão de fundamento totalmente subjetivo e sem conexão com a finalidade da exação, que é a universalização do custeio do serviço e de sua expansão, a qual somente poderia ser afastada caso houvesse justificativa condizente ao seu animus, a isenção trazida à baila acabou por promover, ao invés de igualdade material, um desnivelamento odioso e indesejado pelo ordenamento, de sorte a ser imperioso seu afastamento do ordenamento por meio da declaração de sua inconstitucionalidade à luz do art. 163, II da CE.

 

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências, lesivas ao erário.

 

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 3º da Lei nº 14.125/05, do Município de São Paulo.

 

IV – Pedido

Diante do exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 14.125/05, do Município de São Paulo.

 

Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Paulo, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 28 de maio de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 178.027/2013

Interessado:  Sindicato dos Engenheiros no Estado de São Paulo (SEESP)

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 3º da Lei nº 14.125/05, do Município de São Paulo

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 3º da Lei nº 14.125/05, do Município de São Paulo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 28 de maio de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

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