EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE
DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
nº 057.397/13
Ementa: 1) Inconstitucionalidade parcial da Lei n. 7.119, de 18 de abril de 2013, do Município de Guarulhos. 2) Os arts. 165, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177 e 182, IX, da Lei n. 7.119, de 18 de abril de 2013, do Município de Guarulhos, dizem respeito à criação e regulamentação de cargos de provimento em comissão aos quais não correspondem função de direção, chefia e assessoramento, mas funções próprias dos cargos de provimento efetivo, por se tratarem de funções meramente técnicas ou burocráticas. Inexigibilidade de especial relação de confiança. 3) Violação do art. 115, inc. II e V, da Constituição do Estado de São Paulo. 4) Criação abusiva e artificial de cargos em comissão. 5) As atividades de advocacia pública, inclusive a assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de mérito (arts. 98 a 100 da CE/89). 6) Dispositivos que criam cargos comissionados semelhantes e instituem diferença remuneratória. 7) Violação do art. 39, §1º, da Constituição Federal, ao qual a produção normativa municipal está vinculada por força dos arts. 144 e 297 da Constituição do Estado de São Paulo.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda, nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face dos arts. 165, 168, 169, 170, 171, 172, 173, 174, 175, 176, 177 e 182, IX, da Lei n. 7.119, de 18 de abril de 2013, do Município de Guarulhos, no tocante à criação e regulamentação dos cargos de provimento em comissão a seguir nominados, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
A Lei n. 7.119, de 18 de abril de 2013, do Município de Guarulhos, que “Dispõe sobre a estrutura dos órgãos da administração direta, do quadro de servidores públicos da Prefeitura de Guarulhos, prescreve normas para sua reorganização e dá outras providências”, criou e deu nova denominação a cargos de provimento em comissão, tidos como inconstitucionais (art. 165 ao art. 187), dentre os quais constam os que ora se impugnam e seguem arrolados, conta com a seguinte redação, no que interessa:
"Art.
165. Ficam criados os cargos públicos em comissão, de livre provimento, da
Prefeitura do Município de Guarulhos com jornada de quarenta horas semanais, em
número, requisitos e atribuições constantes deste Capítulo.
(...)
Art. 168.
Ficam criados 268 (duzentos e
sessenta e oito) cargos de Assessor de Gabinete I com as seguintes
atribuições:
I - prestar
assessoria ao seu superior hierárquico, interpretando, discutindo, negociando,
registrando, triando, orientando, encaminhando e/ou relatando assuntos,
processos, e outros temas que lhe forem apresentados;
II - realizar
estudos, análises e projeções, emitindo pareceres e propostas, para avaliação e
aprovação de seu superior hierárquico;
III -
representar seu superior hierárquico, quando delegado a fazê-lo, participando
de reuniões internas ou externas;
IV - proceder
a análise, triagem e emissão de pareceres acerca dos procedimentos, processos e
atividades afins da sua unidade funcional, oferecendo subsídios para a tomada
de decisões;
V -
representar seu superior hierárquico, quando delegado a fazê-lo, participando
de reuniões internas ou externas;
VI -
participar, coordenar ou integrar, comissões, comitês e outros grupos de
trabalho internos, quando designado;
VII - propor
sistemas e procedimentos de controle das atividades e assuntos afetos à sua
unidade funcional, acompanhando o seu desenvolvimento, aferindo os seus
resultados e/ou sugerindo as correções necessárias;
VIII - propor
projetos, planos de ação segundo diretrizes de seu superior hierárquico;
IX - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 3.885,21
(três mil, oitocentos e oitenta e cinco reais e vinte e um centavos) mensais.
Art. 169.
Ficam criados 320 (trezentos e vinte)
cargos de Assessor de Gabinete II com as seguintes atribuições:
I - prestar
assessoria ao seu superior hierárquico na implantação e definição de políticas
públicas afetas à sua área, interpretando, discutindo, negociando, registrando,
triando, orientando, encaminhando e/ou relatando assuntos, processos, e outros
temas que lhe forem apresentados;
II - realizar
estudos, análises e projeções, emitindo pareceres e propostas, para avaliação e
aprovação de seu superior hierárquico;
III -
participar, coordenar ou integrar, comissões, comitês e outros grupos de
trabalho internos, quando designado;
IV - propor
sistemas e procedimentos de controle das atividades e assuntos afetos à sua
unidade funcional, acompanhando o seu desenvolvimento, aferindo os seus
resultados e/ou sugerindo as correções necessárias;
V - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 3.545,14
(três mil, quinhentos e quarenta e cinco reais e quatorze centavos) mensais.
Art. 170.
Ficam criados 372 (trezentos e
setenta e dois) cargos de Assessor de Gabinete III com as seguintes
atribuições:
I - prestar
assessoria ao seu superior hierárquico, interpretando, discutindo, negociando,
registrando, triando, orientando, encaminhando e/ou relatando assuntos,
processos, e outros temas que lhe forem apresentados;
II - realizar
estudos, análises e projeções, emitindo pareceres e propostas, para avaliação e
aprovação de seu superior hierárquico;
III -
participar, coordenar ou integrar, comissões, comitês e outros grupos de
trabalho internos, quando designado;
IV - prestar
assistência ao seu superior hierárquico em assuntos e ocasiões específicas,
quando solicitado;
V - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 2.880,36
(dois mil, oitocentos e oitenta reais e trinta e seis centavos) mensais.
Art. 171.
Ficam criados 446 (quatrocentos e
quarenta e seis) cargos de Assessor de Gestão I com as seguintes
atribuições:
I - assistir
ao seu superior hierárquico no preparo e despacho do expediente e no
atendimento aos munícipes;
II - oferecer
apoio e zelar pelo bom funcionamento de todas as atividades administrativas de
competência de sua unidade funcional;
III -
representar seu superior hierárquico, quando delegado a fazê-lo, participando
de reuniões internas ou externas;
IV - compor
grupos de trabalhos para discussão e coleta de subsídios para a implementação
de projetos de interesse da unidade administrativa;
V - propor
diretrizes e estratégias para a implementação de programas de ação selecionados
pelo Secretário da área;
VI - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 2.215,52
(dois mil, duzentos e quinze reais e cinquenta e dois centavos) mensais.
Art. 172.
Ficam criados 289 (duzentos e oitenta
e nove) cargos de Assessor de Gestão II com as seguintes atribuições:
I - assistir
ao seu superior hierárquico no preparo e despacho do expediente e no
atendimento aos munícipes;
II - oferecer
apoio e zelar pelo bom funcionamento de todas as atividades administrativas de
competência de sua unidade funcional;
III -
acompanhar a implementação de programas de ação selecionados pelo Secretário da
área, elaborando relatórios;
IV - compilar
dados e informações de interesse da unidade administrativa;
V - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 1.721,13
(mil, setecentos e vinte e um reais e treze centavos) mensais.
Art. 173.
Ficam criados 338 (trezentos e trinta
e oito) cargos de Assessor de Gestão III com as seguintes atribuições:
I - assistir
ao seu superior hierárquico no preparo e despacho do expediente e no
atendimento aos munícipes;
II - oferecer
apoio e zelar pelo bom funcionamento de todas as atividades administrativas de
competência de sua unidade funcional;
III -
auxiliar na implementação de programas de ação selecionados pelo Secretário da
área;
IV - exercer outras atribuições que lhe forem
conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 1.479,48
(mil, quatrocentos e setenta e nove reais e quarenta e oito centavos) mensais.
Art. 174.
Ficam criados 38 (trinta e oito)
cargos de Assessor Especial de Gestão I com as seguintes atribuições:
I -
assessorar o seu superior hierárquico no planejamento, coordenação, execução e
supervisão das atividades da Pasta;
II - oferecer
subsídios ao seu superior hierárquico para a tomada de decisões acerca de
procedimentos, processos e atividades afins à sua unidade funcional;
III -
elaborar pareceres acerca dos procedimentos, processos e atividades afins à sua
unidade funcional, com o objetivo de oferecer subsídios para a tomada de
decisões;
IV -
representar seu superior hierárquico, quando delegado a fazê-lo, participando
de reuniões internas ou externas;
V -
acompanhar, avaliando a execução de contratos e convênios, verificando o
cumprimento de metas;
VI - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 7.576,08
(sete mil, quinhentos e setenta e seis reais e oito centavos) mensais.
Art. 175.
Ficam criados 124 (cento e vinte e
quatro) cargos de Assessor Especial de Gestão II com as seguintes
atribuições:
I - prestar
assessoria ao seu superior hierárquico;
II - realizar
pesquisas para instrução dos estudos, análises e projeções, fornecendo
subsídios que auxiliem na tomada de decisão de seu superior hierárquico;
III -
assistir ao seu superior hierárquico no planejamento, coordenação, execução e
supervisão das atividades da respectiva unidade;
IV - compilar
dados e informações de interesse da unidade administrativa;
V -
assessorar a coordenação de projetos desenvolvidos pela respectiva unidade;
VI -
encaminhar papéis, processos e expedientes diretamente às unidades competentes
para manifestação sobre os assuntos neles tratados;
VII - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 5.848,30
(cinco mil, oitocentos e quarenta e oito reais e trinta centavos) mensais.
Art. 176.
Ficam criados 30 (trinta) cargos de
Assessor Especial de Gestão III com as seguintes atribuições:
I - prestar
assessoria ao seu superior hierárquico;
II - realizar
pesquisas para instrução dos estudos, análises e projeções, fornecendo
subsídios que auxiliem na tomada de decisão de seu superior hierárquico;
III -
compilar dados e informações de interesse da unidade administrativa;
IV - auxiliar
na implementação de programas de ação selecionados pelo Secretário da área;
V - solicitar
informações a outras unidades da Administração Pública Municipal;
VI - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 5.523,06
(cinco mil, quinhentos e vinte e três reais e seis centavos) mensais.
Art. 177.
Ficam criados 33 (trinta e três)
cargos de Assessor Especial de Gestão IV com as seguintes atribuições:
I - prestar
assessoria direta ao seu superior hierárquico nos assuntos de natureza
administrativa e de representação política e social;
II - prestar
atendimento ao público interno e externo;
III -
coletar, organizar e analisar dados para embasar planos, projetos e decisões da
unidade administrativa;
IV -
acompanhar junto aos órgãos específicos matérias de interesse da unidade;
V - realizar
pesquisas e elaborar estudos sobre assuntos de interesse da unidade;
VI - exercer
outras atribuições que lhe forem conferidas ou delegadas.
Parágrafo
único. O vencimento do cargo previsto neste artigo corresponde a R$ 4.061,09
(quatro mil, sessenta e um reais e nove centavos) mensais.
(...)
Art. 182.
Ficam criados 73 (setenta e três)
cargos de Diretor de Departamento com as seguintes atribuições:
(...)
IX - no caso
de Diretores de Departamentos da Secretaria de Assuntos Jurídicos, autorizar,
mediante delegação do Secretário, Procuradores Municipais a deixar de interpor
recursos ou desistir daqueles já interpostos, nas hipóteses legalmente previstas”.
A previsão normativa desses cargos de provimento em comissão, como adiante se demonstrará, não condiz com os artigos 115, incisos II e V, 144 e 297 da Constituição Estadual.
II – DO DIREITO
A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1º, 18, 29, 30 e 34, VII, “c”, da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).
A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que, no caso, é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).
A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria; (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais; (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; e (d) autoadministração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).
Nessas
quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política
(capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa
(capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a
autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços
locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e
aplicação de suas rendas, que é uma característica da autoadministração) (ob. e
loc. cits).
Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).
Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou do Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.).
No caso em exame, o legislador municipal criou cargos de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. Trata-se de funções que denotam a natureza profissional do vínculo entre seus agentes e a Prefeitura Municipal e que, por essa razão, só poderiam ser preenchidas por concurso público.
Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; e (d) caráter permanente dessa vinculação.
Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.
Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF, art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.
Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II do artigo 115 da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.
Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.
Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).
Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.
Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed, São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.
E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)
Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.
É incontestável que os cargos cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresentam como cargo ou função da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exija relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas, sim, de cargo comum, de natureza profissional, que deve ser assumido em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.
Para se chegar a esta conclusão, basta observar as atribuições dos referidos cargos de provimento em comissão, no início transcritas.
Observe-se, ainda, que os mesmos prestam serviços auxiliares completamente desvinculados de qualquer política governamental, cumprindo tarefas de cunho geral nos escalões subalternos da organização administrativa, não justificando excepcional caráter de confiança.
Realizam tarefas rotineiras inerentes a desempenho profissional destituídos de qualquer função de chefia e excepcional atributo de confiança.
Para afastar o vício de inconstitucionalidade, não basta inscrever na descrição das atribuições dos cargos comissionados funções amplas e genéricas, imprecisas e indeterminadas, ao lado de outras mais definidas, de nítido caráter burocrático, profissional e técnico, como “compilação de dados”, “encaminhamento de papéis”, “processos e expedientes”, “composição de grupo de trabalho”, “elaboração de pareceres”, “avaliação de atos administrativos”, como ocorre “in casu”.
Aliás, nem satisfaz à Constituição a multiplicidade e o escalonamento de assessores com diferente remuneração - como se fosse uma carreira - e cujas atribuições descritas são praticamente idênticas.
Convém observar, ademais, a estruturação desses cargos em classes diferentes com níveis distintos de remuneração e quantidades que não oferecem qualquer conotação lógica – dos 225 (duzentos e vinte e cinco) cargos de Assessor Especial de Gestão, 124 (cento e vinte e quatro) são do nível II. Sob outra perspectiva, não é possível obliterar da existência dessa quantidade de cargos de Assessor Técnico somada a outros 960 (novecentos e sessenta) cargos de Assessor de Gabinete (I, II e III) e 1073 (um mil e setenta e três) cargos de Assessor de Gestão (I, II e III), além de 73 cargos de Diretor, donde resulta, pela análise das atribuições, que prestam assessoramento, para além dos órgãos da cúpula, aos demais órgãos diretivos.
Anota-se, também, que a estruturação em classes com diferentes níveis remuneratórios (Assessor de Gabinete I, II e III, Assessor de Gestão I, II e III, Assessor Especial de Gestão I, II, III e IV), sem qualquer distinção de atribuição entre eles, fornece ideia de carreira que não se coaduna com sua natureza de comissionada. Constitui “figura estranha ao Direito Administrativo brasileiro, qual seja, a de carreira formada de cargos em comissão, por natureza, isolados”, porquanto “a própria organização, em carreira, dos cargos em apreço (ressaltada no parecer), pela ideia de permanência que traduz não se mostra compatível com a índole de comissão” (STF, Rp 1.282-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio Gallotti, 12-12-1985, v.u., DJ 28-02-1986, p. 2345, RTJ 116/887).
Além disso, proporciona ao administrador público uma grande margem de liberdade, inspirada por motivos secretos, subjetivos e pessoais, na medida em que lhe faculta a escolha casuística do nível do assessor na admissão (ou durante o exercício do cargo) para efeito remuneratório, distanciando-se dos princípios de moralidade e impessoalidade.
É oportuno ressalvar que os cargos de provimento em comissão ora impugnados são frutos de redenominações de cargos de provimento em comissão que já foram declarados inconstitucionais através de ações diretas de inconstitucionalidade (ADINS-994.09.230831-4 e 994.09.224787- Leis ns. 4.273/93, 4.274/93, 4.608/94, 6.507/09 e 6.814/11, todas do Município de Guarulhos). Ademais, é elevadíssima a quantidade de cargos comissionados criados pela lei ora impugnada (2403, no total).
Ainda assim, há no quadro de pessoal comissionado
da área administrativa o cargo de Diretor de Departamento da
Secretaria de Assuntos Jurídicos, criado pelo art. 182, IX, ao qual caberia
competência para “autorizar, mediante delegação do
Secretário, Procuradores Municipais a deixar de interpor recursos ou desistir
daqueles já interpostos, nas hipóteses legalmente previstas”. Tal cargo comissionado também já foi declarado
inconstitucional através da ação direta de inconstitucionalidade nº
0022965-89.2011.8.26.0000 (Leis ns.
4.274/93, 6.293/07, 6.360/08 e 6.372/08, todas do Município de Guarulhos).
As atividades de advocacia pública, inclusive a
assessoria e a consultoria de corporações legislativas, e suas respectivas
chefias, são reservadas a profissionais também recrutados pelo sistema de
mérito.
É o que se infere dos arts. 98 a 100 da Constituição
Estadual que se reportam ao modelo traçado no art. 132 da Constituição Federal
ao tratar da advocacia pública estadual.
Os preceitos constitucionais (central e radial) cunham
a exclusividade e a profissionalidade da função aos agentes respectivos
investidos mediante concurso público, inclusive a chefia do órgão, cujo agente
deve ser nomeado e exonerado ad nutum
dentre os seus integrantes, o que é reverberado pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA
DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI COMPLEMENTAR 11/91, DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
(ART. 12, CAPUT, E §§ 1º E 2º; ART. 13 E INCISOS I A V) - ASSESSOR JURÍDICO -
CARGO DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - FUNÇÕES INERENTES AO CARGO DE PROCURADOR DO
ESTADO - USURPAÇÃO DE ATRIBUIÇÕES PRIVATIVAS - PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO
PEDIDO - MEDIDA LIMINAR DEFERIDA. - O desempenho das atividades de
assessoramento jurídico no âmbito do Poder Executivo estadual traduz
prerrogativa de índole constitucional outorgada aos Procuradores do Estado pela
Carta Federal. A Constituição da República, em seu art. 132, operou uma
inderrogável imputação de específica e exclusiva atividade funcional aos
membros integrantes da Advocacia Pública do Estado, cujo processo de
investidura no cargo que exercem depende, sempre, de prévia aprovação em
concurso público de provas e títulos” (STF, ADI-MC 881-ES, Tribunal Pleno, Rel.
Min. Celso de Mello, 02-08-
“TRANSFORMAÇÃO,
EM CARGOS DE CONSULTOR JURÍDICO, DE CARGOS OU EMPREGOS DE ASSISTENTE JURÍDICO,
ASSESSOR JURÍDICO, PROCURADOR JURÍDICO E ASSISTENTE JUDICIÁRIO-CHEFE, BEM COMO
DE OUTROS SERVIDORES ESTÁVEIS JÁ ADMITIDOS A REPRESENTAR O ESTADO EM JUÍZO (PAR
2. E 4. DO ART. 310 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ). INCONSTITUCIONALIDADE
DECLARADA POR PRETERIÇÃO DA EXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL). LEGITIMIDADE ATIVA E PERTINÊNCIA OBJETIVA DE AÇÃO
RECONHECIDAS POR MAIORIA” (STF, ADI 159-PA, Tribunal Pleno, Rel. Min. Octavio
Gallotti, 16-10-
“CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ANEXO II DA LEI COMPLEMENTAR 500, DE 10
DE MARÇO DE 2009, DO ESTADO DE RONDÔNIA. ERRO MATERIAL NA FORMULAÇÃO DO PEDIDO.
PRELIMINAR DE NÃO-CONHECIMENTO PARCIAL REJEITADA. MÉRITO. CRIAÇÃO DE CARGOS DE
PROVIMENTO EM COMISSÃO DE ASSESSORAMENTO JURÍDICO NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO
DIRETA. INCONSTITUCIONALIDADE. 1. Conhece-se integralmente da ação direta de
inconstitucionalidade se, da leitura do inteiro teor da petição inicial, se
infere que o pedido contém manifesto erro material quanto à indicação da norma
impugnada. 2. A atividade de assessoramento jurídico do Poder Executivo dos
Estados é de ser exercida por procuradores organizados em carreira, cujo
ingresso depende de concurso público de provas e títulos, com a participação da
Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, nos termos do art. 132 da
Constituição Federal. Preceito que se destina à configuração da necessária
qualificação técnica e independência funcional desses especiais agentes
públicos. 3. É inconstitucional norma estadual que autoriza a ocupante de cargo
em comissão o desempenho das atribuições de assessoramento jurídico, no âmbito
do Poder Executivo. Precedentes. 4. Ação que se julga procedente” (STF, ADI
4.261-RO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 02-08-2010, v.u., DJe
20-08-2010, RT 901/132).
“ATO NORMATIVO - INCONSTITUCIONALIDADE. A declaração de inconstitucionalidade de ato normativo pressupõe conflito evidente com dispositivo constitucional. PROJETO DE LEI - INICIATIVA - CONSTITUIÇÃO DO ESTADO - INSUBSISTÊNCIA. A regra do Diploma Maior quanto à iniciativa do chefe do Poder Executivo para projeto a respeito de certas matérias não suplanta o tratamento destas últimas pela vez primeira na Carta do próprio Estado. PROCURADOR-GERAL DO ESTADO - ESCOLHA ENTRE OS INTEGRANTES DA CARREIRA. Mostra-se harmônico com a Constituição Federal preceito da Carta estadual prevendo a escolha do Procurador-Geral do Estado entre os integrantes da carreira” (STF, ADI 2.581-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 16-08-2007, m.v., DJe 15-08-2008).
Patenteado,
pois, o divórcio de suas previsões na lei local impugnada com os arts. 111 e 115,
II e V, da Constituição do Estado de São Paulo, in verbis:
“Art. 111.
A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos
Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse
público e eficiência.
(...)
Art. 115.
Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em
concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações
para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V – as
funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de
cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de
carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei,
destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Além disso, os cargos de Assessor de Gabinete I, II e III, Assessor de Gestão I, II e III, e Assessor Especial de Gestão I, II, III e IV, todos comissionados e criados pela Lei n. 7.119/13, do Município de Guarulhos, são inconstitucionais porque, além das razões já expostas, guardam desarrazoada diferença remuneratória entre cargos cujas atribuições são idênticas, afrontando o art. 39, §1º, da Constituição Federal, cuja redação foi dada pela EC n. 19/98, à qual a produção normativa do ente municipal está vinculada por força dos artigos 144 e 297 da Constituição Bandeirante.
“Artigo 144 - Os
Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 297 – São também aplicáveis no Estado, no que couber, os artigos das Emendas à Constituição Federal que não integram o corpo do texto constitucional, bem como as alterações efetuadas no texto da Constituição Federal que causem implicações no âmbito estadual, ainda que não contempladas expressamente pela Constituição do Estado”.
Os autores da Constituição do Estado,
no exercício do Poder Constituinte Decorrente, poderiam repetir,
enfadonhamente, as normas de reprodução obrigatória da Constituição da
República, mas preferiram eles, acertadamente, diga-se, fórmula sintética do
art. 144, determinando, como não poderia deixar de ser, que os princípios
estabelecidos na Constituição Federal (somente princípios, não regras) devessem
ser observados obrigatoriamente pelos Municípios.
Não foi outra a saída encontrada pelos Constituintes nacionais, por exemplo, com o art. 25 da Constituição da República, a determinar que os Estados se organizem segundo os princípios da Constituição da República, sem explicitá-los, também enfadonhamente. Tal dispositivo guarda correspondência com o art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
A doutrina já resolveu a questão dos
princípios que devem os Estados observar (o que, obviamente, aplica-se aos
Municípios, já agora por força do art. 144 da Constituição do Estado). Ao
comentar sobre o conteúdo do art. 25 da Constituição da República, a direcionar
as competências dos Estados (como o art. 144 da Constituição do Estado
condiciona as competências dos
Municípios), Manoel Gonçalves Ferreira
Filho refere-se à existência das
“regras de preordenação
institucional”, “regras de extensão normativa” e “regras de subordinação
normativa”, inseridas na Constituição da República, vinculantes para os demais
entes políticos, pronunciando que “ainda cerceiam
a autonomia dos Estados regras de subordinação normativa”.
São estas as que, presentes na própria
Constituição Federal e direcionadas por ela a todos os entes federativos
(União, Estados, Municípios), predefinem o conteúdo da legislação que será
editada por eles. E isto, ou orientando positivamente tal conteúdo (mandando
que siga determinada linha), ou negativamente (proibindo que adote certas
normas ou soluções).
Exemplo de tais regras
de subordinação normativa é o que decorre do art. 37 da
Constituição brasileira, que preside à atuação da administração pública direta
ou indireta. Da mesma forma, o art. 39 da
Constituição direciona diretamente a legislação dos Estados (bem como do
Distrito Federal e dos Municípios) quanto aos servidores públicos.
Observe-se que esta subordinação normativa pode ser
direta ou indireta. Ela é direta (e imediata) quando deflui, sem intermediário,
da Constituição Federal e obriga desde logo o legislador. É indireta (e
mediata) quando se faz por meio da legislação federal obrigatória para os
Estados.
A norma da Constituição da República já predefiniu a
legislação municipal negativamente
proibindo que adote certas normas ou soluções. Claro
que, apenas por não repetir explicitamente os princípios da Constituição da
República, não significa que os Municípios fiquem livres para (em uma curiosa
situação então) dispor de mais poderes constituintes que o Estado (já que não
se discute que, quando a este, seu Poder Constituinte Decorrente é limitado).
Trata-se do artigo 144 da Constituição do Estado de norma de repetição
obrigatória.
Neste sentido, coleta-se que “as
normas centrais” da Constituição Federal, tenham elas natureza de princípios
constitucionais, de princípios estabelecidos ou de normas de preordenação,
afetam a liberdade criadora do Poder Constituinte Estadual e acentuam o caráter
derivado desse poder.
A
norma de reprodução não é, para os fins da autonomia do Estado-membro, simples
norma de imitação, frequentemente encontrada na elaboração constitucional. As
normas de imitação exprimem a cópia de técnicas ou de institutos, por
influência da sugestão exercida pelo modelo superior. As normas de reprodução
decorrem do caráter compulsório da norma constitucional superior, enquanto a
norma de imitação traduz a adesão voluntária do constituinte a uma determinada
disposição constitucional (Raul Machado Horta. Poder constituinte do
estado-membro, RDP, 88/5).
Nesse sentido, por força do artigo 144 da Constituição
do Estado de São Paulo, o ente municipal não pode se desviar do comando do
artigo 39, §1º, da Constituição Federal, sob pena de inconstitucionalidade.
Assim, ao fixar o sistema de remuneração de servidores
públicos, o Município de Guarulhos deveria ter observado: (i) “a natureza, o
grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada
carreira”, (ii) “os requisitos para a investidura”, e (iii) “as peculiaridades
dos cargos”. Dessa forma, seguramente, evitar-se-ia a criação de
diferentes patamares de remuneração para cargos cujas funções e requisitos de
preenchimento fossem semelhantes, como ocorreu in casu. Confira-se.
As funções conferidas ao Assessor de Gabinete I, pelos incisos I, II, VI, IX do art. 168, são igualmente atribuídas ao Assessor de Gabinete II e III, pelos incisos I, II, III e V do art. 169 e I, II, III, V do art. 170. De igual modo, as atribuições do Assessor de Gestão I, elencadas nos incisos I, II, V e VI do art. 171, são as mesmas instituídas ao Assessor de Gestão II e III, pelos incisos I, II, III e V do art. 172 e incisos I, II, III e IV do art. 173, respectivamente.
O mesmo ocorre com as incumbências legais do Assessor Especial de Gestão II, III e IV – incisos I, II, III, VII do art. 175, incisos I, II, VI do art. 176, e incisos I, III, VI e V do art. 177- que são análogas ao do Assessor Especial de Gestão I, conforme incisos I, II, III, VI do art. 174. Ressalta-se, ainda, a semelhança entre as atividades do Assessor Especial de Gestão II e III.
A análise comparativa das atribuições dos cargos em comento demonstra que as atividades desempenhadas, de fato, são análogas. A inclusão de expressões genéricas e imprecisas no rol de atribuição de alguns dos cargos não tem o condão de refutar a tese aqui arguida, vez que na essência os cargos permanecem idênticos. Ademais, não se pode confiar que funções de nítido caráter burocrático, técnico e profissional sejam capazes de distinguir cargos comissionados entre si.
Soma-se, ainda, o fato de inexistir requisito de investidura para quaisquer dos cargos comissionados ora impugnados.
À vista disso, o sistema de remuneração instituído pela Lei n. 7.119/13 aos assessores de gabinete, assessores de gestão e assessores especiais de gestão, de todos os níveis, é inconstitucional, ao passo que não subsiste nenhum fator de discrímen (natureza, grau de responsabilidade, complexidade, peculiaridade do cargo, requisitos de investidura) apto a amparar a diferença de remuneração.
Nesse diapasão, a Lei 7.119/13, no tocante aos cargos mencionados, desrespeitou o comando constitucional do art. 39, §1º, da CF e, por conseguinte, violou o princípio da igualdade jurídica, ao conferir tratamento diferenciado a situações congêneres, valendo-se para tanto de critérios injustificáveis.
Conclui-se, portanto, que dois
vícios fulminam os cargos instituídos pela Lei 7.119/13, quais sejam, (i) implementação
de cargos comissionados para desempenho de funções distintas de direção, chefia
e assessoramento, e (ii) criação de um sistema de remuneração avesso à ordem
constitucional vigente.
Por
fim, cumpre registrar que entendimento diverso do aqui sustentado significaria,
na prática, negativa de vigência aos arts. 111 e 115, incisos II e V, da
Constituição Estadual, bem como aos arts. 37, incisos II e V, e 39, §1º, da
Constituição Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 e 297 da
Carta Estadual.
III – DO PEDIDO LIMINAR
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos legais do Município de Guarulhos, apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até o final julgamento desta ação.
Está claramente demonstrado que o excesso de cargos de
provimento em comissão configura motivo consistente para reconhecimento de sua
inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de
que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia das disposições
normativas questionadas, subsistirão as respectivas aplicações. Serão
realizadas despesas (e impostas obrigações à Municipalidade) que, dificilmente,
poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência
da ação direta de inconstitucionalidade.
Basta lembrar que os pagamentos realizados aos
servidores públicos nomeados para ocuparem tais cargos, certamente, não serão
revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no
sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.
A ideia do fato consumado, com repercussão concreta,
guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na
ação direta de inconstitucionalidade.
Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões
declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma
impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se
verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa singular
situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.
Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga
de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência
é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo
Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente
inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel.
Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC
540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
À luz deste perfil, requer a
concessão de liminar para a suspensão da eficácia, até o final e definitivo
julgamento desta ação, nas partes em que criou e regulamentou os cargos de
provimento em comissão ora impugnados, previstos nos arts. 168 a 177 e 182, IX,
da Lei n. 7.119 de 18 de abril de 2013, que “dispõe sobre a estrutura dos
órgãos da administração direta, do quadro de servidores públicos da Prefeitura
de Guarulhos, prescreve normas para sua reorganização e dá outras providências”,
do Município de Guarulhos, no tocante à criação e regulamentação dos cargos de
provimento em comissão de: 1) Assessor de Gabinete I (art. 168), 2) Assessor de
Gabinete II (art. 169), 3) Assessor de Gabinete III (art. 170), 4) Assessor de
Gestão I (art. 171), 5) Assessor de Gestão II (art. 172), 6) Assessor de Gestão
III (art. 173), 7) Assessor Especial de Gestão I (art. 174), 8) Assessor
Especial de Gestão II (art. 175), 8) Assessor Especial de Gestão III (art.
176), 9) Assessor Especial de Gestão IV (art. 177) e 10) Diretor de
Departamento de Assessoria Jurídica (art. 182, IX).
IV – DO PEDIDO
Assim, aguarda-se o recebimento e o processamento da presente ação declaratória de inconstitucionalidade, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade dos arts. 168 a 177 e 182, IX, da Lei n. 7.119 de 18 de abril de 2013, que “dispõe sobre a estrutura dos órgãos da administração direta, do quadro de servidores públicos da Prefeitura de Guarulhos, prescreve normas para sua reorganização e dá outras providências”, do Município de Guarulhos, no tocante à criação e regulamentação dos cargos de provimento em comissão de: 1) Assessor de Gabinete I (art. 168), 2) Assessor de Gabinete II (art. 169), 3) Assessor de Gabinete III (art. 170), 4) Assessor de Gestão I (art. 171), 5) Assessor de Gestão II (art. 172), 6) Assessor de Gestão III (art. 173), 7) Assessor Especial de Gestão I (art. 174), 8) Assessor Especial de Gestão II (art. 175), 8) Assessor Especial de Gestão III (art. 176), 9) Assessor Especial de Gestão IV (art. 177) e 10) Diretor de Departamento de Assessoria Jurídica (art. 182, IX).
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Guarulhos, bem como citado o
Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 02 de junho de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj