Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado n. 195.005/13

 

Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis do Município de São Caetano do Sul. 1. Criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos e empregos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, mas, funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. 2. Ausência de fixação das atribuições dos cargos de provimento em comissão e delegação ao Poder Executivo para defini-las através de ato administrativo, gerando invasão da reserva legal, e consequente violação da separação de poderes. 3.Cargos públicos provimento em comissão de “Diretor de Escola”, “Assistente de Diretor de Escola”, “Coordenador Pedagógico” e “Orientador Educacional”que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo, mediante a realização de concurso público de provas ou de provas e título. 4. Constituição Estadual: artigos 5º, §1º; 24, § 2º, 1; 111; 115, II, V; e 144.

               O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º, e 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face do art. 1º, item 1, letra c e item 11, da Lei n. 3.275, de 19 de fevereiro de 1993; art.1º da Lei n. 4.209, de 10 de março de 2004; art. 1º, incisos I, II, III e IV da Lei n. 3.954, de 19 de março de 2001; art.2º da Lei n. 4.356, de 14 de dezembro de 2005; art.4º da Lei n. 4.489, de 22 de março de 2007; art. 1º, inciso I a III da Lei n. 4.032, de 05 de dezembro de 2001; art.2º, inciso III e IV da Lei n. 4.303, de 29 de junho de 2005; art.2º, inciso I, e Anexo I da Lei n. 5.051, de 14 de dezembro de 2011, e por arrastamento, do art. 2º da Lei n. 3.949, de 07 de março de 2001 do Município de São Caetano do Sul.

 

I – Os Atos Normativos Impugnados

1.                Ao dispor sobre a reestruturação administrativa, a Lei 3.275, de 19 de fevereiro de 1993, no que interessa prescreve:

“Art. 1º - Ficam criados, nas unidades orgânicas de estrutura administrativa da Prefeitura Municipal, abaixo-assinadas, os cargos públicos devidamente enumerados seguintes:

1-    GABINETE DO PREFEITO

(...)

c- 1 (hum) cargo de Redatora, privativo de portador de título universitário em comissão, de livre nomeação e demissão do Prefeito Municipal;

(...)

11 – ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

a-    2 (dois) cargos de Jornalistas, em comissão, de livre nomeação e demissão do Prefeito Municipal, privativo de portador de curso superior de Comunicação Social, devidamente registrada no Município do Trabalho e no órgão de classe competente;

b-    1 (hum) cargo de Relações Públicas, em comissão de livre nomeação e demissão do Prefeito Municipal, privativo de portadores de curso superior em Comunicação Social, devidamente registrado no Conselho Nacional de Relações Públicas;

c-      1 (hum) cargo de Assistente do Assessor de Comunicação Social, em comissão, de livre nomeação e demissão do Prefeito Municipal, privativo de portador de diploma de nível superior;

d-    1 (hum) cargo de cinegrafista, em comissão, de livre nomeação e demissão do Prefeito Municipal, privativo de portador de diploma de curso secundário, com conhecimentos técnicos em operação de câmara e vídeo/edição;

e-    1 (hum) cargo de Laborista, privativo de portador de diploma de curso secundário, com conhecimento em revelação de fotografias e manuseio de material de laboratório fotográfico;

f-      1 (hum) cargo de Assistente de Relações Públicas, em comissão, de livre nomeação e demissão do Prefeito Municipal.

(...)

2.                Por sua vez, aLei n°4.209, de 10 de março de 2004,assim dispõe:

“Art. 1° Ficam criados, no Departamento da Saúde e Vigilância Sanitária – D.S.V.S., os seguintes cargos públicos, providos em comissão, de livre nomeação e exoneração do Prefeito Municipal, dentre pessoas de escolaridade de nível superior:

I - 01 (um) cargo de Diretor Técnico, privativo de médico;

II - 01 (um) cargo de Supervisor Administrativo;

III – 01 (um) cargo de Enfermeiro Supervisor;

IV- 01 (um) cargo de Farmacêutico;

V – 04 (quatro) cargos de Auxiliar de Supervisão Administrativa.”

(...)

3.      Ainda, a Lei 3.954, de 19 de março de 2001, no que interessa apresenta a seguinte redação:

“Art.1º - Ficam criados, no Departamento de Educação e Cultura – DEPEC, 04 (quatro) cargos, em comissão, de livre nomeação e exoneração do Prefeito Municipal, a seguir especificados:

I – 01 (um) cargo de Assessor Técnico de Ensino;

II – 01 (um) cargo de Diretor de Escola;

III – 01 (um) cargo de Assistente de Diretor de Escola; e

IV – 01 (um) cargo de Assistente Administrativo de Escola.

         (...)

4.      A Lei 4.356, de 14 de dezembro de 2005, que “Dispõe sobre a criação de escola municipal de ensino fundamental, cria cargos e empregos para seu funcionamento e dá outras providências”, assim estabelece:

“Art. 2º Para o seu funcionamento, ficam criados os seguintes cargos em comissão de livre nomeação e exoneração do Prefeito:

I – 01 (um) Diretor de Escola;

II – 02 (dois) Assistentes de Diretor de Escola;

III -01 (um) Coordenador Pedagógico da Série Inicial – 4ª série;

IV –01 (um) Coordenador Pedagógico de 5ª a 8ª série;

V – 02 (dois) Orientador Educacional;

VI – 01 (um) Secretário de Escola.

5.      Assim também, a Lei 4.489, de 22 de março de 2007, que institui o Programa Escola-Bairro; cria os seguintes cargos em comissão:

“Art. 4º - Para atendimento do disposto no artigo 4º ficam criados os seguintes cargos de livre nomeação e exoneração:

I – 02 (dois) cargos de Assessor de Gestão em Conhecimento, correspondente ao cargo de Assessor II;

II – 16 (dezesseis) cargos de Agentes Comunitários do Ensino, correspondentes ao cargo de Assessor III.”

(...)

6.      Ao passo que a lei 4.032, de 05 de dezembro de 2001,cria novos cargos em comissão no âmbito do Departamento de Educação e Cultura:

 “Art.1º- Ficam criados, no Departamento de Educação e Cultura – DEPEC, 04 (quatro) cargos, em comissão, de livre nomeação e exoneração do Prefeito Municipal, a seguir especificados:

I-                   01 (um) cargo de Assessor Técnico Operador de Áudio, Vídeo e Informática;

II-                 01 (um) cargo de Assessor Técnico Restaurador;

III-               02 (dois) cargos de Assessor Técnico Auxiliar de Operador de Aúdio, Vídeo e Informática.”

(...)

7.      A Lei nº 4.303, de 29 de junho de 2005assim dispõe:

“Art. 2º Para o cumprimento do disposto no artigo anterior, ficam criados os seguintes cargos e funções:

(...)

III – 04 (quatro) cargos de Auxiliar do Sistema de Controle Interno, cargos de confiança, de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo, com vencimentos equivalentes aos de Assessor III, mais Nível Universitário e RET 75% (setenta e cinco por cento);

IV- 01 (um) cargo de Secretária, cargo de confiança, de provimento em comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo, com vencimentos equivalentes aos de Assessor IV, mais RET de 75% (setenta e cinco por cento).”

8.            Por fim, a Lei n° 5.051, de 14 de dezembro de 2011 que “Dispõe sobre a criação de unidades escolares da rede pública municipal de ensino, cria os cargos em comissão e empregos públicos que especifica e dá outras providências”, tem os seguintes dispositivos de relevo para a presente ação:

“ARTIGO 2°- Para a estruturação administrativa das unidades escolares criadas nos termos do artigo 1º desta Lei, criados:

I – criado os seguintes cargos em comissão, de livre nomeação e exoneração pelo Chefe do Poder Executivo, cujas atribuições encontram-se relacionadas no Anexo I da presente Lei:

a)     Diretor de Escola – 02 (dois);

b)     Assistente de Diretor de Escola – 02 (dois);

c)      Coordenador Pedagógico – 03 (três);

d)     Orientador Educacional – 02 (dois).

 

Anexo I – ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS (ART.1º, INC. I).

 

DENOMINAÇÃO DO CARGO

ATRIBUIÇÕES

DIRETOR DE ESCOLA

Dirigir a Escola e superintender todas as suas atividades, cumprindo e fazendo cumprir as leis, regulamentos, calendário escolas, as determinações superiores e as disposições de seu Regimento, de modo a garantir a consecução dos objetivos do processo educacional; representar o estabelecimento perante as autoridades escolares; organizar as atividades de planejamento no âmbito escolar; cumprir e fazer cumprir as leis de ensino e determinações legais das autoridades competentes; coordenar a elaboração, pelos docentes, da proposta pedagógica da Escola e dos Planos Escolares, bem como controlar a sua execução; aplicar penalidades previstas no Regimento Escolar; promover iniciativas que visem ao aperfeiçoamento profissional de toda a equipe; autorizar matrículas e transferência de alunos; convocar e presidir reuniões dos quadros da Escola – administrativo, docente e discente, solenidades e cerimônias, delegando atribuições e competências a seus subordinados, assim como designar comissões para a execução de tarefas especiais; criar condições de estimular experiências para o aprimoramento do processo educativo; notificar aos órgãos competentes a situação de alunos que apresentam um número de faltas acima do número permitido em lei; outras atribuições previstas no Regimento Interno Escolar.

ASSISTENTE DE DIRETOR DE ESCOLA

Substituir o diretor em suas ausências, impedimentos ou por delegação deste, no cumprimento de atividades específicas; assessorar a direção da escola no desempenho de suas atribuições; assessorar na elaboração da proposta pedagógica da escola, do plano de curso e do plano escolar e acompanhar as reuniões do Conselho de Classe e Ano; acompanhar as inspeções periódicas dos bens patrimoniais da escola e do seu inventário, informando ao Diretor a necessidade de baixa patrimonial de inservíveis e a existência de excedentes; supervisionar as atividades da merenda escolar, no âmbito da escola, mantendo o Diretor da Escola informado; outras atribuições previstas no Regimento Interno Escolar.

COORDENADOR PEDAGÓGICO

Chefiar a elaboração do Plano Escolar, coordenando os aspectos referentes às proposições curriculares; promover a coordenação, acompanhamento e o controle das atividades curriculares da Escola, tendo em vista a proposta pedagógica, os Planos de Curso e planos de aulas, além de planos de trabalho expressos através de projetos específicos; coordenar o desenvolvimento, a implementação, o controle e a avaliação de medidas que visem a melhora do processo educacional, de acordo com as diretrizes estabelecidas pela Secretaria Municipal de Educação; outras atribuições previstas no Regimento Interno Escolar.

ORIENTADOR EDUCACIONAL

Orientar e assessorar os membros da equipe gestora da unidade de elaboração, sistematização, implementação e avaliação da proposta pedagógica, do plano de curso e do plano escolar da unidade educacional, a partir das diretrizes estabelecidas na política educacional da Secretaria Municipal de Educação; outras atribuições previstas no Regimento Interno Escolar.

 

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

9.      Os diplomas legais, com exceção da Lei n. 5.051/2011, não descrevem as atribuições dos cargos de provimento em comissão criados.

10.   As leis impugnadas contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

11.          Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

12.          As normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art.5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

 

§ 1º - É vedado a qualquer dos Poderes delegar atribuições.

(...)

Art.24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

(...)

Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;

(...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (...)”.

 

A - CRIAÇÃO DE CARGOS E EMPREGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO E INEXISTÊNCIA DE ATRIBUIÇÕES PREVISTAS EM LEI

13.          Os quadros de cargos e empregos em comissão acima transcritos revelam a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão. Além disso, inexiste descrição de suas atribuições em lei.

14.          Inicialmente, é inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento efetivo mediante aprovação em concurso público.

15.          A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.

16.          Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.

17.          Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois, verba non mutant substantiam rei. Necessária é a análise de sua natureza excepcional, a qual não se satisfaz com a mera declaração do legislador. O essencial é análise do plexo de atribuições das funções públicas.

18.          É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras.

19.          Para tanto, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas atribuições do cargo de provimento em comissão para se aquilatar se realmente se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção. Isto se amolda ao próprio princípio da legalidade – porque a reserva legal exige lei em sentido formal para disciplina das atribuições de cargo público, como adverte a doutrina:

“(...) somente a lei pode criar esse conjunto inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público. Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo. A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável. Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres, dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que ‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).

20.             Pois, somente a partir da descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os direitos dos administrados, e que se espraiaà aferição da legitimidade da forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade, pela impessoalidade e pela razoabilidade.

21.              Nem se alegue, por oportuno, que o art. 8º da Lei n. 4.303/05 e o art.8º da Lei n. 3.949/01ao disporem que as atribuições dos cargos serão regulamentadas pelo Poder Executivo Municipal legitima a atuação legislativa. A possibilidade de regulamento autônomo para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação cede à vista do art. 61, § 1°, II, a, da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em sentido formal.Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b, Constituição Federal; art. 47, XIX, a, Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, § 4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o regulamento previsto no art. 84, VI, a, da Constituição, é:

“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).

22.          Neste sentido, pronuncia a jurisprudência a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP, ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).

23.              E, ademais, proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. LuizFux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).

“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).

24.             A criação abusiva e a ausência de fixação de atribuições desses cargos caracteriza violação dos 111 e 115, II e V, da Constituição Estadual, pois, é exigência elementar à criação de cargos públicos a descrição de suas atribuições em lei.

 

B - DA NATUREZA TÉCNICA OU BUROCRÁTICA DAS FUNÇÕES DESEMPENHADAS PELOS CARGOS DE DIRETOR DE ESCOLA, ASSISTENTE DE DIRETOR DE ESCOLA, COORDENADOR PEDAGÓGICO E ORIENTADOR EDUCACIONAL

 

25.              Os cargos de Diretor de Escola, Assistente de Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico e Orientador Educacional, previstos nos incisos I, letras a, b, c e d, do artigo 2º, da Lei n. 5.051/2011, conforme o rol de atribuições do anexo I do respectivo diploma legal, desempenham atividades nitidamente técnico-profissionais relacionadas à área da educação, sem muita margem de autonomia, haja vista estarem vinculados e sujeitos às normas do sistema nacional da educação.

26.              Como foi exposto acima, houve no Município de São Caetano do Sul a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão e, do mesmo modo, se revela abusiva a criação de funções de confiança para cargos de natureza técnica ou burocrática.

27.              Os cargos criados de Diretor de Escola, Assistente de Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico e Orientador Educacional consistem em funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais, e, por isso, devem ser preenchidos por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo recrutados após prévia aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos.

28.              A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento pelo sistema de mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado). 

29.              Para atribuição de função de confiança para determinado cargo, a hipótese deve reclamar especial relação de confiança para desenvolvimento de funções de nível superior de condução das diretrizes políticas do governo.

30.              Não há, evidentemente, nenhum componente nos postos Diretor de Escola, Assistente de Diretor de Escola, Coordenador Pedagógico e Orientador Educacional a exigir o controle de execução das diretrizes políticas do governante a ser desempenhado por alguém que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas, sendo, por isso, ofensivas aos princípios de moralidade e impessoalidade (art. 111, Constituição Estadual) que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.

 

III – Pedido liminar

31.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação, consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção de remuneração à custa do erário.

32.              À luz desta contextura, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação,do art. 1º, item 1, letra c e item 11, da Lei n. 3.275, de 19 de fevereiro de 1993; art.1º da Lei n. 4.209, de 10 de março de 2004; art. 1º, incisos I, II, III e IV da Lei n. 3.954, de 19 de março de 2001; art.2º da Lei n. 4.356, de 14 de dezembro de 2005; art.4º da Lei n. 4.489, de 22 de março de 2007; art. 1º, inciso I a III da Lei n. 4.032, de 05 de dezembro de 2001; art.2º, inciso III e IV da Lei n. 4.303, de 29 de junho de 2005; art.2º, inciso I, e Anexo I da Lei n. 5.051, de 14 de dezembro de 2011, e por arrastamento, do art. 2º da Lei n. 3.949, de 07 de março de 2001 do Município de São Caetano do Sul.

 

IV. DA INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO

33.          Não se pode olvidar que, acaso acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade, serão automaticamente restaurados dispositivos de leis anteriores que padecem do mesmo vício de constitucionalidade no que concerne à criação dos referidos cargos e empregos em comissão.

34.          Torna-se, portanto, necessário que se reconheça sua inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, sob pena de se instaurar situação mais gravosa que aquela que se busca combater.

35.          A respeito da inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:

"(...) se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento' ou por 'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional Esquematizado", Saraiva, 13ª Edição, p. 208).

36.        Segundo precedentes do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09-06-2005, p. 4).

37.        A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

38.        Restabelecidos os efeitos da lei revogada, dá-se o que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o Supremo Tribunal Federal que:

 "A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração da inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2002).

39.          Nesse contexto, a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento, do artigo 2º da Lei 3.949, de 07 de março de 2001, do Município de São Caetano do Sul,é medida de rigor, pois referida norma apresenta o mesmo vício que macula os dispositivos que figuram como objeto desta ação direta de inconstitucionalidade.

 

V – Pedido

40.          Face ao exposto, requerendo o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º, item 1, letra c e item 11, da Lei n. 3.275, de 19 de fevereiro de 1993; art.1º da Lei n. 4.209, de 10 de março de 2004; art. 1º, incisos I, II, III e IV da Lei n. 3.954, de 19 de março de 2001; art.2º da Lei n. 4.356, de 14 de dezembro de 2005; art.4º da Lei n. 4.489, de 22 de março de 2007; art. 1º, inciso I a III da Lei n. 4.032, de 05 de dezembro de 2001; art.2º, inciso III e IV da Lei n. 4.303, de 29 de junho de 2005; art.2º, inciso I, e Anexo I da Lei n. 5.051, de 14 de dezembro de 2011, e por arrastamento, do art. 2º da Lei n. 3.949, de 07 de março de 2001 do Município de São Caetano do Sul.

41.          Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São Caetano do Sul, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                            Termos em que, pede deferimento.

                               São Paulo, 13 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº195.005/13

Interessado: Promotoria de Justiça de São Caetano do Sul

 

 

               Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em facedo art. 1º, item 1, letra c e item 11, da Lei n. 3.275, de 19 de fevereiro de 1993; art.1º da Lei n. 4.209, de 10 de março de 2004; art. 1º, incisos I, II, III e IV da Lei n. 3.954, de 19 de março de 2001; art.2º da Lei n. 4.356, de 14 de dezembro de 2005; art.4º da Lei n. 4.489, de 22 de março de 2007; art. 1º, inciso I a III da Lei n. 4.032, de 05 de dezembro de 2001; art.2º, inciso III e IV da Lei n. 4.303, de 29 de junho de 2005; art.2º, inciso I, e Anexo I da Lei n. 5.051, de 14 de dezembro de 2011, e por arrastamento, do art. 2º da Lei n. 3.949, de 07 de março de 2001 do Município de São Caetano do Sul.

               Promovo arquivamento parcial da representação em face da Lei 2.439, de 01 de setembro de 1977, por ser precedente à Constituição (Federale Estadual).

Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 13 de junho de 2014.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça