EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 174.332/2013

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 8.285, de 30 de outubro de 2013, do Município de Presidente Prudente, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a prioridade em matrículas em escolas e creches da Rede Pública de Ensino Municipal para crianças em idade compatível, vítimas de violência doméstica de natureza física e/ou sexual, como também filhas (os) de mulheres vítimas de violência da mesma natureza”.

2. Encontra-se na reserva da administração e na iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo a instituição de programas e a regulamentação das condições de prestação e acesso dos cidadãos aos serviços públicos. Inconstitucionalidade. Violação dos arts. 5º, 47, II e XIV, e 144 da Constituição Estadual.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da Lei nº 8.285, de 30 de outubro de 2013, do Município de Presidente Prudente, pelos fundamentos a seguir expostos.

1. DO ATOS NORMATIVO IMPUGNADO.

A Lei nº 8.285, de 30 de outubro de 2013, do Município de Presidente Prudente, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a prioridade em matrículas em escolas e creches da Rede Pública de Ensino Municipal para crianças em idade compatível, vítimas de violência doméstica de natureza física e/ou sexual, como também filhas (os) de mulheres vítimas de violência da mesma natureza”, tem a seguinte redação:

O ato normativo impugnado é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

O ato normativo impugnado de iniciativa parlamentar  disciplina aspecto relacionado a regulamentação do acesso de crianças vítimas de violência doméstica ou filhas (os) de mulheres vítimas de violência da mesma natureza ao serviço público municipal de educação.

A disciplina da forma de prestação e acesso dos cidadãos aos serviços públicos municipais é matéria que se encontra no âmbito de competência do Poder Executivo.

Assim sendo, o ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional por conter vício de iniciativa e por violar o princípio da separação de poderes, previsto nos arts. 5º, 47, II e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista, os quais dispõem o seguinte:

“Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 47 – Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

II – exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual;

(...)

XIV – praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”

Cabe privativamente ao Poder Executivo a regulamentação dos serviços públicos que presta direta ou indiretamente.

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, que prevê prioridade de matrícula de crianças vítimas de violência doméstica e/ou sexual em escolas e creches da rede pública de ensino municipal, viola a cláusula da separação de poderes constante do art. 5º da Constituição Estadual.

A disciplina das condições de prestação e acesso aos serviços públicos, encontra-se na reserva de ato da Administração à luz do art. 47, II e XIV, da Constituição do Estado, todos aplicáveis aos Municípios por obra do art. 144 da Constituição Estadual.

O Executivo não deve sofrer indevida interferência em sua primacial função de administrar (planejamento, direção, organização e execução das atividades da Administração).

Assim, quando o Poder Legislativo disciplina, ainda que parcialmente, aspectos relacionados ao serviço público, instituindo regras de prioridade e requisitos para matrículas nas escolas e creches da rede pública municipal, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador Público, violando o princípio da separação de poderes.

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público.

A educação e a proteção à infância é um direito social (art. 6º da Constituição Federal) e dever do Estado (art. 205 da Constituição Federal), cabendo ao Município, prioritariamente, nos termos do art. 240 da Constituição Estadual, a responsabilidade pelo ensino fundamental.

Tratando-se de serviço estatal obrigatório cabe ao Poder Executivo a organização e funcionamento da administração municipal que compreende o Sistema de Ensino Municipal nos termos do § 1º do art. 239 da Constituição Estadual.

Assim, não é dado ao Poder Legislativo se imiscuir nessa seara para regulamentar aspectos que têm relação direta com a atuação administrativa.

De outro lado, como programa ou política de governo voltada ao amparo de crianças vítimas de violência doméstica o ato normativo tem natureza administrativa e importa em ingerência do Poder Legislativa na órbita do Poder Executivo.

A matéria disciplinada pela lei impugnada encontra-se no âmbito da atividade administrativa do município, cuja organização, funcionamento e direção superior cabem ao Prefeito Municipal, com auxílio dos Secretários Municipais.

Seja por disciplinar aspectos da prestação de um serviço público, seja por caracterizar programa de governo, trata-se de matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

O ato normativo impugnado disciplina atividade nitidamente administrativa, representativa de atos de gestão, de escolha política para a satisfação das necessidades coletivas, vinculadas aos direitos fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e inserida na esfera do poder discricionário da administração.

Não se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Logo, o Poder Legislativo não pode através de lei ocupar-se da administração, sob pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do Poder Executivo.

Quando o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa, como ocorre, no caso em exame, invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do administrador público, violando o princípio da separação de poderes.

Cabe essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a respeito da conveniência e da oportunidade em priorizar a matrícula em creches e escolas às crianças vítimas de violência doméstica, ou instituir outro programa mais abrangente e específico para sua proteção. Trata-se de atuação administrativa que é fundada em escolha política de gestão, na qual é vedada intromissão de qualquer outro poder.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts. 5º, 47, II, XIV e XIX, a e 144).

É pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outro lado, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”.

Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que devem existir entre os poderes estatais.

A matéria tratada na lei encontra-se na órbita da chamada reserva da administração, que reúne as competências próprias de administração e gestão, imunes à interferência de outro poder (art. 47, II e IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.

Ainda que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei alguma matéria típica de gestão municipal, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo quando ele não possa discipliná-la por decreto nos termos do art. 47, XIX, da Constituição Estadual.

Assim, a Lei, ao re gulamentar, ainda que parcialmente um serviço público, de um lado, viola o art. 47, II e XIV, no estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, e de outro, ela ofende o art. 24, §2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo.

 Criar programas e disciplinar serviços públicos – precisamente o que se verifica na hipótese em exame - é matéria exclusivamente relacionada à Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.

 

3. DO PEDIDO.

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 8.285, de 30 de outubro de 2013, do Município de Presidente Prudente.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e à Câmara Municipal de Presidente Prudente, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 01 de julho de 2014.

 

                            Márcio Fernando Elias Rosa

                            Procurador-Geral de Justiça

 

aca


 

 

Protocolado nº 174.332/2013

Interessados:  Promotoria de Justiça da Infância e Juventude de Presidente Prudente

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 8.285, de 30 de outubro de 2013, do Município de Presidente Prudente

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 8.285, de 30 de outubro de 2013, do Município de Presidente Prudente, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 01 de julho de 2014.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

 Procurador-Geral de Justiça

 

 

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