Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 114.472/13

 

 

 

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Ausência de excepcionalidade. CE/89. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. 2. Lei local que genericamente “disciplina as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público” é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. A descrição de hipóteses que não denotam transitoriedade burla o sistema de mérito, compatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, CE/89).

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “situação de emergência” do inciso I do art. 2º; dos incisos II, III, IV, V e VI do art. 2º; da alínea “c” do § 2º do art. 3º; do “caput” do art. 4º e do art. 10º da Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1.                A Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba, disciplina as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, da seguinte maneira, no que interessa:

“Art. 2.º As contratações a que se refere o artigo 1º somente poderão ocorrer nos seguintes casos:

I-                  calamidade pública ou situação de emergência;

II-                inundações, enchentes, incêndios, epidemias e surtos;

III-              campanhas de saúde pública;

IV-             prejuízo ou perturbações na prestação de serviços públicos essenciais;

V-               de emergência, quando caracterizada a urgência e inadiabilidade de atendimento da situação que possa comprometer a realização de eventos, ou ocasionar prejuízo à saúde ou à segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares;

VI-             necessidade de pessoal, em decorrência de exoneração e licença nas unidades de prestação de serviços essenciais;

(...)

Art. 3.º As contratações serão feitas pelo tempo estritamente necessário para atender às hipóteses elencadas no artigo anterior, observado o prazo máximo de 12 (doze) meses.

(...)

§ 2.º É vedada a prorrogação de contrato, salvo se:

(...)

c) homologado o concurso público destinado ao provimento de cargos cujas funções estejam sendo exercidas por contratados nos termos desta Lei e publicada oficialmente, a autorização para nomeação dos candidatos habilitados no referido certame, poderão, em caráter excepcional, ser prorrogados os contratos em vigor, ao seu término, por uma única vez, pelo prazo máximo de 6 (seis) meses, quando houver necessidade inadiável para o regular funcionamento da unidade onde os contratados se encontrem prestando serviços, desde que tal medida não acarrete o preterimento de candidatos aprovados no respectivo concurso ou qualquer outro prejuízo.

Art. 4.º As contratações serão precedidas de processo, iniciado por proposta dos Secretários Municipais, e mediante prévia autorização do Prefeito, ouvida a Secretaria Municipal de Administração, para eventuais esclarecimentos.

(...)

Art. 9.º Ocorrerá a rescisão contratual:

I-                  a pedido do contratado;

(...)

Art. 10.º Na hipótese do inciso I do artigo anterior, o servidor terá direito ao 13.º salário proporcional ao tempo de serviço prestado.”

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

2.                A lei municipal impugnada contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

3.                Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

4.                O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

5.                Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição Estadual.

6.                A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

7.                Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

8.                A lei municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas: 

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.

9.                Com efeito, inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

10.              A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

11.              A lei local impugnada genericamente é instituída para disciplinar as contratações por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, à míngua de qualquer característica excepcional.

12.              Neste sentido, explica a literatura que:

“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).

13.              A lei específica não poderá utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).

“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).

14.              Não é somente a temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo determinado, pois, ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a excepcionalidade da medida.

15.              Com efeito, as situações ventiladas nos incisos I a VI do art. 2º não espelham extraordinariedade, imprevisibilidade e urgência que fundamentam a legitimidade da admissão temporária de pessoal no serviço público, na medida em que traduzem situações concretas ou abstratas, presentes, passadas ou futuras, da rotina administrativa, e cuja execução compete, de ordinário, a servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Mencionados dispositivos da lei local – através de expressões abrangentes e genéricas - autorizam a contratação temporária para a prestação de serviços públicos que tipicamente incumbem à Admininstração Pública, não configurando situação capaz de legitimar a contratação por tempo determinado.

16.              No que tange à alínea “c” do § 2º do art. 3º da lei impugnada, ao autorizar a prorrogação do contrato na hipótese de homologação de concurso público destinado ao provimento de funções que estejam sendo exercidas por contratados temporariamente nos termos da lei, possibilita que a Administração Pública prorrogue, mesmo assim, os contratos temporários, gerando maior comprometimento das despesas públicas. A regra é o sistema do concurso público, cuja exceção é a contratação temporária necessária a excepcional interesse público. A coexistência do servidor contratado temporariamente e do servidor de provimento efetivo na máquina estatal configura situação irrazoável, ineficiente e inconstitucional, pois não cumpre os requisitos da temporariedade e da excepcionalidade exigidos pelo art. 37, IX da Constituição Federal. O mencionado dispositivo viola o sistema de mérito, sendo, pois, incompatível com os princípios da isonomia, moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111 e 115, II, CE/89).

17.              O art. 4º da lei local impugnada limita-se a estabelecer que

“as contratações serão precedidas de processo”, sem, no entanto, explicar as condições deste procedimento de contratação. É necessário que haja um processo seletivo, transparente e objetivo, em função da necessidade temporária de excepcional interesse público, de modo que a imprecisão e a generalidade terminológica constituem violação aos princípios de impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade e eficiência, constantes do art. 111 da Constituição Estadual. A mera menção à exigência de “processo” prévio à contratação incute elemento assaz subjetivo incompatível na condução dos negócios públicos.

18.              O art. 10, por sua vez, prevê hipótese de rescisão contratual a pedido do contratado, estabelecendo que o servidor terá direito ao 13º salário proporcional ao tempo de serviço prestado. A contratação de natureza administrativa, cujo regime jurídico é próprio e diferenciado, não garante aos servidores temporários os direitos delineados pela Consolidação das Leis do Trabalho. A Administração Pública não tem o dever de pagar o 13º salário proporcional ao tempo de serviço prestado na hipótese em que o contratado para atender necessidade de excepcional interesse público opta, voluntariamente, pela rescisão contratual.

19.              Portanto, a expressão “situação de emergência” do inciso I do art. 2º; os incisos II, III, IV, V e VI do art. 2º; a alínea “c” do § 2º do art. 3º; o “caput” do art. 4º e o art. 10º da lei impugnada são incompatíveis com os arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual.

III – Pedido liminar

20.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências, lesivas ao erário.

21.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da expressão “situação de emergência” do inciso I do art. 2º; dos incisos II, III, IV, V e VI do art. 2º; da alínea “c” do § 2º do art. 3º; do “caput” do art. 4º e do art. 10º da Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba.

IV – Pedido

22.              Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da expressão “situação de emergência” do inciso I do art. 2º; dos incisos II, III, IV, V e VI do art. 2º; da alínea “c” do § 2º do art. 3º; do “caput” do art. 4º e do art. 10º da Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba.

23.              Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Araçatuba, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

         São Paulo, 01 de julho de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

wpmj/mam

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 114.472/13

Interessado:  Promotoria de Justiça de Araçatuba

Assunto: Inconstitucionalidade da expressão “situação de emergência” do inciso I do art. 2º; dos incisos II, III, IV, V e VI do art. 2º; da alínea “c” do § 2º do art. 3º; do “caput” do art. 4º e do art. 10º da Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da expressão “situação de emergência” do inciso I do art. 2º; dos incisos II, III, IV, V e VI do art. 2º; da alínea “c” do § 2º do art. 3º; do “caput” do art. 4º e do art. 10º da Lei n. 7.557, de 03 de julho de 2013, do Município de Araçatuba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 01 de julho de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

          Procurador-Geral de Justiça

wpmj/mam