EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

Protocolado nº 123.860/2013

                                              

Ementa:

 

1)        Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté, que vincula os servidores temporários ao regime celetista.

2)        É incompatível a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista por conferir, indiretamente, estabilidade inconciliável com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços. Violação dos princípios da razoabilidade e da moralidade (arts. 111 e 115, X, da Constituição Estadual)

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 123.860/2013, que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da expressão “e submetidos ao regime de emprego estatuído pela CLT” contida no art.  74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté, pelos fundamentos expostos a seguir:

1.     DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça da Cidadania de Taubaté.

O art. 74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté tem a seguinte redação (dada pela Lei Complementar nº 57, de 29 de setembro de 1995):

“Art. 74. Os servidores ocupantes das funções públicas previstas neste Capítulo estão excluídos do disciplinamento da presente Lei e submetidos ao regime de emprego estatuído pela CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, ficando, entretanto, vinculados ao sistema previdenciário próprio do Município.”

Ainda, o referido artigo encontra-se inserido no Capítulo IV do Título II, que cuida das funções públicas de natureza temporária.

2.     O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

Tal ato normativo contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado que dispõe que:

 “Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O mencionado art. 144 da Constituição Estadual é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição Estadual.

Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

 A vinculação dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista é incompatível com os seguintes artigos da Constituição Estadual:

“Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”

3.     DA FUNDAMENTAÇÃO

Inspirado pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do interesse público (Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).

A obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na excepcionalidade do interesse público.

De outro lado, a sujeição dos ocupantes de funções temporárias ao regime celetista não encontra respaldo constitucional. Pelo contrário, sob o pálio do art. 37, II, da Constituição Federal, reproduzido no art. 115, II, da Constituição Estadual, os contratos temporários são inconciliáveis com o regime jurídico celetista que, por excelência, reprime a dispensa imotivada.

Com efeito, a contratação por tempo determinado serve a necessidade temporária de excepcional interesse público, devendo durar enquanto as circunstâncias que o justificaram persistir.

A inserção dessas funções no regime celetista, portanto, é incompatível com essa estrutura normativo-constitucional porque, para além, fornece, indiretamente, uma estabilidade incompossível com a natureza do serviço, na medida em que o regime celetista de vínculo reprime a dispensa imotivada do empregado pela imposição de ônus financeiro ao tomador de serviços (aviso prévio, multa rescisória, indenização e outros consectários de similar natureza).

De fato, o desprovimento da função temporária é medida discricionária orientada pelos critérios de oportunidade e de conveniência da Administração Pública, e a sua sujeição ao regime celetista tolhe a liberdade de exoneração reservada ao administrador público.

A subordinação dos servidores públicos temporários ao regime celetista importa em franca violação aos princípios jurídicos da moralidade e da razoabilidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal e no art. 111 da Constituição Estadual.

Enquanto a razoabilidade serve como parâmetro no controle da legitimidade substancial dos atos normativos, requerente de compatibilidade aos conceitos de racionalidade, justiça, bom senso, proporcionalidade etc., interditando discriminações injustificáveis e, por isso, desarrazoadas, a moralidade se presta à mensuração da conformidade do ato estatal com valores superiores (ética, boa fé, finalidade, boa administração etc.), vedando atuação da Administração Pública pautada por móveis ou desideratos alheios ao interesse público (primário) – ou seja, censura o desvio de poder que também tem a potencialidade de incidência nos atos normativos.

Na espécie, a lei municipal infringe ambos os princípios. Como a contratação para serviços temporários constitui exceção à regra constitucional do acesso à função pública (lato sensu) mediante concurso público, possibilitando a investidura por outros critérios, sob o pálio da instabilidade e da transitoriedade do vínculo como elementos essenciais de sua duração, é desarrazoada e imoral a outorga de prerrogativas próprias do regime contratual a seus ocupantes, tendo em conta que este sanciona a dispensa imotivada com a indenização compensatória (e outros consectários). Trata-se da atribuição de uma garantia absolutamente imprópria a uma relação jurídica precária e instável.

O padrão ordinário, normal e regular, advindo da Constituição, não admite a oneração dos cofres públicos para o custeio da exoneração de emprego temporário, à luz da conformação constitucional que realça a natureza excepcional e temporária de seu provimento - orientada por força de ingredientes puramente excepcional de necessidade e interesse público. Em suma, a sujeição dos servidores temporários ao regime celetista implica intolerável outorga de uma série de vantagens caracterizadoras de privilégio inadmissível à vista da natureza da contratação cuja marca eloquente é a instabilidade e temporariedade ditada por necessidade e interesse público.

Portanto, a declaração de inconstitucionalidade da expressão “e submetidos ao regime de emprego estatuído pela CLT” contida no art.  74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté, é medida de rigor.

4.     DOS PEDIDOS

a.    Do Pedido Liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências.

No ponto, afigura-se relevante a possibilidade concreta de ilegítima oneração do erário público em virtude de contratações temporárias vinculadas ao regime celetista.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da expressão “e submetidos ao regime de emprego estatuído pela CLT” contida no art. 74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté.

b.    Do Pedido Principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da expressão “e submetidos ao regime de emprego estatuído pela CLT” contida no art. 74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações ao Prefeito Municipal e à Câmara Municipal de Taubaté, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

São Paulo, 07 de julho de 2014.

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca


Protocolado nº 123.860/2013

Interessado: Promotoria de Justiça da Cidadania de Taubaté

Assunto: Inconstitucionalidade do art. 74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté.

 

 

1.      Distribua digitalmente a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da expressão “e submetidos ao regime de emprego estatuído pela CLT” contida no art. 74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté.

2.      De outro lado, arquive-se os autos em relação à alegação de inconstitucionalidade do art.  74 da Lei Complementar nº 001, de 04 de dezembro de 1990, do Município de Taubaté, uma vez que a vinculação dos servidores contratados para funções públicas de natureza temporária ao regime previdência próprio do Município, sem a obrigatória participação contributiva, estabelecida pelo dispositivo legal impugnado, deixou de vigorar em razão de sua não recepção e revogação pela Emenda Constitucional nº 19/98, conforme ressaltado pelo Município.

3.      Oficie-se a representante informando a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 07 de julho de 2014.

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca