Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado n. 10.651/13
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta Inconstitucionalidade. Leis Complementares n. 38, de 06 de agosto de 2008, n. 45, de 27 de julho de 2009, n. 55, de 15 de março de 2010, e n. 56, de 20 de março de 2010, do Município de Buritama. Criação abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão. Ausência de descrição das atribuições de assessoramento, chefia e direção. É Inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão desprovida da descrição de atribuições de assessoramento, chefia e direção (art. 115, II e V, CE/89).
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face das Leis
Complementares n. 38, de 06 de agosto de 2008, n. 45, de 27 de julho de 2009,
n. 55, de 15 de março de 2010, e n. 56, de 20 de março de 2010, do Município de
Buritama, pelos
fundamentos a seguir expostos:
I – Os Atos Normativos Impugnados
1. No
Município de Buritama foram editadas as seguintes leis criando cargos de
provimento em comissão sem descrição de suas atribuições:
a) Lei Complementar n. 38, de 06 de
agosto de 2006, que cria os cargos de provimento em comissão de Auditor,
Autorizador e Controlador (fl. 37);
b) Lei Complementar n. 45, de 27 de
julho de 2009, que cria o cargo de provimento em comissão de Diretor da Divisão
Municipal de Habitação e Urbanismo (fl. 44);
c) Lei Complementar n. 55, de 15 de
março de 2010, que cria os cargos de provimento em comissão de Gestor de
Programas Bolsas Família e de Coordenador de Programas Sociais (fl. 56);
d) Lei Complementar n. 56, de 20 de
março de 2010, que cria o cargo de provimento em comissão de Chefe dos Setores
de Turismo e Esporte (fl. 91).
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
2. As leis impugnadas contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
3. Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição
do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim
estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
4. As
normas contestadas são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 – Para a organização da administração pública direta ou indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento; (...)”.
5. É
inconstitucional a criação de cargos de provimento em comissão cujas
atribuições são de natureza burocrática, ordinária, técnica, operacional e
profissional, que não revelam plexos de assessoramento, chefia e direção, e que
devem ser desempenhadas por servidores investidos em cargos de provimento
efetivo mediante aprovação em concurso público.
6. A criação de cargos de provimento em comissão não pode ser desarrazoada, artificial, abusiva ou desproporcional, devendo, nos termos do art. 37, II e V, da Constituição Federal de 1988, e do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, ater-se às atribuições de assessoramento, chefia e direção para as quais se empenhe relação de confiança, sendo vedada para o exercício de funções técnicas ou profissionais às quais é reservado o provimento efetivo precedido de aprovação em concurso público de provas ou de provas e títulos, como apanágio da moralidade, da impessoalidade e da eficiência.
7. Não é lícito à lei declarar a liberdade de provimento de qualquer cargo ou emprego público, somente àqueles que requeiram relação de confiança nas atribuições de natureza política de assessoramento, chefia e direção, e não nos meramente burocráticos, definitivos, operacionais, técnicos, de natureza profissional e permanente.
8.
Portanto, têm a ver com essas atribuições de natureza
especial (assessoramento, chefia e direção em nível superior), para as quais se
exige relação de confiança, pouco importando a denominação e a forma de
provimento atribuídas, pois,
9. É
dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições
de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja
presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o
desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes
político-governamentais. Não coaduna a criação de cargos desse jaez – cuja
qualificação é matéria da reserva legal absoluta – com atribuições ou funções
profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas, administrativas,
rotineiras.
10. Para
tanto, é absolutamente imprescindível que a lei descreva as efetivas
atribuições do cargo de provimento em comissão para se aquilatar se realmente
se amoldam às funções de assessoramento, chefia e direção. Isto se amolda ao
próprio princípio da legalidade – porque a reserva legal exige lei em sentido
formal para disciplina das atribuições de cargo público, como adverte a
doutrina:
“(...) somente a lei pode criar esse conjunto
inter-relacionado de competências, direitos e deveres que é o cargo público.
Essa é a regra geral consagrada no art. 48, X, da Constituição, que comporta
uma ressalva à hipótese do art. 84, VI, b. Esse dispositivo permite ao Chefe do
Executivo promover a extinção de cargo público, por meio de ato administrativo.
A criação e a disciplina do cargo público faz-se necessariamente por lei no
sentido de que a lei deverá contemplar a disciplina essencial e indispensável.
Isso significa estabelecer o núcleo das competências, dos poderes, dos deveres,
dos direitos, do modo da investidura e das condições do exercício das
atividades. Portanto, não basta uma lei estabelecer, de modo simplista, que
‘fica criado o cargo de servidor público’. Exige-se que a lei promova a
discriminação das competências e a inserção dessa posição jurídica no âmbito da
organização administrativa, determinando as regras que dão identidade e
diferenciam a referida posição jurídica” (Marçal Justen Filho. Curso de Direito Administrativo, São
Paulo: Saraiva, 2005, p. 581).
11.
Pois, somente a partir da
descrição precisa das atribuições do cargo público será possível, a bem do
funcionamento administrativo e dos direitos dos administrativos, averiguar-se a
completa licitude do exercício de suas funções pelo agente público. Trata-se de
exigência relativa à competência do agente público para a prática de atos em
nome da Administração Pública e, em especial, aqueles que tangenciam os
direitos dos administrados, e que se espraia à aferição da legitimidade da
forma de investidura no cargo público que deve ser guiada pela legalidade, moralidade,
pela impessoalidade e pela razoabilidade.
12. Nem se alegue, por oportuno, que
ao Chefe do Poder Executivo remanesceria competência para descrição das
atribuições dos empregos públicos, sob pena de convalidar a invasão de matéria
sujeita exclusivamente à reserva legal. A possibilidade de regulamento autônomo
para disciplina da organização administrativa não significa a outorga de
competência para o Chefe do Poder Executivo fixar atribuições de cargo público
e dispor sobre seus requisitos de habilitação e forma de provimento. A alegação
cede à vista do art. 61, § 1°, II, a,
da Constituição Federal, e do art. 24, § 2º, 1, que, em coro, exigem lei em
sentido formal. Regulamento administrativo (ou de organização) contém normas
sobre a organização administrativa, isto é, a disciplina do modo de prestação
do serviço e das relações intercorrentes entre órgãos, entidades e agentes, e
de seu funcionamento, sendo-lhe vedado criar cargos públicos, somente
extingui-los desde que vagos (arts. 48, X, 61, § 1°, II, a, 84, VI, b,
Constituição Federal; art. 47, XIX, a,
Constituição Estadual) ou para os fins de contenção de despesas (art. 169, §
4°, Constituição). Bem explica Celso Antonio Bandeira de Mello que o
regulamento previsto no art. 84, VI, a,
da Constituição, é:
“(...) mera competência para um arranjo intestino dos órgãos e competências já criadas por lei’, como a transferência de departamentos e divisões, por exemplo (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2006, 21ª ed., pp. 324-325).
13. Neste sentido, pronuncia a
jurisprudência a inconstitucionalidade de leis que delegam ao Poder Executivo a
fixação da descrição das atribuições de cargos de provimento em comissão (STF, RE 577.025-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 11-12-2008, v.u., DJe 0-03-2009; STF, ADI 3.232-TO,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 14-08-2008, v.u., DJe 02-10-2008; TJSP,
ADI 170.044-0/7-00, Órgão Especial, Rel. Des. Eros Piceli, 24-06-2009, v.u.).
14. E, ademais, proclama a inconstitucionalidade de leis que criam cargos de provimento em comissão que possuem atribuições técnicas, burocráticas ou profissionais, ao exigir que elas demonstrem, de forma efetiva, que eles tenham funções de assessoramento, chefia ou direção (STF, ADI 3.706-MS, Rel. Min. Gilmar Mendes, v.u., DJ 05-10-2007; STF, ADI 1.141-GO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 29-08-2002, v.u., DJ 29-08-2003, p. 16; STF, AgR-ARE 680.288-RS, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 26-06-2012, v.u., DJe 14-08-2012; STF, AgR-AI 309.399-SP, Rel. Min. Dias Toffoli, Informativo STF 663; STF, AgR-RE 693.714-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Luiz Fux, 11-09-2012, v.u., DJe 25-09-2012; STF, ADI 4.125-TO, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cármen Lúcia, 10-06-2010, v.u., DJe 15-02-2011; TJSP, ADI 150.792-0/3-00, Órgão Especial, Rel. Des. Elliot Akel, v.u., 30-01-2008). Neste sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS 6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente” (STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007, v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
“Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito administrativo. 3. Criação de cargos em comissão por leis municipais. Declaração de inconstitucionalidade pelo TJRS por violação à disposição da Constituição estadual em simetria com a Constituição Federal. 3. É necessário que a legislação demonstre, de forma efetiva, que as atribuições dos cargos a serem criados se harmonizam com o princípio da livre nomeação e exoneração. Caráter de direção, chefia e assessoramento. Precedentes do STF. 4. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento” (STF, AgR-ARE 656.666-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Gilmar Mendes, 14-02-2012, v.u., DJe 05-03-2012).
15. A ausência de fixação de atribuições
desses cargos caracteriza violação dos 111 e 115, II e V, da Constituição
Estadual, pois, é exigência elementar à criação de cargos públicos a descrição
de suas atribuições em lei.
III – Pedido liminar
16. À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de
princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se atuação desconforme o
ordenamento jurídico, criadora de lesão irreparável ou de difícil reparação,
consistente na admissão ilegítima de servidores públicos e correlata percepção
de remuneração à custa do erário.
17. À luz desta contextura, requer a concessão de liminar
para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, das Leis Complementares n. 38, de 06
de agosto de 2008, n. 45, de 27 de julho de 2009, n. 55, de 15 de março de
2010, e n. 56, de 20 de março de 2010, do Município de Buritama.
IV – Pedido
18. Face ao exposto, requerendo o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade das Leis Complementares n. 38, de 06 de agosto de 2008, n.
45, de 27 de julho de 2009, n. 55, de 15 de março de 2010, e n. 56, de 20 de
março de 2010, do Município de Buritama.
19. Requer-se ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Buritama, bem como posteriormente
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 02 de maio de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj
Protocolado n. 10.651/13
Interessado: Promotoria de Justiça de Buritama
Objeto: representação para controle de constitucionalidade de leis do Município de Buritama
Promova-se a distribuição no egrégio Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo da ação direta de inconstitucionalidade
impugnando as Leis Complementares n. 38, de 06 de agosto de 2008, n. 45, de 27
de julho de 2009, n. 55, de 15 de março de 2010, e n. 56, de 20 de março de
2010, do Município de Buritama, instruída com o protocolado em epígrafe
referido.
Arquivo
parcialmente o protocolado em relação à Lei Complementar n. 25, de 24 de abril
de 2007, do Município de Buritama, que cria o cargo de provimento em comissão
de Superintendente do Instituto de Previdência Municipal de Buritama – IPREM
porque, conforme consta do parágrafo único do art. 1º dessa lei, suas
atribuições estão fixadas no art. 25 da Lei Complementar n. 16/06 (fls. 26/36).
Ciência
à douta Promotoria de Justiça de Buritama, enviando-lhe cópia.
São Paulo, 02 de
maio de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj