EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E.
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
nº 100.457/12
Assunto:
Inconstitucionalidade de dispositivos de Leis Municipais e Resolução, todas de Araraquara,
que preveem auxílio-alimentação a inativos e pensionistas.
Ementa:
1)
Ação
direta de inconstitucionalidade. Leis Municipais que preveem o denominado
“auxílio-alimentação” extensivo a servidores inativos.
2)
Inconstitucionalidade.
Ofensa ao princípio da razoabilidade. Benefícios que não atendem ao interesse
público e às exigências do serviço (arts. 111 e 128 da Constituição Paulista,
aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da mesma Carta).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de
1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso
IV, da Constituição da República, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso
III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações
colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 100.457/12), que segue anexo com seus dois
volumes), vem, perante esse Egrégio
Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE de dispositivos
de Leis Municipais e Resolução da Câmara Municipal de Araraquara, pelos
fundamentos expostos a seguir.
1. Dispositivos impugnados.
A propositura da
presente ação direta decorre de representação endereçada a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo DD. Promotor de Justiça do Patrimônio Público e
Social de Araraquara (fls. 2/7).
A
inconstitucionalidade está assentada em dispositivos legais que preveem o “auxílio-alimentação”
extensivo a servidores inativos.
Pedimos vênia
para transcrever os atos normativos do Município de Araraquara, colocando em destaque (negrito) os
dispositivos ou partes deles que são inconstitucionais.
“Lei municipal n. 4.506, De 29 de junho de 1.995, que institui auxílio-alimentação para os servidores do Poder Executivo e do Departamento Autônomo de Água e Esgoto – DAAE, e dá outras providências:
Art.
1º. Fica
instituído auxílio-alimentação para os servidores ativos e inativos do Poder Executivo sob a forma de distribuição de documentos
para aquisição de gêneros alimentícios “in natura” ou preparados para consumo
imediato, em estabelecimentos comerciais.
Parágrafo
único. O valor do benefício a que se
refere este artigo será fixado e revisto por Decreto, consideradas as necessidades
básicas de alimentação e as disponibilidades do erário.
Art.
2º. O benefício não se incorpora à remuneração do servidor, e, sobre ele, não
incidirão quaisquer contribuições trabalhistas, previdenciárias ou fiscais.
Art.
3º. Não fará jus ao auxílio-alimentação, o servidor licenciado, salvo em caso
de doença, ou afastado do exercício do cargo ou função.
Art.
4º. Os efeitos desta lei se estendem aos servidores do Departamento Autônomo de
Água e Esgoto – DAAE.
Art.
5º. O Poder Executivo regulamentará esta lei no prazo de 30 (trinta) dias.
Art.
6º. As despesas com a execução desta
lei, onerarão as dotações do orçamento do corrente exercício.
Art.
7º. Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as
disposições em contrário”.
“Lei n. 6.252, de 26 de abril de 2005, que altera a redação e acrescenta parágrafos ao artigo 1º da Lei n. 4.506, de 29 de junho de 2005, que instituiu o auxílio-alimentação para os servidores municipais e dá outras providências:
Art.
1º. O art. 1º da Lei n. 4.506, de 29 de junho de 2005, passa a vigorar
acrescido de parágrafo único com a seguinte redação:
Art.
1º. Fica instituído auxílio-alimentação para os servidores ativos da Prefeitura
Municipal sob forma de distribuição de documentos para aquisição de gêneros
alimentícios ‘in natura’ ou preparados para consumo imediato em
estabelecimentos comerciais.
Parágrafo único. O benefício
será estendido aos servidores aposentados, desde que façam jus à complementação
de salário estabelecidas pelas Leis ns. 3.303/86, 3.726/90 e 3.772/90, e no
caso de falecimento, continuará recebendo o dependente pensionista devidamente
reconhecido pelo Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.
Art.
2º. Os efeitos do dispositivo modificado por esta Lei estendem-se ao
Departamento Autônomo de Água e Esgotos – DAAE.”
“Resolução
n. 213, de 27 de junho de 1995, a qual institui auxílio-alimentação para os
funcionários e servidores do Poder Legislativo e dá outras providências.
Art.
1º. Fica instituído o auxílio-alimentação para os funcionários e servidores
ativos e inativos do Poder
Legislativo, sob a forma de distribuição de documento para aquisição de gêneros
alimentícios ‘in natura’ ou preparados para consumo imediato em
estabelecimentos comerciais.
Em síntese, são
inconstitucionais as disposições legais que preveem o “auxílio-alimentação” a
servidores inativos.
Diante disso,
nesta ação direta pede-se a declaração da inconstitucionalidade:
a) da expressão “e inativos”, constante do art. 1º da Lei municipal n. 4.506, de 29 de junho de 1.995;
b) do parágrafo único do art. 1º da Lei n. 6.252, de 26 de abril de 2005;
c) da expressão “e inativos” constantes do art. 1º da Resolução n. 213, de 27 de junho de 2005.
Vejamos os
fundamentos da inconstitucionalidade dessas normas.
2. Fundamentação: inconstitucionalidade
da extensão do “auxílio-alimentação” a inativos e pensionistas.
São
inconstitucionais as disposições legais que estendem o “auxílio-alimentação” a
servidores inativos e a pensionistas.
A razão é
simples.
O
“auxílio-alimentação”, previsto em leis que tratam do regime remuneratório de
servidores públicos, tem natureza indenizatória.
Hely Lopes
Meirelles, (Direito Administrativo
Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 504), a propósito das
indenizações concedidas aos servidores públicos recorda que:
“São
previstas em lei e destinam-se a indenizar o servidor por gastos em razão da
função. Seus valores podem ser fixados em lei ou em decreto, se aquela
permitir. Tendo natureza jurídica indenizatória, não se incorporam à
remuneração, não repercutem no cálculo dos benefícios previdenciários e não
estão sujeitas ao imposto de renda. Normalmente, recebem as seguintes
denominações: ajuda de custo (...) diárias (...) auxílio-transporte (...)
Outras
podem ser previstas pela lei, desde que tenham natureza indenizatória.”
Nesse sentido,
ainda, Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso
de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 308.
Ora, tratando-se
de verba de caráter indenizatório, só se mostra legítima sua concessão aos
servidores em atividade, não aos inativos.
Esse entendimento
encontra-se, inclusive, assentado na súmula 680 do Col. STF, cujo verbete tem a
seguinte redação:
“Súmula 680: O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.”
Além disso, em
inúmeros julgados o Col. STF explicitou as razões da impossibilidade de
extensão da vantagem pecuniária aos inativos e pensionistas. Nesse sentido, confira-se, a título
exemplificativo, a ementa do AI 668.391 AgR/SC, 1ª T., rel. Min. Cármen Lúcia,
j. 26/05/2009, DJe 118, 25-06-2009:
“EMENTA:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO.
AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE DE EXTENSÃO AOS INATIVOS: NATUREZA
INDENIZATÓRIA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.”
Assim, a extensão
do auxílio-alimentação a servidores inativos e a pensionistas também não
encontra apoio no interesse público e nas exigências do serviço, contrariando o
art. 128 da Constituição Paulista, aplicável aos Municípios por força do art.
144 da mesma Carta.
Ademais, tais
regras contrariam o princípio da razoabilidade, assentado no art. 111 da
Constituição do Estado, aplicável aos Municípios por obra do art. 144 da mesma
Carta.
Manifesta-se
claramente o desrespeito ao princípio da razoabilidade, pela desnecessidade de
previsão normativa e por sua inadequação do ponto de vista do Poder Público,
bem ainda pela falta de proporcionalidade em sentido estrito, ao criar encargos
que não se justificam: não se pode
efetuar o pagamento de verba indenizatória a inativos e pensionistas
(recorde-se mais uma vez o caráter indenizatório do auxílio-alimentação) sem
que haja razão legítima para tanto.
Esse raciocínio
tem sido acolhido pela doutrina como argumento suficiente para, por
desconsideração a um dos três aspectos do “teste de razoabilidade”, afastar-se
a legitimidade do ato normativo ou administrativo. Confira-se: Diogo de Figueiredo Moreira Neto, Curso de direito administrativo, 14.
ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 101; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito administrativo, 19. ed., São
Paulo, Atlas, 2006, p. 95; Gilmar Ferreira Mendes, “A proporcionalidade na
jurisprudência do STF”, publicado em Direitos
fundamentais e controle de constitucionalidade, São Paulo, Instituto
Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos Editor, 1998, p. 83.
Último e não
menos importante, impende salientar que é absolutamente desnecessária qualquer
discussão em torno da modulação dos efeitos da decisão que vier a reconhecer a
inconstitucionalidade dos atos normativos impugnados, na medida em que, dado o
caráter alimentar dos pagamentos realizados, não ocorrerá a repetição pelas
vias ordinárias.
3. Da liminar.
Estão presentes, na hipótese examinada,
os pressupostos do fumus bonis iuris
e do periculum in mora, a justificar
a suspensão liminar dos preceitos normativos impugnados.
A razoável fundamentação jurídica decorre
dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que os dispositivos
impugnados nesta ação padecem de inconstitucionalidade.
O perigo da demora decorre especialmente
da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos atos
normativos questionados subsistirá a sua aplicação, com realização de despesas
(e imposição de obrigações à Municipalidade) que dificilmente poderão ser
revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação
direta.
Basta lembrar que os pagamentos
realizados aos servidores públicos, a inativos e a pensionistas certamente não
serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no
sentido do caráter alimentar da prestação.
A ideia do fato consumado, com
repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da
concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com
a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer
o status quo ante.
Assim, a imediata suspensão da eficácia
das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que
já se verificaram.
De resto, ainda que não houvesse essa
singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da
medida. Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos
cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério
relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal
Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente
inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel.
Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC
540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).
Diante do exposto, requer-se a concessão
da liminar, para fins de suspensão
imediata da eficácia dos dispositivos indicados nesta inicial.
4. Conclusão e pedido.
Diante de todo o exposto, aguarda-se o
recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final
seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade das
disposições legais impugnadas nesta inicial, a seguir discriminadas, do
Município de Araraquara:
a) da expressão “e inativos”, constante do art. 1º da Lei municipal n. 4.506, de 29 de junho de 1.995;
b) do parágrafo único do art. 1º da Lei n. 6.252, de 26 de abril de 2005;
c) da expressão “e inativos” constante do art. 1º da Resolução n. 213, de 27 de junho de 2005.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações
à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Araraquara, bem como
citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo
impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para
fins de manifestação final.
Termos em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 10 de outubro de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
ef
Protocolado
nº 100.457/12
Assunto:
Inconstitucionalidade de dispositivos de Leis Municipais e Resolução, todas de Araraquara,
que preveem auxílio-alimentação a inativos e pensionistas
1.
Distribua-se a
inicial da ação direta de inconstitucionalidade.
2.
Oficie-se ao
interessado, com o envio de cópias, comunicando-se a propositura da ação.
3.
Cumpra-se.
São
Paulo, 10 de outubro de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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