Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 101.211/13

 

 

 

Ementa: Constitucional. Previdenciário. Leis Municipais de São Vicente. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Criação de contribuição para custear sistema de assistência à saúde dos servidores públicos municipais. É inconstitucional a instituição de contribuição compulsória para custear sistema de saúde para servidores públicos municipais em razão da ausência de competência tributária do ente federativo (art. 160, IV, da Constituição do Estado de São Paulo). O sistema de saúde é não contributivo e seu acesso é garantido a todos os cidadãos, de modo universal e gratuito (art. 219, pu, 2 e 4, da Constituição do Estado de São Paulo).

 

 

 

 O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2º da Lei nº 1.370-A, de 28 de novembro de 2003, do Município de São Vicente e, por arrastamento, do art. 2º, I e II, da Lei n. 1.213, de 20 de dezembro de 2002, do art. 3º, I e II, da Lei n. 942-A, de 28 de dezembro de 2000, do art. 1º da Lei n. 90-A, de 19 de março de 1992, do art. 1º da Lei n. 2.266, de 31 de agosto de 1989, do art. 1º da Lei n. 2.225, de 29 de junho de 1988, do art. 1º da Lei n. 1.703, de 15 de setembro de 1976, do art. 1º e 4º da Lei 1.463, de 30 de setembro de 1970, dos arts. 3º, parágrafo único, 4º, 11, 28, I, II e III da Lei n. 1.377, de 12 de julho de 1968, todas do Município de São Vicente, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

O art. 2º da Lei n. 1.370, de 28 de novembro de 2003, do Município de São Vicente, alterou a redação do inciso I do art. 2º da Lei n. 1213-A/02, atribuindo-lhe a seguinte redação:

“Artigo 2º - Passa a ter a seguinte redação o inciso I do art. 2º da Lei nº 1213-A, de 20 de dezembro de 2002:

I – Contribuições mensais:

a) Obrigatórias, dos servidores públicos municipais ativos, inativos e pensionistas, exceto ocupantes de cargo de livre provimento, correspondente a 3% (três por cento) dos vencimentos, com direito à assistência médico-hospitalar e odontológica do próprio servidor, do cônjuge inscrito na caixa de Saúde e Pecúlio dos Servidores Municipais de São Vicente, até a data de publicação desta lei, e de seus filhos (as), até 18 (dezoito) anos, ou portadores de deficiências incapacitantes para a vida independente ou para o trabalho, de qualquer idade”.

O art. 2º da Lei n. 1213-A, de 20 de dezembro de 2002, na sua redação original, continha o seguinte dispositivo:

“Art. 2º - Constituem receitas da Caixa de Saúde e Pecúlio dos Servidores Municipais de São Vicente:

I – Contribuições mensais de servidores públicos municipais ativos, exceto dos ocupantes de cargo de livre provimento, correspondentes a 3% (três por cento) dos vencimentos;

II – Contribuições mensais da Prefeitura, da Câmara Municipal e das autarquias municipais, correspondentes a 3% (três por cento) da folha de pagamento dos servidores ativos, inativos e pensionistas”.    

O artigo transcrito acima revogou o art. 3º da Lei n. 942-A, de 28 de dezembro de 2000, que “Redenomina e reorganiza a Caixa de Previdência dos Servidores Municipais de São Vicente, cria os Fundos de Previdência Social e de Saúde do Município e dá outras providências”. A sua redação é a seguinte:

“Art. 3º - Fica criado o Fundo de Saúde do Município, que custeará a assistência médico-hospitalar e odontológica dos servidores públicos municipais e seus dependentes e será administrado pela Caixa de Previdência e Saúde dos Servidores Municipais de São Vicente, através de seus Conselhos de Administração e Fiscal, constituindo suas receitas:

I – contribuições mensais dos servidores públicos municipais ativos, exceto dos ocupantes de cargo de livre provimento, correspondentes a 3% (três por cento) dos vencimentos;

II – Contribuições mensais da Prefeitura, da Câmara Municipal e das autarquias municipais, correspondentes a 3% (três por cento) da folha de pagamento dos servidores ativos, inativos e pensionistas”.

A Lei municipal n. 942-A/00, por sua vez, revogou parcialmente a Lei n. 1377, de 12 de julho de 1968, do Município de São Vicente. Deste diploma legal importa destacar os seguintes dispositivos:

“Artigo 3º - São segurados obrigatoriamente a Caixa todos os servidores municipais de São Vicente ou das autarquias municipais e da Secretaria XXXXX, bem como os funcionários do XXXXX investidura, salvo os contratados pelo regime da CLT.

Parágrafo único – São também considerados segurados obrigatórios os servidores inativos.

Artigo 4º - A filiação obrigatória do servidor à Caixa se dará na data do início ou do reinício do exercício.

(...)

Art. 11 – Os segurados e seus dependentes estão obrigados a promover a sua inscrição na Caixa, inscrição que se processará da seguinte forma:

(...)

Art. 28 – A receita da Caixa será constituída:

I – de uma contribuição mensal dos segurados obrigatórios igual a 6% (seis por cento), calculada sobre os respectivos padrões de vencimentos ou remunerações;

II – de uma contribuição mensal do Município igual a que for devida pelo conjunto dos seus servidores, segurados da Caixa;

III – de uma contribuição mensal das autarquias, do Município, sujeitas ao regime desta lei, igual à que for devida pelo conjunto de seus funcionários, segurados da Caixa”.

Os arts. 1º e 4º da Lei n. 1.463, de 30 de setembro de 1970, alteraram as redações dos arts. 3º e 28, respectivamente, da Lei 1.377/68, que passaram a conter os seguintes dizeres:

“Artigo 1º - O artigo 3º, da Lei nº 137, de 12 de julho de 1968, passa a ter a seguinte redação:

“Artigo 3º - São segurados da Caixa, obrigatoriamente:

I – todos os servidores da Prefeitura Municipal;

II – os servidores estáveis das autarquias municipais; e

III – os servidores da Secretaria da Câmara Municipal”.

(...)

Art. 4º - O inciso I do artigo 28, da Lei n. 1.377/68, passa a vigorar com a redação seguinte:

“Artigo 28 - ...........................................................................

I – de uma contribuição dos segurados obrigatórios, igual a 6% (seis por cento) calculados sobre os respectivos vencimentos, remuneração ou proventos mensais”.

O art. 1º da Lei n. 1703, de 15 de setembro de 1976, inseriu dois parágrafos no art. 3º da Lei n. 1.377/68:

“Artigo 1º - O artigo 3º da Lei 1377, de 12 de julho de 1968, passa a ter 2 parágrafos, assim redigidos:

Parágrafo 1º - São também considerados segurados obrigatórios os servidores inativos, cuja contribuição à Caixa, em qualquer caso, será calculada apenas sobre os proventos de aposentadoria.

Parágrafo 2º - Não se incluem no regime desta lei, ocupantes de cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, que não sejam funcionários efetivos, estáveis ou servidores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, ressalvado, porém, o direito de opção”. 

O art. 1º da Lei n. 2.225, de 21 de dezembro de 1988, conferiu nova redação aos incisos I e II do art. 28 da Lei n. 1377/68:

“Art. 1º - Os incisos I e II do artigo 28 da Lei n. 1377/68passam a vigorar com a seguinte redação:

Art. 28 - ...................................................................

I – de uma contribuição mensal dos segurados da Caixa, igual a 8% (oito por cento), calculada sobre os respectivos vencimentos, remuneração ou proventos mensais, e

II - de uma contribuição mensal de 11% (onze por cento), paga pelos órgãos Executivo e Legislativo, calculada sobre o valor dos vencimentos, remuneração ou proventos devidos mensalmente aos seus respectivos servidores”.

O art. 1º da Lei n. 2.266, de 31 de agosto de 1989, atribuiu nova redação ao art. 28, III, da Lei n. 1377/68:

“Art. 1º - O item III do artigo 28 da Lei nº 1377/68, passa a vigorar com a seguinte redação:

Item III – de uma contribuição mensal das autarquias, do município, sujeitas ao regime desta lei, igual à prevista no item II deste artigo”.    

Por último, o art. 1º da Lei n. 90-A, de 19 de março de 1992, modificou o inciso III do art. 3º da Lei n. 1377/68.

“Art. 1º - O inciso II, do artigo 3º da Lei nº 1377, de 12 de julho de 1968, passa a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 3º - ............................................................................

II – Todos os servidores das autarquias municipais”.

Em que pese a existência de todo arcabouço legal sobre o tema, a contribuição social para assistência médico-hospitalar e odontológica dos servidores municipais de São Vicente é incompatível com a sistemática constitucional vigente.

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

O art. 3º da Lei n. 1.370-A, de 28 de novembro de 2003, do Município de São Vicente contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do art. 29 daquela e do art. 144 desta.

Como será demonstrado adiante, o dispositivo da lei em comento padece de inconstitucionalidade porque confronta com os arts. 160, IV, e 219, parágrafo único, 2 e 4, da Constituição do Estado de São Paulo, que reproduzem a inteligência dos arts. 149, §1º, e 196 da Constituição Federal.

Artigo 160 - Compete ao Estado instituir:

(...)

IV – contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário e de assistência social, na forma do artigo 149, § 1º, da Constituição Federal.

(...)

Artigo 219 - A saúde é direito de todos e dever do Estado.
Parágrafo único - Os Poderes Públicos Estadual e Municipal garantirão o direito à saúde mediante:

(...)
2 - acesso universal e igualitário às ações e ao serviço de saúde, em todos os níveis;

(...)
4 - atendimento integral do indivíduo, abrangendo a promoção, preservação e recuperação de sua saúde”.

No âmbito desta ação direta de inconstitucionalidade, é importante destacar o princípio da repartição constitucional de competências.

É pertinente, nesse passo, assentar que diante do sistema federativo e da repartição constitucional de competências, quando se contraria uma regra de competência estabelecida pela Lei Maior, mais que se descumprir uma simples norma, o que se está a fazer, verdadeiramente, é desrespeitar uma das mais evidentes manifestações do princípio federativo.

Um dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e o alcance do princípio do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, portanto, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Por essa linha de raciocínio deve-se reiterar a ponderação no sentido de que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal ou estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

Pois bem.

Ao criar tributos, os entes federativos devem seguir a matriz constitucional tributária, vale dizer, a repartição de competências tributárias previstas na Constituição Federal.

A lei municipal, ao prever uma contribuição social de caráter compulsório, com evidente natureza tributária a fim de custear a assistência médica e hospitalar dos servidores municipais, de seus dependentes, bem como dos pensionistas, violou a matriz constitucional tributária, e consequentemente desrespeitou o princípio da repartição constitucional de competências.

Note-se que, na atual sistemática constitucional, na qual o sistema tributário caracteriza-se pela rigidez e pela exaustividade, a competência para instituir contribuição social é da União. Em caráter excepcional, o constituinte conferiu competência tributária aos Municípios para criar contribuição destinada ao financiamento do regime previdenciário dos servidores públicos (art. 149, § 1º, da CF).

Todavia, a expressão “regime previdenciário”, inserida nesse dispositivo, não pode ter seu alcance ampliado mediante mero interesse do ente federativo. É dizer, dos três elementos integrantes da seguridade social (previdência, assistência social e saúde), apenas os dois primeiros (previdência e assistência social) podem ser organizados por qualquer dos entes federados, ao passo que saúde encontra forma de prestação própria, unificada, universal, genérica para todos, nos termos do art. 198, da Constituição Federal, reproduzido no art. 219, parágrafo único, 2, da Constituição do Estado de São Paulo. 

O Supremo Tribunal Federal, ao enfrentar o tema, entendeu que a criação de contribuição social para custeio de sistema de saúde por ente não federal é duplamente inconstitucional: primeiro por obrigar o servidor público a se associar, contrariando a inteligência do art. 5º, XX, da CF; segundo pela ausência de competência tributária.  

“EMENTA: CONTRIBUIÇÃO PARA O CUSTEIO DOS SERVIÇOS DE ASSISTÊNCIA MÉDICA, HOSPITALAR, ODONTOLÓGICA E FARMACEÚTICA. ART. 85 DA LEI COMPLEMENTAR Nº 62/2002, DO ESTADO DE MINAS GERAIS. NATUREZA TRIBUTÁRIA. COMPULSORIEDADE. DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS TRIBUTÁRIAS. ROL TAXATIVO. INCOMPETÊNCIA DO ESTADO-MEMBRO. INCONSTITUCIONALIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO PROVIDO.

I – É nítida a natureza tributária da contribuição instituída pelo art. 85 da Lei Complementar nº 64/2002, do Estado de Minas Gerais, haja vista a compulsoriedade de sua cobrança.

II – O art. 149, caput, da Constituição atribui à União a competência exclusiva para a instituição de contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas. Essa regra contempla duas exceções, contidas no arts. 149, § 1º, e 149-A da Constituição. À exceção desses dois casos, aos Estados-membros não foi atribuída competência para a instituição de contribuição, seja qual for a sua finalidade.

III – A competência, privativa ou concorrente, para legislar sobre determinada matéria não implica automaticamente a competência para a instituição de tributos. Os entes federativos somente podem instituir os impostos e as contribuições que lhes foram expressamente outorgados pela Constituição.

IV – Os Estados-membros podem instituir apenas contribuição que tenha por finalidade o custeio do regime de previdência de seus servidores. A expressão “regime previdenciário” não abrange a prestação de serviços médicos, hospitalares, odontológicos e farmacêuticos” (STF, RE 573.540/MG, Relator Ministro Gilmar Mendes, DJE nº 105, divulgado em 10/06/2010).

Nesse mesmo julgado, o STF afirmou não haver vedação constitucional à criação de serviços de assistência de saúde para servidores estaduais e municipais, ressaltando, contudo, que a adesão a tais sistemas deve ser facultativa, bem assim a participação dos interessados na formação das receitas para a prestação desse serviço.

(...)

Por outro lado, não há óbice constitucional ao oferecimento desses serviços, pelo Estado, aos seus servidores, desde que a adesão e a ‘contribuição’ não sejam compulsórias. Convém esclarecer, também, que os serviços somente serão prestados àqueles que, voluntariamente, aderirem ao ‘plano’, inexistindo, pois, direito subjetivo à sua fruição independentemente do pagamento da ‘contribuição’. Ressalte-se que o termo ‘contribuição’, nesse contexto, não é mais entendido em sua acepção jurídico-tributária.

(...)

Os acórdãos mais recentes da Corte Constitucional ventilam esse entendimento. Confira-se.

“E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO (LEI Nº 12.322/2010) – SERVIDOR PÚBLICO LOCAL – CONTRIBUIÇÃO DESTINADA, POR DIPLOMA LEGISLATIVO LOCAL, AO CUSTEIO DE ASSISTÊNCIA MÉDICA – ESPÉCIE TRIBUTÁRIA, DE EXIGIBILIDADE COMPULSÓRIA, QUE NÃO SE INCLUI NA ESFERA DE COMPETÊNCIA IMPOSITIVA DOS ESTADOS-MEMBROS E MUNICÍPIOS – CONSEQUENTE IMPOSSIBILIDADE DE SUA INSTITUIÇÃO POR ESTADO-MEMBRO OU MUNICÍPIO – INCIDÊNCIA DE REFERIDA EXAÇÃO SOBRE A REMUNERAÇÃO DE DOIS CARGOS PÚBLICOS – IMPOSSIBILIDADE – REPETIÇÃO DO INDÉBITO A PARTIR DA CITAÇÃO – CONTENCIOSO DE MERA LEGALIDADE – INVIABILIDADE DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO” (ARE 737871 AgR, Relator(a):  Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 23/04/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-099 DIVULG 24-05-2013 PUBLIC 27-05-2013).

“CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DESTINADA À SAÚDE – INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL – REPERCUSSÃO GERAL DO TEMA – JULGAMENTO DE MÉRITO – PRECEDENTE DO PLENÁRIO. O Supremo, no Recurso Extraordinário nº 573.540/MG, assentou a inconstitucionalidade de norma estadual que cria contribuição compulsória destinada ao custeio de saúde e fundo de assistência médica de servidor público” (AI 724489 AgR, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 18/09/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 01-10-2012 PUBLIC 02-10-2012).

No caso em exame, evidencia-se claramente que o inciso I do art. 2º da Lei 1.370-A, de 28 de novembro de 2003, do Município de São Vicente, contrariando os preceitos constitucionais, instituiu contribuição social para assistência médico-hospitalar e odontológica dos servidores públicos municipais, sendo, portanto, inconstitucional.

III – DA INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO

Não se pode olvidar que, acaso acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade, serão automaticamente restaurados dispositivos de leis anteriores que padecem do mesmo vício de constitucionalidade no que concerne à criação de contribuição social para assistência médico-hospitalar e odontológica.

Torna-se, portanto, necessário que se reconheça sua inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, sob pena de se instaurar situação mais gravosa que aquela que se busca combater.

A respeito da inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:

"(...) se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da inconstitucionalidade 'consequente', ou por 'arrastamento' ou por 'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional Esquematizado", Saraiva, 13ª Edição, p. 208).

Segundo precedentes do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09-06-2005, p. 4).

A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

Restabelecidos os efeitos da lei revogada, dá-se o que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o Supremo Tribunal Federal que:

 "A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração da inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2002).

Nesse contexto, a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento do art. 2º, I e II, da Lei n. 1.213/02, do art. 3º, I e II, da Lei n. 942-A/00, do art. 1º da Lei n. 90-A/92, do art. 1º da Lei n. 2.266/89, do art. 1º da Lei n. 2.225/88, do art. 1º da Lei n. 1.703/76, do art. 1º e 4º da Lei 1.463/70, dos arts. 3º, parágrafo único, 4º, 11, 28, I, II e III da Lei n. 1.377/68, é medida de rigor, pois referidas normas apresentam os mesmos vícios que maculam os dispositivos que figuram como objeto desta ação direta de inconstitucionalidade.

IV – PEDIDO

Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei n. 1370-A/03, de 28 de novembro de 2003, do Município de São Vicente, e, por arrastamento, do art. 2º, I e II, da Lei n. 1.213, de 20 de dezembro de 2002, do art. 3º, I e II, da Lei n. 942-A, de 28 de dezembro de 2000, do art. 1º da Lei n. 90-A, de 19 de março de 1992, do art. 1º da Lei n. 2.266, de 31 de agosto de 1989, do art. 1º da Lei n. 2.225, de 29 de junho de 1988, do art. 1º da Lei n. 1.703, de 15 de setembro de 1976, do art. 1º e 4º da Lei 1.463, de 30 de setembro de 1970, dos arts. 3º, parágrafo único, 4º, 11, 28, I, II e III da Lei n. 1.377, de 12 de julho de 1968, todas do Município de São Vicente.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações ao Prefeito e à Câmara Municipal de São Vicente, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os preceitos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 26 de maio de 2014.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado n. 101.211/13

Interessado: Vara da Fazenda Pública da Comarca de São Vicente

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do art. 2º da Lei n. 1.370-A/03, de 28 de novembro de 2003, do Município de São Vicente, e, por arrastamento, do art. 2º, I e II, da Lei n. 1.213, de 20 de dezembro de 2002, do art. 3º, I e II, da Lei n. 942-A, de 28 de dezembro de 2000, do art. 1º da Lei n. 90-A, de 19 de março de 1992, do art. 1º da Lei n. 2.266, de 31 de agosto de 1989, do art. 1º da Lei n. 2.225, de 29 de junho de 1988, do art. 1º da Lei n. 1.703, de 15 de setembro de 1976, do art. 1º e 4º da Lei 1.463, de 30 de setembro de 1970, dos arts. 3º, parágrafo único, 4º, 11, 28, I, II e III da Lei n. 1.377, de 12 de julho de 1968, todas do Município de São Vicente, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 26 de maio de 2014.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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