EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 125.146/2013

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a Obrigatoriedade dos Restaurante e Similares em conceder descontos ou meia porção para pessoas que passaram por intervenção cirúrgica de redução de estomago, na forma que especifica e dá outras providências”.

2)      Ato normativo que trata de assunto de interesse geral. Legislação que se reveste de nítido caráter comercial, de competência do legislador federal (art. 22, inciso I, da Constituição Federal). Violação do princípio federativo, cuja observância é obrigatória para os Estados e Municípios (arts. 1º e 18º da Constituição Federal e art. 144 da Constituição do Estado). Violação da livre iniciativa e da livre concorrência. Princípios gerais da atividade econômica aplicáveis aos Estados e Municípios (art. 170, caput, e inciso IV da Constituição Federal, e art. 144 da Constituição do Estado). Matéria objeto da lei questionada que transcende a predominância do interesse local.

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº 125.146/2013), que segue como anexo), vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE  em face da Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a Obrigatoriedade dos Restaurante e Similares em conceder descontos ou meia porção para pessoas que passaram por intervenção cirúrgica de redução de estomago, na forma que especifica e dá outras providências”, pelos seguintes fundamentos:

1.     ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade, e a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação do Dr. Alexandre Augusto Sampaio, DD Procurador Municipal de Sumaré (fl. 02/04).

A Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, apresenta a seguinte redação:

 “(...)

“Art. 1º - Ficam os restaurantes e congêneres que servirem refeições a “La Carte”, “Self Service”, rodízios, a preço único e/ou porções, obrigados a oferecerem descontos de 50% (cinquenta por cento) nos preços ou servirem meia porção para as pessoas que tenham o estômago reduzido através de cirurgia bariátrica ou qualquer outra forma de gastroplastia.

Art. 2º - Excetua-se do dispositivo desta Lei o consumo de sucos, bebidas e sobremesas.

Art. 3º - O cliente que estiver em conformidade com a presente Lei, deverá comprovar a sua condição, apresentando antes de consumir ou no ato do pagamento da conta, um dos seguintes documentos:

I- Atestado médico expedido por médico da Rede Municipal de Saúde;

II-Atestado expedido pelo médico cirurgião que realizou a intervenção cirúrgica, com o respectivo CRM e qualificação do paciente, no caso de clínicas privadas.

Art. 4º - Os restaurantes e similares ficam obrigados a fixar cartazes ou placas com ampla divulgação dos direitos estabelecidos nesta Lei nos seguintes dizeres:

Lei Municipal n. ___________Autor:

‘ESTE ESTABELECIMENTO CONCEDE DESCONTOS E/OU MEIA PORÇÃO PARA AS PESSOAS QUE REALIZAREM CIRURGIA BARIÁTRICA OU QUALQUER OUTRA GASTROPLASTIA, EXCETO PARA CONSUMO DE SUCOS, BEBIDAS E SOBREMESAS’.

Art. 5º - A inobservância no cumprimento do dispositivo nesta Lei, acarretará uma multa de R$ 1.000,00 (um mil reais) e ficará sujeito a sanção prevista no art. 56 da Lei Federal n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 – Código de Defesa do Consumidor, aplicáveis na forma de seu artigos 57 a 60.

Art. 6º - O Poder Executivo deverá disponibilizar a fiscalização para o cumprimento desta Lei no que couber.

Art. 7º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário, em especial a Lei Municipal n. 4.432, de 15 de maio de 2007”.

A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional, como será demonstrado a seguir.

2.     FUNDAMENTAÇÃO

A lei local contestada, que dispõe sobre a obrigatoriedade dos restaurantes e similares em conceder descontos e/ou meia porção para as pessoas que realizaram cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia ofende a repartição constitucional de competências.

É cabível o contraste da lei local com a Constituição Federal a partir da norma remissiva contida no art. 144 da Constituição Estadual.

O art. 144 da Constituição Estadual - que reproduz o art. 29, caput, da Constituição Federal - determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

O art. 144 da Constituição Paulista determina que “Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Por força desse artigo, os princípios essenciais estabelecidos na Constituição Federal devem ser respeitados pelos Estados e Municípios, servindo como parâmetro para o controle concentrado de constitucionalidade das leis no âmbito da Justiça Estadual.

De outro lado, o princípio federativo está assentado no art. 1º e no art. 18, caput, da Constituição Federal, determinando este último que “a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”.

A Carta Magna estabelece os termos da repartição de competências, que é corolário do princípio federativo.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art.1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13ªed., ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p.96).

Um dos aspectos de maior relevo, e que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo, adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia, e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal, e Municípios, em relação à União.

Anota a propósito Fernanda Dias Menezes de Almeida que “avulta, portanto, sob esse ângulo, a importância da repartição de competências, já que a decisão tomada a respeito é que condiciona a feição do Estado Federal, determinando maior ou menor grau de descentralização.”  Daí a afirmação de doutrinadores no sentido de que a repartição de competências é “‘a chave da estrutura do poder federal’, ‘o elemento essencial da construção federal’, ‘a grande questão do federalismo’, ‘o problema típico do Estado Federal’” (Competências na Constituição Federal de 1988, 4ªed., São Paulo, Atlas, 2007, p.19/20).

Não pairaria qualquer dúvida a respeito da inconstitucionalidade de proposta de emenda constitucional ou de lei que sugerisse, por exemplo, a extinção da própria Federação: a Constituição veda, como visto, proposta de emenda “tendente a abolir”, entre outros, “a forma federativa de Estado” (art.60 § 4º inciso I da CF).

A preservação do princípio federativo tem contado com a anuência do Pretório Excelso, pois como destacado em julgado relatado pelo Min. Celso de Mello:

"Mais do que isso, a ideia de Federação — que tem, na autonomia dos Estados-membros, um de seus cornerstones — revela-se elemento cujo sentido de fundamentalidade a torna imune, em sede de revisão constitucional, à própria ação reformadora do Congresso Nacional, por representar categoria política inalcançável, até mesmo, pelo exercício do poder constituinte derivado (CF, art. 60, § 4º, I)." (HC 80.511, voto do Min. Celso de Mello, julgamento em 21-8-01, DJ de 14-9-01).

 Por essa linha de raciocínio, pode-se também afirmar que a Lei Municipal que regula matéria cuja competência é do legislador federal está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

E na hipótese em exame, o art. 22, I, da Constituição Federal atribui privativamente à União legislar sobre norma que se reveste de nítido caráter comercial (direito civil).

É evidentemente matéria de interesse geral (e não apenas estadual ou local) a obrigação dos restaurantes e similares em conceder descontos e/ou meia porção para pessoas que realizarem cirurgia bariátrica ou qualquer outra gastroplastia, na medida em que este tipo de cirurgia ocorre em todo o território nacional.                                                                                         Daí a competência do legislador federal para editar normas gerais a respeito do tema.

Cumpre recordar, com a abalizada lição de Alexandre de Moraes, que “o princípio geral que norteia a repartição de competência entre as entidades componentes do Estado Federal é o da predominância do interesse (...), à União caberá aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados referem-se as matérias de predominante interesse regional e aos municípios concernem os assuntos de interesse local” (Direito constitucional, 19ª ed., São Paulo, Atlas, 2006, p.270).

Embora o art. 30, inciso I, da Constituição Federal confira ao legislador Municipal competência para “legislar sobre assuntos de interesse local”, a hipótese em exame não se reveste de simples interesse local. Mutatis mutandis, ilustra a questão o seguinte precedente do Pretório Excelso:

“A competência dos Estados para legislar sobre a proteção e defesa da saúde é concorrente à União e, nesse âmbito, a União deve limitar-se a editar normas gerais, conforme o artigo 24, XII, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal (...)." (ADI 1.278, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-07, DJ de 1º-6-07).

Não bastasse isso, a Constituição Federal prevê também, no art. 170, caput, e respectivo inciso IV, como princípios gerais da atividade econômica, entre outros a livre iniciativa e a livre concorrência. Tais princípios também são aplicáveis aos Estados e Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista.

O legislador, ao impor a referida obrigatoriedade, regulou indevidamente atividade comercial. Se o município tem autonomia para disciplina da polícia do comércio, não pode exercê-la para além dos limites daquilo que consubstancie a predominância do interesse local. Neste sentido já se decidiu que:

“(...) 2. A competência constitucional dos Municípios de legislar sobre interesse local não tem o alcance de estabelecer normas que a própria Constituição, na repartição das competências, atribui à União ou aos Estados. (...)” (RT 851/128).

 A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com os preceitos da Constituição Federal cuja observância é obrigatória para os Estados e Municípios nos termos do art. 144 da Constituição Estadual.

 

3.     DOS PEDIDOS

a.     Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do ato normativo do Município de Sumaré apontado como violador de princípios e regras da Constituição Federal cuja observância é obrigatória para os Estados e Municípios nos termos do art. 144 da Constituição Estadual, é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré.

 

 

b.     Do pedido principal

Diante de todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja ela julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sumaré, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

São Paulo, 06 de março de 2014.

 

 

         Álvaro Augusto Fonseca de Arruda

     Procurador-Geral de Justiça

   em exercício

 

 

 

 

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Protocolado nº 125.146/2013

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré.

                          

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 5.511, de 12 de agosto de 2013, do Município de Sumaré, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Comunique-se a propositura da ação ao interessado.

3.     Cumpra-se.

São Paulo, 26 de fevereiro de 2014.

 

 

 

         Álvaro Augusto Fonseca de Arruda

    Procurador-Geral de Justiça

  em exercício

 

 

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