EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado nº 142.340/12
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Cargos de Assessor Técnico, Assessor da Presidência e Assessor Parlamentar I e II, previstos no Anexo I da Lei Complementar nº 58, de 29 de outubro de 2009, do Município de Santa Bárbara D’ Oeste, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 143/12.
2) Não observância da necessidade de previsão legal das funções do cargo de Assessor Técnico e Assessor da Presidência. Lei que cria os postos, mas não contém descrição, nem mesmo sumária, das suas atribuições. Lei que remete às unidades organizacionais a definição das atribuições. Contrariedade ao disposto nos arts. 5º, § 1º e 24, § 2º, 1 c.c. o art. 144 da Constituição do Estado.
3) Cargos de provimento em comissão que não retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, senão funções técnicas, burocráticas, operacionais e profissionais a serem preenchidas por servidores públicos investidos em cargos de provimento efetivo. Inexigibilidade de especial relação de confiança. Violação do art. 115, II e V, da Constituição Estadual, e do art. 37 incisos I, II e V da Constituição Federal
4) Cargos em excessiva quantidade, e em número consideravelmente superior aos cargos de provimento efetivo. Excepcionalidade, no vigente ordenamento constitucional, dos cargos de provimento em comissão. Violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade (art. 111 da Constituição Paulista).
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 10, § 1º e de parte do Anexo I da Lei Complementar nº 58, de 29 de outubro de 2009, do Município de Santa Bárbara D’ Oeste, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 143/12, pelos fundamentos a seguir expostos:
1. DOS ATOS NORMATIVOS IMPUGNADOS
O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça de Santa Bárbara D’ Oeste (fls. 2/4).
A Lei Complementar nº 58, de 29 de outubro de 2009, do Município de Santa Bárbara D’ Oeste, alterada pelas Leis Complementares nº 97/10, 118/11 e 143/12, “Dispõe sobre a estrutura administrativa da Câmara Municipal de Santa Bárbara D’ Oeste e dá outras providências”.
O art. 10 da referida Lei Complementar dispõe o seguinte:
“Art. 10. Fica criado o Quadro de Cargos em Comissão da Câmara Municipal, com as denominações, quantidades, exigências e salários definidos no Anexo I desta Lei.
§ 1° As atribuições dos cargos em comissão são definidas pela unidade organizacional em que está lotado, conforme competências definidas nesta Lei.”
O anexo I da Lei Complementar nº 58/2009, com a redação dada pela Lei Complementar nº 143/2012, prevê o seguinte:
ANEXO I
QUADRO DE CARGOS EM COMISSÃO
DENOMINAÇÃO |
EXIGENCIAS |
QUANTIDADE |
SALARIO |
Diretor |
Nível Superior |
4 |
6.728,15 |
Chefe de Setor |
Nível Superior |
9 |
4.800,00 |
Assessor Técnico |
Nível Superior |
6 |
6.728,15 |
Assessor da Presidência |
Nível Superior |
1 |
3.500,00 |
Assessor Parlamentar I |
Nível Médio Técnico |
38 |
1.500,00 |
Assessor Parlamentar II |
Nível Superior |
19 |
3.000,00 |
Os cargos de chefe de setor ficaram reservados aos servidores de carreira do quadro pessoal da Câmara Municipal (art. 13 da Lei Complementar nº 58/2009, redação dada pelo art. 4º da Lei Complementar nº 143/2012).
2. DA DESCRIÇÃO DAS ATRIBUIÇÕES DOS CARGOS IMPUGNADOS
Em relação aos cargos de provimento em comissão de Assessor Parlamentar I e II , os arts. 7º e 7º-A da Lei Complementar nº 58/2009, com a redação dada pela Lei Complementar nº 143/2012, assim descrevem suas atribuições:
“Art. 7º. Compete aos Assessores Parlamentares I, vedada à atividade meramente burocrática:
I. Prestar assessoria e assistência técnica nas matérias relacionadas à atividade parlamentar;
II. Acompanhar tramitação de proposições de interesse do Vereador;
III. Providenciar sobre o expediente e as audiências do Vereador;
IV. Executar outras tarefas determinadas pelo Vereador e inerentes às atribuições deste.”
Art. 7º A - Compete aos Assessores Parlamentares II, vedada a atividade meramente burocrática:
I. Prestar assessoria e assistência técnica nas matérias relacionadas à atividade parlamentar;
II. Representar o respectivo parlamentar nos eventos e ocasiões por ele determinadas;
III. Acompanhar tramitação de proposições de interesse do Vereador;
IV. Providenciar sobre expediente e as audiências do Vereador; e
V. Executar outras tarefas determinadas pelo Vereador e inerentes às atribuições deste.”
Para os cargos de Assessor Técnico e Assessor da Presidência não houve descrição de suas atribuições.
A lei descreveu apenas as atribuições da “Assessoria Técnica”, como órgão subordinado diretamente ao Presidente da Mesa Diretora, (art. 8º da Lei Complementar nº 58/2009). Estabelecendo as seguintes competências:
“I – assessorar o presidente na elaboração e execução de projetos;
II – assessorar os vereadores na elaboração e execução de projetos;
III – assessorar os vereadores nos trabalhos de fiscalização e acompanhamento das ações da Prefeitura;
IV – coordenar a elaboração, quando solicitado pelo Presidente da Mesa, de estudos e análises técnicas sobre as ações da Câmara, evitando duplicidade de funções com os demais órgãos e propiciando a participação dos mesmos no processo de discussão, mantendo-se a discrição e sigilo necessários enquanto não houver sido finalizado o processo decisório;
V – monitorar e subsidiar as ações de relacionamento da Câmara com outras esferas governamentais, fomentando o intercâmbio com organismos que propiciem melhoria das condições de gestão das políticas públicas municipais;
VI – desenvolver projetos de pesquisa para o mapeamento das demandas sociais do Município;
VII – promover programas articulados com os diferentes setores públicos e privados do Município, de modo a garantir parcerias para o atendimento da população em suas necessidades, de forma integrada;
VIII – desempenhar outras atividades de assessoramento técnico necessárias ao desempenho da atividade legislativa e fiscalizadora.”
3. DA FUNDAMENTAÇÃO
a.
Da
ausência de fixação das atribuições do cargo de Assessor Técnico e Assessor da
Presidência
Não há na lei ainda que de forma sumária descrição das atribuições dos cargos de provimento em comissão de Assessor Técnico e Assessor da Presidência.
Como acentua a doutrina, cargos e empregos públicos, em direito administrativo, “são a mais simples e indivisíveis unidades de competência a serem expressadas por um agente, previstas em número certo, com denominação própria, retribuídas por pessoas jurídicas de direito público e criadas por lei (...)” (Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, 25. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 250).
Nesse mesmo sentido Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 423; Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Direito Administrativo, 19. Ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 506; Edmir Netto de Araújo, Curso de Direito Administrativo, São Paulo, Saraiva, 2005, p. 254; Lúcia Valle Figueiredo, Curso de Direito Administrativo, 9. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 598.
A criação de cargos ou empregos de provimento em comissão, ou mesmo de provimento efetivo, sem a fixação na própria lei, ainda que sumária, de atribuições específicas, revela-se inconstitucional.
Por se tratar de matéria de reserva legal, inconstitucional mostra-se a previsão do § 1º do art. 10 da Lei Complementar nº 58/2009, no sentido de que as atribuições dos cargos em comissão seriam definidas pela unidade organizacional em que estivesse lotada.
No caso dos cargos ou empregos de provimento em comissão, essa situação é ainda mais grave, pois é indispensável que a lei contenha a indicação das funções que demonstrem que se trata de postos de direção, chefia ou assessoramento superior, a exigir especial relação de confiança entre o seu ocupante e o agente político ao qual está vinculado.
A falta da descrição das atribuições dos cargos de Assessor Técnico e Assessor da Presidência não pode ser suprida pela simples descrição das competências do órgão (Assessoria Técnica), pois a ele não se equipara.
A omissão legislativa quanto a essa indicação revela, na prática, burla à sistemática constitucional relativamente a esse tema.
Isso decorre do fato de que a regra é o acesso ao serviço
público mediante concurso, sendo absolutamente excepcional o provimento de sem
o certame, admissível unicamente nos casos em que seja exigível especial relação de confiança entre o
governante e o servidor, para que adequadamente sejam desempenhadas funções
inerentes à atividade administrativa e política.
A
criação de posto comissionado só se mostra legítima quando for indispensável,
por parte do seu ocupante, verdadeiro comprometimento e fidelidade com relação
às diretrizes estabelecidas pelos seus superiores, que vão bem além do dever
comum de lealdade às instituições públicas, necessárias a todo e qualquer
servidor comum (cf. Diógenes Gasparini, Direito
administrativo, 3. ed., São Paulo, Saraiva, 1993, p. 208; Odete Medauar, Direito administrativo moderno, 5. ed.,
São Paulo, RT, p. 317; Márcio Cammarosano, Provimento
de cargos públicos no direito brasileiro, São Paulo, RT, 1984, p. 95/96;
Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo
Brasileiro, cit., p. 440).
Isso
não ocorre com relação a funções meramente “técnicas,
burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos
níveis de direção, chefia e assessoramento superior” (cf. Adilson de Abreu
Dallari, Regime constitucional dos
servidores públicos, 2. ed., 2ª tir., São Paulo, RT, 1992, p. 41).
Essa também é a posição do Colendo Supremo
Tribunal Federal (ADI-MC 1141/GO, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, J.
10/10/1994, Pleno, DJ 04-11-1994, PP-29829, EMENT VOL-01765-01 PP-00169), e vem
sendo acolhida em inúmeros julgados desse Colendo Órgão Especial (ADI 111.387-0/0-00, j. em
11.05.2005, rel. des. Munhoz Soares; ADI 112.403-0/1-00, j. em 12 de janeiro de
2005, rel. des. Barbosa Pereira; ADI 150.792-0/3-00, julgada em 30 de janeiro
de 2008, rel. des. Elliot Akel; ADI 153.384-0/3-00, rel. des. Armando Toledo,
j. 16.07.2008, v.u.).
Em
síntese, a não indicação das funções dos cargos ou empregos de provimento
efetivo ou comissionados revela delegação legislativa ao Poder Executivo, o que
é vedado pelo princípio da separação e harmonia entre os Poderes, bem como por
regra expressa prevista no art. 5º, § 1º, da Constituição do Estado, aplicável
por força do art. 144 da Carta Estadual.
Ademais,
no que diz respeito aos postos comissionados, a ausência de indicação, ainda
que sumária, das respectivas funções, acarreta contrariedade ao princípio da
reserva legal que decorre dos arts. 24, § 2º, I e 115, incisos I, II e V da
Constituição Estadual, bem como ao art. 37 incisos I, II e V da Constituição
Federal, cuja aplicabilidade à hipótese decorre do art. 144 da Carta Estadual.
b.
Da violação do art. 115, II e V da Constituição
Paulista
A forma de provimento em comissão prevista no
Anexo I da Lei Complementar nº 58/2009, com a redação dada pela Lei
Complementar nº 143/2012 do Município de Santa Bárbaro D’ Oeste para os cargos
de Assessor Técnico, Assessor da
Presidência e Assessor Parlamentar I e II contraria frontalmente a Constituição do Estado de São
Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante
a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal e do art. 144 da
Constituição Estadual.
Foram
violados os incisos II e IV do art. 115 da Constituição Paulista que têm a
seguinte redação:
(...)
Art.
115. Para a organização da administração pública
direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer
dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
II - a
investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia, em
concurso público de provas ou de provas e títulos, ressalvadas as nomeações
para cargo em comissão, declarado em lei, de livre nomeação e exoneração;
(...)
V - as funções de confiança,
exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos
em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos,
condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às
atribuições de direção, chefia e assessoramento”.
Os 06 (seis) cargos de Assessor Técnico, 01 (hum) cargo de
Assessor da Presidência, 38 (trinta e oito)
cargos de Assessor Parlamentar I e 19 cargos de Assessor Parlamentar II, não
retratam atribuições de assessoramento, chefia e direção, nas quais esteja presente a
necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho
de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes
político-governamentais.
Dentro do quadro pessoal da estrutura administrativa e organizacional tais cargos não integram a administração superior da Câmara Municipal. Suas atribuições são tipicamente realizadas por servidores de carreira, e assim deve ser, até mesmo para não haver solução de continuidade por sucessão de administradores.
Com efeito, eles se
caracterizam como funções técnicas, burocráticas ou profissionais que não
pressupõem relação de confiança.
A excepcional possibilidade de a lei criar cargos cujo provimento não se fundamente no processo público de recrutamento por mérito não admite o uso dessa prerrogativa para burla à regra do acesso a cargos e empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição do Estado) que decorre dos princípios de moralidade, impessoalidade e eficiência (art. 111, Constituição do Estado).
É dizer: os cargos de provimento em comissão devem ser restritos às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior, nas quais esteja presente a necessidade de relação de confiança com os agentes políticos para o desempenho de tarefas de articulação, coordenação, supervisão e controle de diretrizes político-governamentais. Neste sentido, a jurisprudência censura a criação abusiva, artificial e indiscriminada de cargos de provimento em comissão:
“Lei
estadual que cria cargos em comissão. Violação ao art. 37, incisos II e V, da
Constituição. Os cargos em comissão criados pela Lei n. 1.939/1998, do Estado
de Mato Grosso do Sul, possuem atribuições meramente técnicas e que, portanto,
não possuem o caráter de assessoramento, chefia ou direção exigido para tais
cargos, nos termos do art. 37, V, da Constituição Federal. Ação julgada
procedente" (STF, ADI 3.706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 05-10-2007).
“Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição
Federal norma que cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam
com o princípio da livre nomeação e exoneração, que informa a investidura
Pela leitura das atribuições dos cargos de Assessor
Parlamentar I e II, bem como daquilo que se possa presumir ser de atribuição
dos Assessores Técnicos e da Presidência, verifica-se uma descrição fluida e
imprecisa, sem qualquer traço de direção, chefia ou assessoramento em nível
superior.
Não se coaduna a criação de cargos de livre
provimento com atribuições ou funções profissionais, operacionais,
burocráticas, técnicas, administrativas, rotineiras, sendo, ademais,
irrelevante a denominação e a forma de provimento atribuídas, pois,
Ora, as atribuições dos cargos, cujo provimento previsto é
comissionado, não refletem a imprescindibilidade do elemento fiduciário em
concurso às atribuições de assessoramento, chefia e direção em nível superior,
pois, traduzem funções profissionais, operacionais, burocráticas, técnicas,
administrativas, rotineiras. A partir de sua leitura, conclui-se que não há
nenhum componente nos postos acima arrolados a exigir o controle de execução
das diretrizes políticas do parlamentar municipal a ser desempenhado por alguém
que detenha absoluta fidelidade a orientações traçadas. Ao contrário, revela-se
a execução de atividades técnicas, burocráticas, profissionais, operacionais,
que, em sua imensa maioria, são idênticas entre si, correndo a distinção à
conta exclusiva do grau de escolaridade exigido para seu provimento.
As atribuições estabelecidas são extremamente genéricas, parecendo-nos que o rol foi concebido para que um determinado cargo pudesse se acomodar a quaisquer funções subalternas que lhe fossem atribuídas nas Estruturas Administrativas da Câmara Municipal de Santa Bárbara D’ Oeste, revelando, desta forma, a criação indiscriminada, abusiva e artificial de cargos de provimento em comissão, que ofende os princípios de moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público, inscritos no art. 111, que orientam os incisos II e V do art. 115 da Constituição Estadual.
Cediça jurisprudência da Suprema
Corte enuncia a necessidade de análise da real e concreta atribuição do cargo
para aquilatar a escolha da forma comissionada de seu provimento a fim de
inibir disfunções. Nesse sentido:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS
6.600/1998 (ART. 1º, CAPUT E INCISOS I E II), 7.679/2004 E 7.696/2004 E LEI
COMPLEMENTAR 57/2003 (ART. 5º), DO ESTADO DA PARAÍBA. CRIAÇÃO DE CARGOS EM
COMISSÃO. I - Admissibilidade de aditamento do pedido na ação direta de
inconstitucionalidade para declarar inconstitucional norma editada durante o
curso da ação. Circunstância em que se constata a alteração da norma impugnada
por outra apenas para alterar a denominação de cargos na administração judicial
estadual; alteração legislativa que não torna prejudicado o pedido na ação
direta. II - Ofende o disposto no art. 37, II, da Constituição Federal norma que
cria cargos em comissão cujas atribuições não se harmonizam com o princípio da
livre nomeação e exoneração, que informa a investidura em comissão. Necessidade
de demonstração efetiva, pelo legislador estadual, da adequação da norma aos
fins pretendidos, de modo a justificar a exceção à regra do concurso público
para a investidura em cargo público. Precedentes. Ação julgada procedente”
(STF, ADI 3.233-PB, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim Barbosa, 10-05-2007,
v.u., DJe 13-09-2007, RTJ 202/553).
Ora, não há nas normas criadoras
desses cargos algum componente de dependência da confiança do administrador
público para o bom andamento administrativo, porque ausente qualquer traço de
transmissão de diretrizes políticas para a execução administrativa, demanda essa
que implica a fixação de linhas de ação em instruções e medidas de fiscalização
de sua execução, como anotou Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Comentários à Constituição Brasileira,
São Paulo: Saraiva, 1974, vol. II, p. 199).
É o que pontuou o eminente Ministro Octavio Gallotti
preconizando a necessidade de uma parcimoniosa interpretação “perquirindo a
natureza excepcional do cargo cogitado e não se bastando com a indicação formal
do legislador ordinário (RTJ 101/924-9)”.
Recentemente, em caso semelhante, este C. Órgão
Especial declarou inconstitucional a criação dos cargos de provimento em
comissão de Assessor Especial da Presidência e de Assessor Legislativo da
Câmara Municipal de Leme, ficando a ementa assim redigida:
“Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 7o, da Lei Complementar n.° 577, de 8 de setembro de 2010, e incisos II e III, do art. 9o, desta mesma Lei, cuja redação foi alterada pelo art. 2o, da Lei Complementar n.° 626, de 3 de janeiro de 2012, do Município de Leme. Dispositivos que criam cargos de provimento em comissão sem obediência aos ditames constitucionais. Atribuições não relacionadas às funções de chefia, direção e assessoramento. Vínculo de confiança, ademais, inexistente. Ofensa, então, aos princípios da moralidade, impessoalidade, razoabilidade e interesse público. Precedentes diversos deste C. Órgão Especial. Modulação de efeitos necessária, nada obstante, para que o Legislativo Municipal reestruture seu quadro funcional. Ação julgada procedente, com modulação de efeitos. (Adin nº 0159232-34.2012.8.26.0000, Rel. Des. Luis Soares de Mello, j. 5 de dezembro de 2012)
c. Da violação dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade
(art. 111 da Constituição Estadual)
Pela análise da legislação que dispõe sobre a
estrutura administrativa da Câmara Municipal de Santa Bárbaro D’ Oeste (Leis
Complementares nº 58/2009; 97/2010; 118/2011 e 143/2012) e pelas informações
contidas no parecer do Tribunal de Contas do Estado (fls. 34/51), verifica-se que
os cargos de provimento em comissão (77), representam cerca de 61% do quadro de
pessoal daquela casa legislativa.
Essa situação revela, com clareza, a violação dos
princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, previstos no art. 111 da
Constituição Paulista, e que na Constituição da República decorre do princípio
do devido processo legal (art. 5º, LIV, da Constituição da República), que em
sua perspectiva substancial exige proporcionalidade e razoabilidade no que diz
respeito às leis que delimitam aquilo que conhecemos como Direito Material.
Como anota Diogo de Figueiredo Moreira Neto, o
princípio da razoabilidade “visa a
afastar o arbítrio que decorrerá da desadequação entre meios e fins”, tendo
importância tanto quando da criação da norma, como quando de sua aplicação”
(Curso de direito administrativo, 14. ed., Rio de Janeiro, Forense, 2006, p.
101). Também nesse sentido Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Direito
administrativo, 19. ed., São Paulo, Atlas, 2006, p. 95).
Em sede doutrinária, Gilmar Ferreira Mendes,
examinando a aplicação do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade pelo
Col. Supremo Tribunal Federal, anotou “de
maneira inequívoca a possibilidade de se declarar a inconstitucionalidade da
lei em caso de sua dispensabilidade (inexigibilidade), inadequação (falta de
utilidade para o fim perseguido) ou de ausência de razoabilidade em sentido
estrito (desproporção entre o objetivo perseguido e o ônus imposto ao
atingido)” (cf. A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal, publicado em Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade,
São Paulo, Instituto Brasileiro de Direito Constitucional e Celso Bastos
Editor, 1998, p. 83).
Para superar o denominado “teste de razoabilidade”, é
necessário que a lei preencha, em síntese, três requisitos: (a) necessidade;
(b) adequação; e (c) proporcionalidade em sentido estrito.
Em outras palavras, é imperativo que o diploma legal
se mostre efetivamente indispensável (necessidade), que se apresente apropriado
aos fins a que se destina (adequação), e, por último, que os sacrifícios ou
encargos dele decorrentes sejam aceitáveis do ponto de vista dos benefícios que
produzirá (proporcionalidade em sentido estrito).
O exacerbado número de cargos de provimento em
comissão, no caso em exame, não passa pelo “teste de razoabilidade”, pois o
excesso de cargos de Assessor Parlamentar, aqui impugnado, se mostra
desnecessário, inadequado, e desproporcional, fato inclusive apontado no
parecer do TCE.
O provimento de cargos sem concurso só é necessário em
pequena medida (excepcionalidade), e isso é indispensável à sua adequação e
para que o ônus que recai sobre o erário, nesse quadro, se mostre aceitável
(proporcionalidade).
Note-se que o Col. Supremo Tribunal Federal já
afirmou, em mais de uma oportunidade, que deve haver certa correlação entre o
número de cargos de provimento efetivo e o número de cargos de provimento em
comissão, para que estes não se relevem inconstitucionais.
E à falta de um parâmetro constitucional numérico
objetivo, mostra-se legítima a conclusão de que se os cargos de confiança têm
natureza excepcional, seu número não pode jamais superar o número de cargos de
provimento efetivo.
Nesse sentido:
“(...)
Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do poder público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislativo local. (RE 365.368-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 22-5-2007, Primeira Turma, DJ de 29-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 4.125, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 10-6-2010, Plenário, DJE de 15-2-2011.
(...)”
No caso em exame, o número previsto, atualmente, de
cargos de provimento em comissão é de 77 (setenta e sete), como é possível
extrair do Anexo I da Lei Complementar nº 58/2009, com a redação dada pela Lei
Complementar nº 143/2012 (fls. 32).
Contraria o princípio da razoabilidade (quando menos
do ponto de vista da proporcionalidade em sentido estrito) que a exceção tenha
se tornado a regra.
Em outras palavras, o número de cargos de provimento
em comissão não pode ser maior que o número de cargos de provimento efetivo,
sob pena de violação do art. 111 da Constituição Paulista.
III – Pedido
liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade
do direito alegado, soma-se a ele o periculum
in mora.
A atual tessitura dos preceitos
legais do Município de Santa Bárbaro D’Oeste apontados como violadores de
princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua
eficácia até final julgamento desta ação, porque permitem a investidura de
pessoas em funções públicas de maneira irregular e comprometem o erário.
À luz deste perfil, requer-se a
concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo
julgamento desta ação, das expressões Assessor
Técnico, Assessor da Presidência, Assessor Parlamentar I e Assessor Parlamentar II, previstas no Anexo I da Lei
Complementar nº 58, de 29 de outubro de 2009, do Município de Santa Bárbara D’
Oeste, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 143/12.
IV – Pedido
Face ao exposto, requerendo o
recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada
procedente para declarar a inconstitucionalidade das expressões Assessor Técnico, Assessor da Presidência,
Assessor Parlamentar I e Assessor
Parlamentar II, previstas no
Anexo I da Lei Complementar nº 58, de 29 de outubro de 2009, do Município de
Santa Bárbara D’ Oeste, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal
nº 143/12.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Santa Bárbara D’ Oeste, bem como posteriormente citado o Procurador Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 12 de junho de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca
Protocolado nº 142.340/12
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade material das expressões Assessor Técnico, Assessor da Presidência, Assessor Parlamentar I e Assessor Parlamentar II, previstas no Anexo I da Lei Complementar nº 58, de 29 de outubro de 2009, do Município de Santa Bárbara D’ Oeste, com a redação decorrente da Lei Complementar Municipal nº 143/12.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 12 de junho de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca