EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 146.947/2011

Assunto: Inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico, previsto na alínea “h”, do art. 6º, e constante do Anexo, da Lei Complementar nº 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso

 

 

 

 

Ementa: Inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico, previsto na alínea “h”, do art. 6º e constante do Anexo, da Lei Complementar nº 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso, ao qual não corresponde função de direção, chefia e assessoramento, mas função própria dos cargos de provimento efetivo, que denota subordinação a cargo de terceiro escalão. Violação do art. 115, inc. II e V, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido para que se declare a inconstitucionalidade material das expressões referidas na lei que identificam tal cargo ou emprego.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda, nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico, previsto na alínea “h”, do art. 6º, e constante do Anexo, da Lei Complementar n° 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso pelos fundamentos a seguir expostos.

I – DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

         A Lei Complementar n. 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso , que “reestrutura o quadro de pessoal da Câmara Municipal e dá outras providências”, criou o cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico.

          Entretanto, referido cargo de provimento em comissão não corresponde à função de direção, chefia e assessoramento. Trata-se de lotação que não se situa na administração superior, nem demanda a estrita confiança, cujas missões devem ser realizas por servidores de carreira, até mesmo para não haver solução de continuidade por sucessão de administradores.

A previsão normativa desse cargo de provimento em comissão, como adiante se demonstrará, não condiz com o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal ou com o artigo 115, incisos II e V, da Constituição Estadual.

 

É o que será demonstrado a seguir.

II – DO DIREITO

A Constituição em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e garantindo-lhe plena autonomia, como se observa da análise dos arts. 1º, 18, 29, 30 e 34, VI, “c” da CF (cf. Alexandre de Moraes, “Direito Constitucional”, São Paulo: Atlas, 7.ª ed., p. 261).

A autonomia concedida aos Municípios não tem caráter absoluto e soberano. Pelo contrário, encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos fundamentais, que instituíram a soberania de um povo (cf. De Plácido e Silva, “Vocabulário Jurídico”, Rio de Janeiro: Forense, v. I, 1984, p. 251), sendo definida por José Afonso da Silva como “a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um círculo prefixado por entidade superior”, que, no caso, é a Constituição (Curso de Direito Constitucional Positivo, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 545).

A autonomia municipal se assenta em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização, mediante a elaboração de lei orgânica própria; (b) autogoverno, pela eletividade do Prefeito e dos Vereadores às respectivas Câmaras Municipais; (c) autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; e (d) autoadministração ou administração própria, para manter e prestar os serviços de interesse local (cf. José Afonso da Silva, ob. cit., p. 546).

Nessas quatro capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa (administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas rendas, que é uma característica da autoadministração) (ob. e loc. cits).

Assim, por força da autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são livres para organizar os seus próprios serviços segundo suas conveniências locais. E, na organização desses serviços públicos, a Administração cria cargos e funções, institui classes e carreiras, faz provimentos e lotações, estabelece vencimentos e vantagens e delimita os deveres e direitos de seus servidores (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 8ª. ed., São Paulo: Malheiros, 1996, p. 420).

Contudo, a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou do Poder interessado; e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais pertinentes ao servidor público (ob. e loc. cits.).

No caso em exame, o Legislador Municipal criou cargo de provimento em comissão para o exercício de funções estritamente técnicas ou profissionais, próprias dos cargos de provimento efetivo. Trata-se de função que denota a natureza profissional do vínculo entre seu agente e a Câmara Municipal e que, por essa razão, só poderia ser preenchida por concurso público.

Segundo Ruy Cirne Lima (Princípios de Direito Administrativo, RT, 6.ª ed., p. 162), o funcionário público profissional se peculiariza por quatro característicos básicos, a saber: (a) natureza técnica ou prática do serviço prestado; (b) retribuição de cunho profissional; (c) vinculação jurídica à Administração Direta; e (d) caráter permanente dessa vinculação.

Desse modo, nitidamente diferenciado dos cargos que reclamam provimento em comissão, as funções profissionais devem ser exercidas em caráter permanente, ou seja, pelo quadro estável de servidores públicos municipais, os quais, em conformidade com o disposto no art. 115, inciso II, da Constituição do Estado de São Paulo, só podem ser arregimentados por concurso público de provas ou de provas e títulos.

Na verdade, o cargo em comissão destina-se apenas às atribuições de “direção, chefia e assessoramento” (CF, art. 37, inciso V, com a redação dada pela EC n.º 19/98) e tem por finalidade propiciar ao governante o controle das diretrizes políticas traçadas. Exige, portanto, das pessoas indicadas a titularizá-los, absoluta fidelidade à orientação fixada pela autoridade nomeante. Em outras palavras, o cargo de provimento em comissão está diretamente ligado ao dever de lealdade à linha fixada pelo agente político superior.

Daí porque a exceção contida na parte final do inciso II, do artigo 115, da Constituição do Estado de São Paulo - “ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração” -, que, no ponto, reproduz a dicção do artigo 37, inciso II, da Constituição da República, tem alcance limitado a situações excepcionais, relativas aos cargos cuja natureza especial justifique a dispensa de concurso público.

Torna-se evidente, portanto, que a limitação apontada não tem caráter puramente formal, de simples e incriteriosa indicação legal de cargos de provimento em comissão, que pudesse afastar o princípio constitucional da igual acessibilidade aos cargos públicos.

Bem a propósito, ao estudar com profundidade esse assunto, Márcio Cammarosano deixou anotado que o princípio democrático implica no princípio da igualdade “e este no princípio da igual acessibilidade dos cargos públicos, com o que se resguarda também o princípio da probidade administrativa” (Provimento de Cargos Públicos no Direito Brasileiro, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 45).

Assim, para que a lei criadora de um cargo em comissão não venha a se constituir em burla ao princípio constitucional arrolado, enunciado expressamente pelo artigo 37, incisos I e II, da Constituição da República, deverá observar criteriosamente a natureza das funções a serem desempenhadas, pois, no dizer de Celso Antonio Bandeira de Mello (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, Editora Revista dos Tribunais, 1.ª edição, pág. 49), “impende que exista uma adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial que lhe serviu de supedâneo”.

Afinado a esse mesmo entendimento, Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, 18ª. ed, São Paulo: Malheiros, p. 378) adverte sobre pronunciamento do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “a criação de cargo em comissão em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional de concurso”.

E, da mesma forma, já decidiu o Pretório Excelso que “a exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.” (STF, RTJ 156/793)

Na esteira desse raciocínio, é inescusável que a parte final do inciso II do art. 115 da Constituição do Estado de São Paulo, tem alcance circunscrito a situações em que o requisito da confiança seja predicado indispensável ao exercício do cargo. De fato, como se trata de uma exceção à regra do concurso público, a criação de cargos em comissão pressupõe o atendimento do interesse público e só se justifica para o exercício de funções de “direção, chefia e assessoramento”, em que seja necessário o estabelecimento de vínculo de confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado. Fora desses parâmetros, é inconstitucional qualquer tentativa de criação de cargos dessa natureza.

É incontestável que o cargo de Assessor Jurídico, cuja validade jurídico-constitucional ora se examina, não se apresenta como cargo ou função da administração superior, ou mesmo de “direção, chefia e assessoramento”, que exija relação de confiança ou especial fidelidade às diretrizes traçadas pela autoridade nomeante, mas, sim, de cargo comum, de natureza profissional, que deve ser assumido em caráter permanente por servidores aprovados em concurso.

Em primeiro lugar insta observar já existir o cargo de provimento efetivo de Procurador Jurídico da Câmara Municipal (art. 6, “g”, da impugnada lei).

Ademais, basta observar as atribuições do cargo de provimento em comissão do Assessor Jurídico, que consiste simplesmente em assessorar a administração interna da Câmara Municipal, subsidiar pareceres quando solicitado, bem como desenvolver atividades jurídicas com o Procurador Jurídico para finalidade de assessoramento à Mesa Diretora, exercer atividade de apoio, para se chegar à conclusão de que se trata, igualmente, de cargo de provimento em comissão de terceiro escalão, na medida em que está subordinado ao Procurador Jurídico e à Mesa Diretora.

Para finalizar, lembra-se que o Órgão Especial desse Egrégio Tribunal de Justiça entende ser possível declarar a inconstitucionalidade material de expressões de lei criadora de cargos em comissão (ADIN n.º 11.939-0, relator Des. OLIVEIRA COSTA), cuja natureza não corresponda às características próprias dessas funções, daí porque, também aqui se impõe declarar a insubsistência dos cargos de provimento em comissão impugnados, por serem incompatíveis com os arts. 111; 115, incisos I, II e V, e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

III – CONCLUSÃO

Por todo o exposto, evidencia-se a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão de Assistente Jurídico.

IV – DO PEDIDO LIMINAR

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito legal do Município de Cardoso apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até o final julgamento desta ação.

Está claramente demonstrado que o excesso de cargos de provimento em comissão configura motivo consistente para reconhecimento de sua inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre, especialmente, da ideia de que, sem a imediata suspensão da vigência e da eficácia da disposição normativa questionada, subsistirá a sua aplicação. Serão realizadas despesas (e impostas obrigações à Municipalidade) que, dificilmente, poderão ser revertidas aos cofres públicos na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que os pagamentos realizados ao servidor público nomeado para ocupar tal cargo, certamente, não serão revertidos ao erário, pela argumentação usual, em casos desta espécie, no sentido do caráter alimentar da prestação e da efetiva prestação dos serviços.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia da norma impugnada evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

Com efeito, no contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para a suspensão da eficácia, até o final e definitivo julgamento desta ação, nas partes em que descreve as atribuições do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico.

V – DO PEDIDO

Assim, aguarda-se o recebimento e o processamento da presente Ação Declaratória, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico previsto na alínea “h”, do art. 6º, e constante do Anexo, da Lei Complementar nº 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso, que “reestrutura o quadro de pessoal da Câmara Municipal e dá outras providências”.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Senhor Prefeito Municipal de Cardoso, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

Termos em que,

Aguarda-se deferimento.

 

               São Paulo, 6 de junho de 2012.

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 146.947/2011

Assunto: Inconstitucionalidade do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico, previsto na alínea “h”, do art. 6º, e constante do Anexo, da Lei Complementar nº 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face do cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico previsto na alínea “h”, do art. 6º, e constante do Anexo, da Lei Complementar nº 16, de 8 de dezembro de 1998, do Município de Cardoso, que “reestrutura o quadro de pessoal da Câmara Municipal e dá outras providências”.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 6 de junho de 2012.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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