Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado n. 177.872/11

Assunto: Inconstitucionalidade da Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo.

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo. Vinculação dos subsídios dos Vereadores aos dos Deputados Estaduais. Aumento de despesa sem prévia cobertura financeira. Moralidade administrativa. 1. Há vinculação proibida pelo art. 115, XV, da Constituição Estadual, na fixação, em resolução da Câmara Municipal, do valor dos subsídios dos Vereadores em 75% dos pagos aos Deputados Estaduais: o art. 29, VI, da Constituição Federal, não expressa subordinação ou dependência, senão limite máximo da remuneração. 2. Vinculação que implica reajuste automático desconsiderando a própria autonomia municipal e a diversidade do regime jurídico da remuneração dos agentes políticos municipais detentores de mandato eletivo. 3. Violação do princípio da moralidade administrativa (art. 111, Constituição Estadual) que alberga a inalterabilidade do subsídio durante a legislatura municipal, não bastasse sua incorporação pelo art. 144 da Constituição Estadual. 4. Inexistência dos direitos à revisão geral anual e à irredutibilidade aos agentes políticos parlamentares municipais (art. 115, XI e XVII, CE).

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O Ato Normativo Impugnado

1.                A Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, editada pela Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, assim se encontra redigida, no que interessa:

Art. 1º. O subsídio devido mensalmente ao Vereador da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo para vigorar na próxima legislatura, pelo exercício do mandato parlamentar, é o máximo permitido pela alínea “f”, do inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal.

Parágrafo único. Para aplicação do disposto no “caput” deste artigo o Diretor Geral da Câmara providenciará os comprovantes necessários à demonstração da quantia concedida a título de subsídio ao Deputado Estadual.

Art. 2º. O subsídio de que trata esta Resolução será revisto anualmente, nos termos do inciso X, do art. 37 da Constituição Federal.”

2.               A norma jurídica em foco vincula os subsídios dos Vereadores da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo a percentual dos subsídios fixados para aos Deputados Estaduais e proporciona àqueles o reajuste automático quando houver alteração da remuneração destes, durante o curso da legislatura.

II – O PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE           CONSTITUCIONALIDADE

3.      O ato normativo impugnado contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal. O ato normativo contestado viola os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

Art. 111.  A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

 

(...)

 

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

 

(...)

 

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;

 

(...)

 

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A – PROIBIÇÃO DE VINCULAÇÃO

4.                Frise-se que a redação atual do inciso XV do art. 115 da Constituição Estadual, implantado pela Emenda n. 21, de 14 de fevereiro de 2006, não apresenta diferença substancial, no que concerne ao objeto desta ação, no seu cotejo com a redação original, verbis:

“XV – é vedada a vinculação ou equiparação de vencimentos, para efeito de remuneração de pessoal do serviço público, ressalvado o disposto no inciso anterior e no artigo 39, § 1º da Constituição Federal”.

5.                Com efeito, relevante para o enfrentamento da questão, nesse particular, é a impossibilidade de vinculação de qualquer espécie de remuneração, ressalvadas as exceções expressas na Constituição Federal.

6.                 A incompatibilidade da resolução com a Constituição do Estado de São Paulo é manifesta.

7.                Não bastasse que, à época da edição da enfocada resolução, a Constituição Estadual prescrevesse a regra da anterioridade da legislatura para fixação da remuneração dos Deputados Estaduais (art. 18) - assim como a Constituição Federal (art. 27, § 2º) e o limite de 75% da remuneração dos Deputados Federais (Emenda Constitucional n. 01, de 31 de março de 1992) - em preceito aplicável aos Vereadores por força de seu art. 144, a resolução peca pela vinculação dos subsídios dos Vereadores aos dos Deputados Estaduais.

8.                Não estabelece a Constituição Federal de 1988, em sua redação original e nas redações decorrentes de suas emendas, a vinculação entre a remuneração dos Deputados Estaduais e dos Vereadores.

9.                Em sua redação original, a Constituição Federal continha a seguinte regra:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

 

(...)

 

V - remuneração do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Vereadores fixada pela Câmara Municipal em cada legislatura, para a subsequente, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”.

10.              Com a Emenda Constitucional n. 01, de 31 de março de 1992, surgiu no inciso VI o limite percentual em relação à remuneração dos Deputados Estaduais, sem suprimir a regra da anterioridade da legislatura:

“VI - a remuneração dos Vereadores corresponderá a, no máximo, setenta e cinco por cento daquela estabelecida, em espécie, para os Deputados Estaduais, ressalvado o que dispõe o art. 37, XI”.

11.              Posteriormente, com a implantação do regime de subsídio, a Emenda n. 19/98 conservou esse limite, embora tenha omitido a regra da anterioridade da legislatura:

 

“V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

VI - subsídio dos Vereadores fixado por lei de iniciativa da Câmara Municipal, na razão de, no máximo, setenta e cinco por cento daquele estabelecido, em espécie, para os Deputados Estaduais, observado o que dispõem os arts. 39, § 4º, 57, § 7º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I”.

12.             Conforme decidiu o Supremo Tribunal Federal, “os Municípios têm autonomia para regular o sistema de remuneração dos vereadores, desde que respeitadas as prescrições constitucionais estaduais e federais”, porque a “EC 19/98 não proibiu a aplicação do princípio da anterioridade, apenas retirou o comando imperativo. A omissão foi suprida com a edição da EC 25/00” (STF, AgR-AI 417.936-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Maurício Corrêa, 22-04-2003, v.u., DJ 23-05-2003, p. 38). Mas a existência de limite foi mantida com o advento da Emenda n. 25 em 2000:

“VI - o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

 

(...)

 

f) em Municípios de mais de quinhentos mil habitantes, o subsídio máximo dos Vereadores corresponderá a setenta e cinco por cento do subsídio dos Deputados Estaduais”.

13.              Deste modo, centrada a controvérsia na proibição de vinculação (art. 115, XV, da Constituição Estadual), tanto ela quanto a instituição de limite à remuneração dos Vereadores introduzida no inciso VI do art. 29 da Carta Magna pela Emenda Constitucional n. 01/92, foi preservada pelas subsequentes Emendas n. 19/98 e n. 25/00.

14.              E, efetivamente, não é possível creditar ao art. 29, VI, da Constituição Federal vinculação entre espécies remuneratórias senão a instituição de limite máximo à remuneração lato sensu dos Vereadores. Vinculação demanda expressa previsão constitucional. Destarte, se não há norma cunhando a vinculação entre espécies remuneratórias, não é dado à lei estabelecê-la.

15.              Cuida o inciso VI do art. 29 da Constituição Federal tão somente de limite máximo da remuneração dos Vereadores, que não pode exceder a um determinado percentual da remuneração dos Deputados Estaduais, grandeza essa que tem a natureza jurídica de teto, como já decidido em hipótese similar (STF, RE-AgR 304.814-PE, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 06-12-2005, v.u., DJ 03-02-2006, p. 74).

16.              O subsídio dos Vereadores tem que ser atribuído mediante valor determinado, em quantia que não pode ultrapassar o dos Deputados Estaduais.

17.              Esse é o alcance e o sentido do inciso VI do art. 29 da Constituição Federal. Logo, a Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, ao expressar que “o valor do subsídio dos Vereadores é o máximo permitido pela alínea “f”, do inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal”, equivalente a 75% do subsídio dos Deputados Estaduais, é inconstitucional por incompatibilidade com o art. 115, XV, da Constituição Estadual, porque, olvidando que esse é o teto remuneratório, expressou vinculação entre os subsídios dos parlamentares estaduais e municipais, de maneira que, quando alterada a remuneração dos primeiros, automaticamente se modifica a dos últimos.

18.              A esse respeito, bem explicava Pontes de Miranda que a vinculação proibida é “no sentido de ligação, que torne dependente ou sujeite às regras jurídicas que se editem sobre outro cargo” (Comentários à Constituição de 1967, São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo III, 1967, p. 461), opinião perfilhada pela doutrina de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins no ordenamento jurídico vigente ao enunciarem que a “vinculação é a subordinação de um cargo a outro ou a qualquer outro fator que funcione como índice de reajuste automático, como o salário mínimo ou a arrecadação tributária para fins de remuneração” (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1992, vol. III, tomo III, p. 199), bem como por Hely Lopes Meirelles ao assentar que “vincular não significa remuneração igual, mas atrelada a outra, de sorte que a alteração da remuneração do cargo vinculante provoca, automaticamente, a alteração da prevista para o cargo vinculado” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 30ª ed., 2005, p. 410).

19.              Nesse sentido, a doutrina observa que “as manifestações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre carreiras diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada categoria correspondessem a um percentual de outro e, consequentemente, que o aumento concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de vencimentos em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei estadual, da alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de fixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII do art. 37. O que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma vinculação positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento ou subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136).

20.              E, especificamente sobre os subsídios dos Vereadores, pondera que “o limite não significa vinculação” porque “a fixação de seus subsídios situa-se no plano das conveniências políticas e não há direito ao alcance dos limites constitucionais, sob pena de vinculação” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 210, 213).

21.              Este egrégio Tribunal de Justiça comunga deste entendimento:

 

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA – CÂMARA MUNICIPAL DE TUPÃ – VEREADORES – REMUNERAÇÃO – VINCULAÇÃO EM PERCENTUAL FIXO SOBRE REMUNERAÇÃO EM ESPÉCIE DE DEPUTADO ESTADUAL – ILEGALIDADE. Prevê o art. 29, VI da Constituição Federal que ao final de cada legislatura seja estabelecido o valor dos subsídios para a legislatura subsequente, respeitados determinados parâmetros. Resolução que vincula os subsídios dos vereadores aos dos deputados estaduais atenta contra os preceitos constitucionais. Decisão mantida” (TJSP, AC 458.500-5/6-00, Tupã, 5ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Xavier de Aquino, v.u., 22-03-2007).

 

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. VEREADORES. REMUNERAÇÃO.

1. É inegável reconhecer que o ‘caput’ do art. 5º da Lei Municipal nº 8.949/00 contém sério vício de inconstitucionalidade, pois não fixa os subsídios em valor monetário e os vincula, direta e imediatamente, àquilo que os deputados estaduais fixarem.

2. Tendo o ato que fixou as remunerações dos agentes políticos, descumprido o disposto no arts. 29, V, e 37, da CF, bem como infringido o princípio da moralidade administrativa, devem ser declarados nulos em virtude de sua manifesta ilegalidade, devendo ser restituídas aos cofres públicos as importâncias recebidas à maior.

3. Recursos improvidos” (TJSP, AC 336.821-5/0-00, Ribeirão Preto, 3ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Laerte Sampaio, 27-02-2007).

22.              Insta observar, nesta quadra, que o atrelamento automático dos subsídios dos parlamentares municipais aos congêneres estaduais amesquinha a própria autonomia municipal e o princípio federativo, pois a alteração dos valores devidos a estes implica a automática modificação dos subsídios dos edis, sujeitando o assunto às conveniências da organização política estadual e, para além, desconsidera a diversidade do regime jurídico da remuneração dos agentes políticos municipais detentores de mandato eletivo, perceptível em seu perfil constante na Constituição Federal.

23.              Com efeito, “a Constituição Federal dispensou específico regramento nos incisos do art. 29 ao sistema remuneratório dos agentes políticos municipais”, denotando “a distinção entre o regime dos subsídios dos parlamentares de outras esferas federativas (federal e estadual), que se sujeita à exigência de lei específica, diferentemente do regime jurídico dos subsídios dos parlamentares municipais, que está regrado de modo diverso, inclusive com outras limitações. O panorama constitucional e a análise de sua evolução histórica parecem denotar a definição de um regime jurídico próprio para os parlamentares municipais, mesmo no tocante aos seus subsídios sujeitos a limites peculiares consoante expressas opções constitucionais” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 208, 211).

24.              Por isso, a disposição normativa em foco não obedece aos princípios republicano e da autonomia municipal contidos nos arts. 1º e 144 da Constituição Estadual, que determinam aos Municípios observarem os princípios dispostos nas Constituições Federal e Estadual.

25.              A regra do art. 29, VI, f, da Constituição Federal, não estabelece que os Vereadores têm direito a perceber, a título de subsídio, o equivalente a 75% dos subsídios dos Deputados Estaduais. A previsão constitucional tem outro sentido: a fixação de limite; deste modo, na obra legislativa peculiar à fixação dos subsídios dos Vereadores é defeso estabelecer como valor o próprio limite percentual, mas, tão somente, observá-lo. Neste sentido:

“Correto o parecer. Na verdade, o art. 29, VI, da CF tem eficácia plena e dispensa regulamentação. Com propriedade, sustenta o eminente Presidente do Supremo Tribunal Federal: ‘(...) As alíneas do inciso IV do art. 29 já estabelecem os limites máximos dos subsídios dos vereadores a serem fixados pelas Câmaras Municipais. Isso implica dizer que, dentro dos limites estipulados pela norma, o legislador local poderá estabelecer o valor que melhor lhe convier. Não cabe ao STF interferir na forma de cumprimento da norma constitucional e estipular o subsídio dos vereadores municipais. Isso atentaria contra vários princípios constitucionais, especialmente o da separação dos poderes e o da autonomia dos municípios. É decisão política-administrativa a ser tomada pelos poderes executivos e legislativos local. Nunca pelo STF’ (...)” (STF, MI 714-RS, Rel. Min. Carlos Velloso, 14-12-2004, DJ 01-02-2005, p. 102).

26.              Conforme a jurisprudência pronuncia, é inválida a vinculação automática dos subsídios dos Vereadores aos subsídios dos Deputados Estaduais por violação à autonomia municipal (TJSP, ADI 157.896-0/9-00, Santos, Órgão Especial, Rel. Des. Armando Toledo, v.u., 16-07-2008), assim como a dos Deputados Estaduais por vinculação percentual aos subsídios dos Deputados Federais configura afronta à autonomia estadual (STF, ADI-MC 3.461-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Gilmar Mendes, 28-06-2006, v.u., DJ 02-03-2007, p. 26; STF, MS 21.075-RN, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 16-09-1997, v.u., DJ 24-10-1997, p. 54.158). Neste sentido:

“Deputado Estadual: subsídios: decreto-legislativo que, no curso da legislatura, os eleva a 75% da remuneração dos Deputados Federais, aos quais acresce 40% a título de ‘ajuda de gabinete’: plausibilidade da argüição de ofensa ao art. 27, par. 2., CF (cf. EC 1/92), a qual se soma a da possível violação dos arts. 37, XIII e 25, da Lei Fundamental: riscos de danos financeiros de incerta reparação: medida cautelar deferida” (STF, ADI-MC 891-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 23-06-1993, v.u., DJ 13-08-1993, p. 15.676).

B – INEXISTÊNCIA DE REVISÃO GERAL ANUAL E DE IRREDUTIBILIDADE AOS AGENTES POLÍTICOS

27.              O art. 115, XI e XVII, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X e XV, da Constituição Federal, não amparam aos agentes políticos parlamentares municipais a revisão geral anual nem a irredutibilidade do subsídio à vista do art. 29, VI, da Constituição Federal.

28.              Embora não estejam necessariamente atreladas revisão geral anual e irredutibilidade remuneratória, resulta do ordenamento jurídico positivo que tais direitos são circunscritos aos servidores públicos e agentes políticos vitalícios por ocuparem cargos profissionais, cujo regime jurídico é marcadamente distinto daqueles que transitoriamente são investidos em cargos públicos de natureza política.

29.              Acrescenta-se a isso o próprio impedimento gerado pela regra da anterioridade da legislatura que compreende a inalterabilidade do subsídio dos edis durante a legislatura.

30.              Neste sentido, colaciona-se julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negando aos agentes políticos temporários a revisão geral anual:

“Razoável é a interpretação segundo a qual a Constituição Federal, ao assegurar a revisão geral anual ‘sempre na mesma data e sem distinção de índices’ (inc. X do art. 37), assim determinou para o sistema de remuneração dos servidores públicos e de subsídio dos agentes políticos sem mandato eletivo (referidos no § 4° do art. 39 da CF), não abrangendo o subsídio de agentes políticos detentores de mandato eletivo (Prefeitos, Vice-Prefeitos e Vereadores), que está sujeito a regime próprio.

Invocando doutrina de JOSÉ AFONSO DA SILVA (‘in’ ‘Curso de Direito Constitucional Positivo’, ed. Malheiros, 22ª ed., 2003, pág. 663), acrescenta o culto Procurador de Justiça: ‘Caso assim não se entenda haveria um evidente choque de Poderes, mormente em relação àquele que primeiro fixasse o índice. Suponha-se, assim, que a Câmara Municipal, no exercício da competência estabelecida no art. 29, inciso VI, da Constituição Federal, fixasse em 1% o índice para a revisão anual. É certo que a este não ficaria vinculado o chefe do Poder Executivo, que tem a competência constitucional para alterar a remuneração dos seus servidores (art. 61, § 1°, II, ‘a’)’ (fls. 283/284)” (TJSP, AI 356.170-5/5-00, São Paulo, 9ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Gonzaga Franceschini, v.u., 25-08-2004).

31.              No mesmo sentido, é a manifestação doutrinária:

“A garantia da irredutibilidade não se estende aos agentes políticos investidos em mandatos e que não integram carreiras. Com efeito, diferentemente dos servidores públicos, esses agentes políticos não gozam da garantia, uma vez que a fixação de seus subsídios situa-se no plano das conveniências políticas. Tampouco há legitimidade na vinculação da revisão geral do funcionalismo público para fins da concessão de reajuste dos agentes políticos. A fixação dos subsídios dessa espécie de agentes políticos atende ao seu específico regime jurídico, incomparável com os demais, denotando-se limites e parâmetros diferenciados, razão pela qual não se inserem na revisão geral prevista no art. 37, X, da Constituição.

(...)

Há outros argumentos. A irredutibilidade dos vencimentos foi sensível conquista dos servidores públicos na Constituição de 1988, denotando a proteção dedicada a cargos isolados ou de carreiras, inclusive as de natureza profissional ou técnico-científica, de provimento efetivo ou vitalício, e aqueles que, mercê do caráter político lato sensu (magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas), tem essa feição distanciada da transitoriedade elementar à investidura. Ela, em suma, assume o contorno de garantia (pro societatis) de desempenho imparcial. Para além, quando a Constituição Federal, desde 1891 até a atual de 1988, quis assegurar a irredutibilidade, o fez de modo expresso, ainda que por remissões ou enumerações. No estatuto constitucional dos agentes políticos investidos em mandatos temporários não há qualquer remissão à norma que garanta a irredutibilidade.

(...)

É importante ressaltar que a evolução histórico-constitucional brasileira da irredutibilidade ressalta aspectos subjetivos (de exceção passou a regra) e objetivos (enumeração taxativa da limitação de seu alcance e de sua extensão, ainda que, atualmente, pela adoção da técnica normativa da remissão a preceitos constitucionais). Se ela não é absoluta, como revelam as remissões normativas daquilo que pode decrescer a remuneração (arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I), constata-se que, a par da irredutibilidade em favor dos vencimentos dos servidores públicos estar ligada indissociavelmente ao direito de revisão geral anual (art. 37, X e XV) - porque esta poderia implicar aumento ou diminuição conforme a valorização ou não da moeda, e tendo a remuneração natureza de dívida de valor, se impede a redução - quando a Constituição Federal quis estabelecer irredutibilidade de subsídio e direito à revisão geral anual a outras espécies de agentes públicos políticos o fez expressamente, como se percebe dos citados arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c.

Poder-se-ia afirmar que essa impressão é falsa porque nos art. 37, X e XV, há remissão explícita ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, mormente porque se referem ao art. 39, § 4º, cuja redação daria a impressão de abranger os agentes políticos no raio de ação do direito à revisão geral anual contido no art. 37, X. Entretanto, tal argumento despreza a obviedade: o regime remuneratório (por subsídio) de agentes políticos temporariamente investidos em mandato eletivo ou na administração superior (Ministros de Estado e Secretários de Estados e Municípios) é diferenciado do regime daqueles vitalícios em cargos isolados ou de carreira técnico-científica, e que possuem com explícita referência à irredutibilidade e a revisão geral anual (arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c). Além disso, se essa fosse a concepção constituinte, haveria previsão expressa, nesse sentido, nos arts. 27, § 1º, 28, § 2º, 29, V e VI, 49, VII e VIII, e que, se houvesse, seria absolutamente contraditória à regra da anterioridade da legislatura (art. 29, VI), pela qual durante esse período os subsídios são inalteráveis” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 166-167, 222-224).

32.              Portanto, os atos normativos contestados ofendem o art. 115, XI e XVII, da Constituição Estadual.

C – MORALIDADE ADMINISTRATIVA

33.              A resolução ofende o princípio da moralidade administrativa, inscrito no art. 111 da Constituição Estadual e no art. 37, caput, da Constituição Federal, em razão de esse princípio inibir a fixação ou alteração da remuneração dos Vereadores durante a legislatura, consoante doutrina (Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Comentários à Constituição Brasileira, São Paulo: Saraiva, 1983, 3ª ed., pp. 203, 252; Pedro Calmon. Curso de Direito Constitucional Brasileiro, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1954, 3ª ed., p. 125; Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 211-212) e jurisprudência (STF, RE 206.889-MG, 2ª Turma, Rel. Min. Carlos Velloso, 25-03-1997, v.u., DJ 13-06-1997, p. 26.718; STF, AI 720.929-RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 29-09-2008, DJe 10-10-2008; STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).

34.              E a regra da anterioridade se aplica aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual, que determina a incidência dos princípios da Constituição Federal – norma remissiva que constitui parâmetro no controle abstrato de constitucionalidade de lei local em face da Constituição Estadual por sua incorporação nesta, como decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010) – não bastasse a eficácia do princípio da moralidade para sublimar a inalterabilidade do subsídio durante a legislatura municipal.

35.              Neste sentido, proclama-se que “o subsídio do prefeito é fixado pela Câmara Municipal até o final da legislatura para vigorar na subseqüente” (STF, RE 204.889-SP, 1ª Turma, Rel. Min. Menezes Direito, 26-02-2008, m.v., DJe 16-05-2008), pois “é da competência privativa da Câmara Municipal fixar, até o final da legislatura, para vigorar na subseqüente, a remuneração dos vereadores” (STF, RE 122.521-MA, 1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, 19-11-1991, v.u., DJ 06-12-1991, p 17.827, RTJ 140/269). Este egrégio Tribunal abona essa orientação:

“INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 3º da Lei n°. 5 357, de 31 de maio de 2000 e artigo 1º da Lei n° 5.960, de 05 de junho de 2003, ambos do Município de Franca. Leis Municipais que dispõem sobre a majoração dos subsídios de vereadores durante a própria legislatura. Aumentos variáveis no tempo. Incidente de inconstitucionalidade suscitado por uma das Câmaras de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, em recurso de apelação contra sentença que julgou ação civil pública em face do referido Município e de todos os seus vereadores. Dispositivos que violam a ‘regra da legislatura’ e o princípio da moralidade administrativa. Reajuste anual que não é aplicável aos vereadores. Ofensa aos artigos 29, VI, e 37, ambos da Constituição Federal e 144 da Constituição do Estado. Argüição acolhida para declarara inconstitucionalidade dos dispositivos objurgados” (TJSP, Incidente de Inconstitucionalidade 161.056-0/0-00, Franca, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, v.u., 13-08-2008).

III – Pedido liminar

36.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora, exibido em cores fortes pelo efeito nocivo do comprometimento do erário. A atual tessitura do ato normativo impugnado apontado como violador de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

37.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, da Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo.

IV – Pedido

38.              Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo.

39.              Requer-se sejam requisitadas informações ao Prefeito do Município de São Bernardo do Campo e à Câmara Municipal, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 14 de junho de 2012.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elis Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

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Protocolado n. 177.872/11

Assunto: Inconstitucionalidade da Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo.

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face da Resolução n. 2.627, de 10 de setembro de 2008, da Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                   São Paulo, 14 de junho de 2012.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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