Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº 22.774/2013

 

Ementa:

 

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º, da Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, que estabelece a revisão anual dos subsídios do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, vinculada ao mesmo período e aos mesmos percentuais estabelecidos para os servidores públicos do Município.

2.      A revisão geral anual da remuneração dos agentes políticos municipais é direito exclusivo dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Inadmissibilidade da sua vinculação àquela promovida em favor dos servidores públicos municipais, pela adoção de identidade de datas e índices. Violação dos arts. 111, 115, XI e XV, e 144 da Constituição Estadual.

 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE do art. 2º, da Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, do Município de Tupã, pelos fundamentos a seguir expostos:

 

I – DO Ato Normativo Impugnado

A Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, do Município de Tupã, que fixou para a próxima legislatura o subsídio do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais de Tupã estabeleceu revisão anual dos subsídios destes agentes políticos vinculados àquela estabelecida para os servidores públicos, ao prever o seguinte:

 

“Art. 2º - Os subsídios e todos os valores previstos nesta Lei relativos à remuneração do Prefeito Municipal, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais, serão reajustados anualmente, no mês de abril, na forma do art. 37, inciso X, da Constituição Federal, e do art. 3º da Lei Complementar Municipal nº 14, de 27 de março de 2002, nos mesmos índices utilizados para o reajuste dos servidores do Executivo”.

 

 

II – dO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

O art. 2º da Lei Complementar nº 228/2012, do Município de Tupã, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

Os dispositivos legais mencionados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

“Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O prefeito, o vice-prefeito e os secretários municipais são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos porquanto têm o status de agentes não profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política por eleição.

Por este motivo, os dispositivos legais mencionais, que instituíram o direito à revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais, vinculando-a às datas e índices adotados na revisão da remuneração dos servidores públicos municipais, padecem de inconstitucionalidade.

Elas contrastam com o art. 115, XV, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, XIII, da Constituição Federal.

Não autoriza o ordenamento constitucional a vinculação entre os subsídios dos agentes políticos municipais e o dos servidores públicos municipais para fins de revisão geral anual.

Com efeito, centrada a controvérsia na proibição de vinculação (CE, art. 115, XV), se não há norma constitucional cunhando a vinculação entre espécies remuneratórias, não é dado à lei estabelecê-la.

A esse respeito, bem explicava Pontes de Miranda que a vinculação proibida é “no sentido de ligação, que torne dependente ou sujeite às regras jurídicas que se editem sobre outro cargo”  (Comentários à Constituição de 1967, São Paulo: Revista dos Tribunais, tomo III, 1967, p. 461), opinião perfilhada pela doutrina de Celso Ribeiro Bastos e Ives Gandra da Silva Martins no ordenamento jurídico vigente ao enunciarem que a “vinculação é a subordinação de um cargo a outro ou a qualquer outro fator que funcione como índice de reajuste automático, como o salário mínimo ou a arrecadação tributária para fins de remuneração” (Comentários à Constituição do Brasil, São Paulo: Saraiva, 1992, vol. III, tomo III, p. 199). Também Hely Lopes Meirelles assentou que “vincular não significa remuneração igual, mas atrelada a outra, de sorte que a alteração da remuneração do cargo vinculante provoca, automaticamente, a alteração da prevista para o cargo vinculado” (Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 30ª ed., 2005, p. 410).

Nesse sentido, a doutrina observa que “as manifestações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre carreiras diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada categoria correspondessem a um percentual de outro e, conseqüentemente, que o aumento concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de vencimentos em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei estadual, da alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de fixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII do art. 37. O que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma vinculação positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento ou subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136).

Insta observar que o atrelamento automático da revisão dos subsídios dos agentes políticos municipais aos vencimentos dos servidores públicos municipais é inconstitucional, pois a alteração dos valores devidos a estes implica a automática modificação dos subsídios dos agentes políticos, desconsiderando a diversidade do regime jurídico da remuneração dos agentes políticos municipais detentores de mandato eletivo e investidos em cargos comissionados, perceptível em seu perfil constante na Constituição Federal.

Fértil é a jurisprudência ao censurar a vinculação do reajuste ou revisão dos subsídios de agentes políticos municipais a dos servidores públicos municipais:

CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente”(STF, ADI 3.491-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71, RTJ 201/530).

“Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada ‘regra da legislatura’ aos parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a quem tem vínculo não profissional com a Administração Pública - é vedada a expansão do subsídio como parcela única concebido, para abranger valores excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual (ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal” (TJSP, ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).

“O Colendo Supremo Tribunal Federal já assentou ser inconstitucional dispositivo de lei estadual vinculando a alteração do subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado ao reajuste dos vencimentos dos servidores públicos.(...)

Mutatis mutantis’ a situação é a mesma em se tratando de lei municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador ao reajuste do funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade de dispositivo que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores, porquanto também nessa hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’, estatuída no artigo 29, VI, da Constituição da República. É o caso dos autos, em que a edição de lei atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao reajuste dos servidores municipais, ensejou alteração daquele na mesma legislatura, pelos próprios parlamentares, que assim acabaram por legislar em causa própria, em clara e inequívoca transgressão ao princípio da moralidade administrativa, que a Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art. 5º, LXXIII).

Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque ‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501).

Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema Corte, da lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º de agosto de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais alterar durante o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...), colhendo-se desse venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias atuais tem inteira aplicabilidade e está assim redigida: ‘João Barbalho, comentando o art. 46, da Constituição de 91, achava que deveria a fixação do subsidio ser antes da eleição, de modo que se não soubesse quem queria o beneficiado - cautela que hoje consta da Constituição de 46, e terminava suas considerações com a citação destas palavras de Aristóteles, sempre oportuna entre nós - 'Combinai de tal forma vossas leis e vossas instituições, que os empregos não possam ser objeto de um cálculo interessado’ (V. Comentários à Constituição Federal Brasileira, pg. 235)’ (...)” (TJSP, II 161.056-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, 13-08-2008, v.u.).

Não bastasse, a Constituição Estadual não autoriza sequer a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) – é restrito e exclusivo dos servidores públicos (art. 115, XI), vulnerando, além disso, a legalidade e a moralidade (art. 111, Constituição Estadual).

Os agentes políticos não profissionais não têm as garantias da revisão geral anual que, como se infere do art. 115, XI, da Constituição Estadual, igualmente violado (e que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal), é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, como magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional do seu vínculo à função pública.

Do exposto, é necessário concluir a incompatibilidade do art. 3º da Lei nº 34/2005 e do art. 4º da Lei nº68/2008, do Município de Rancharia, com os arts. 111, 115, XI e XV, e 144, da Constituição Estadual.

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de Rancharia  apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 2º da Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, do Município de Tupã.

IV – Pedido

Face ao exposto, requere-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2º, da Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, do Município de Tupã.

Requer-se ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Rancharia, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

        

                           

São Paulo, 12 de abril de 2013.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca


 

Protocolado nº 22.774/2013

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade do art. 2º, da Lei Complementar nº 228, de 30 de novembro de 2012, do Município de Tupã, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se a interessada, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

   São Paulo, 12 de abril de 2013.

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca