EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Protocolado nº 026.110/2013

 

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté, que “Dispõe sobre a desafetação da Área do sistema de Lazer 3 do Loteamento Residencial Estoril”  é incompatível com a Constituição Estadual, ao promover desafetação de área integrante de sistema de lazer, substituindo-a por outra área, em loteamento ou parcelamento do solo urbano para além das exceções expressamente consentidas no art. 180, VII, § 1º, da Constituição Estadual.

2.      Ausência de participação popular e de planejamento técnico na produção da lei. Inconstitucionalidade por violação dos arts. 180, I, II e V, 181 e 191, da Constituição Estadual.

3.      Violação ao princípio da impessoalidade. Atividade legislativa teve por escopo beneficiar empreendimento privado plenamente identificável. Violação do art. 111, da Constituição Estadual.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, inciso VI e art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté, pelos seguintes fundamentos:

1. DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade e, a cujas folhas reportar-se-á, foi instaurado a partir de representação da Promotoria de Justiça da Habitação e Urbanismo de Taubaté (fls. 02/04).

A Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté, que “Dispõe sobre a desafetação da Área do sistema de Lazer 3 do Loteamento Residencial Estoril” ,  tem a seguinte redação:

“Art. 1º Fica desafetada a área do Sistema de Lazer 3, localizada no Loteamento Residencial Estoril, Taubaté – SP, que se constituiu da matrícula 112.179, assim descrita e caracterizada:

“Mede 11,42m em arco de curva circular com raio de 10,00m em concordância dos alinhamentos da Rua 4; 4,85m confrontando com o Sistema de Lazer 2, daí deflete à direita com 226,21m com azimute de 261º34’39’’ confrontando com a Prefeitura do Município de Taubaté, daí deflete à esquerda com 188,80m com azimute de 171º34’39’’ confrontando com a Prefeitura do Município de Taubaté, daí deflete à direita com 86,35m, confrontando com os lotes 14, 15, 16, 17, 18 e 19 da quadra 2, daí deflete à direita com 16,23m confrontando com a Chácara Frei Diogo, daí deflete à direita com 20,60m confrontando com o lote 39 da quadra 3; 36,81m em arco de curva circular com raio de 12,05m em concordância dos alinhamentos da Rua 2; 30,94m confrontando com o lote 34 da quadra 20, daí deflete à esquerda com 182,78m confrontando com os lotes 8, 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25, 26, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33 e 34 da quadra 20, daí deflete à direita com 11,87m confrontando com o lote 8 da quadra 20; 22,67m em arco de curva circular com raio de 10,00m em concordância dos alinhamentos da Rua 3; 197,81m confrontando com os lotes 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 19 da quadra 22, encerrando uma área de 10.945,60m².”

Art. 2º A área destinada ao novo Sistema de Lazer 3 constitui-se da matrícula nº 105.938, assim descrita e caracterizada:

“Terreno designado Lote A, localizado no loteamento destinado a atividades industriais, comerciais e de prestação de serviços, situado nesta cidade, com a seguinte descrição: inicia-se no ponto B4 distante 216,47m do ponto B, ponto este situado na confluência do Ribeirão do Piracangaguá e Rodovia Presidente Dutra, sentido São Paulo/Rio de Janeiro e segue 183,53m até o ponto C, pelo álveo do Ribeirão Piracangaguá, confrontando com o lote 5 da gleba 2 do loteamento Industrial do Vale do Piracangaguá II; daí deflete à esquerda e segue com rumo NE 84º00’ e 63,90m até o ponto N, confrontando com o Sistema de Lazer 2 do Loteamento Residencial Estoril; daí deflete à esquerda em curva que se projeta para a direita, com raio de concordância de 217,43m e desenvolvimento de 100,66m até o ponto M; daí segue 41,66m até o ponto L, confrontando neste trecho (N-L), com a Avenida Projetada; daí deflete à esquerda e segue 124,34m até o ponto B4 inicial, confrontando com a Área Verde D, encerrando no perímetro acima uma área de 11.405,90m², cadastrado na Prefeitura Municipal no B.C. nº 7.2.001.016.001.”

Art. 3º As áreas de que tratam os arts. 1º e 2º estão caracterizadas na planta AD-2721.

Art. 4º Com a desafetação de que trata o art. 1º, a área descrita e caracterizada deixa de integrar a classe de bens de uso comum do povo, passando à categoria de bens dominicais do Município.

Art. 5º As despesas decorrentes da execução desta Lei onerarão a dotação orçamentária própria.

Art. 6º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.”

O ato normativo impugnado padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. DO PARÂMETRO DA FISCALIZAÇÃO ABSTRATA DE CONSTITUCIONALIDADE

O processo legislativo do referido diploma legal contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, a qual está subordinada a produção normativa municipal por força do seguinte preceito, ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal:

“Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

A lei local impugnada contrasta os seguintes preceitos da Constituição Paulista:

“(...)

Art. 180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

I - o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;

II - a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

V - a observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;

(...)

VII - as áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais não poderão ter sua destinação, fim e objetivos originariamente alterados, exceto quando a alteração da destinação tiver como finalidade a regularização de:

a) loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada ou seja de difícil reversão;

b) equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento;

c) imóveis ocupados por organizações religiosas para suas atividades finalísticas.

§1º - As exceções contempladas nas alíneas “a” e “b” do inciso VII deste artigo serão admitidas desde que a situação das áreas objeto de regularização esteja consolidada até dezembro de 2004, e mediante a realização de compensação, que se dará com a disponibilização de outras áreas livres ou que contenham equipamentos públicos já implantados nas proximidades das áreas objeto de compensação. (NR)

(...)

Art. 181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

(...)

Art. 191. O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”

 

3. DA Violação Ao princípio do planejamento

O ato normativo impugnado desrespeitou a necessidade de planejamento, princípio que deve ser observado na edição de leis relacionadas ao uso do solo.

Nos termos dos art. 180, II e 181, § 1º, da Constituição Estadual, pode-se extrair que planejamento é indispensável à validade e legitimidade constitucional da legislação relacionada o uso do solo.

Todo e qualquer regramento relativo ao uso e ocupação do solo seja ele geral ou individualizado (autorização para construção em determinado imóvel, alteração do uso do solo para determinada via, área ou bairro, etc.) deve levar em consideração a cidade em sua dimensão integral, dentro de um sistema de ordenamento urbanístico, razão pela qual a exigência de planejamento e estudos técnicos.

O art. 182, caput, da Constituição Federal disciplina que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

O inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê ainda a competência dos Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

Em decorrência dos dispositivos acima apontados pode-se concluir que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo deve pautar-se por adequado planejamento e participação popular.

A norma urbanística é, por sua natureza, uma disciplina, um modo, um método de transformação da realidade, de superposição daquilo que será a realidade do futuro àquilo que é a realidade atual.

Para que a norma urbanística tenha legitimidade e validade deve decorrer de um planejamento que é um processo técnico instrumentalizado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. Não pode decorrer da simples vontade do administrador, mas de estudos técnicos que visem assegurar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade (habitar, trabalhar, circular e recrear) e garantir o bem- estar de seus habitantes.

O planejamento não é mais um processo discricionário e dependente da mera vontade dos administradores. É uma previsão e exigência constitucional (Art. 48, IV, 182, da CF e art.180, II, da CE). Tornou-se imposição jurídica, mediante a obrigação de elaborar planos, estudos quando se trate da elaboração normativa relativa ao estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano.

O planejamento urbanístico não é um simples fenômeno técnico, mas um verdadeiro processo de criação de normas jurídicas, que ocorre em duas fases: uma preparatória, que se manifesta em planos gerais normativos, e outra vinculante, que se realiza mediante planos de atuação concreta, de natureza executiva.

Discorrendo a respeito do tema Joseff Woff consigna que o plano urbanístico não constitui simples conjunto de relatórios, mapas e plantas técnicas, configurando um acontecer unicamente técnico. Compenetrando-se da realidade a ser transformada e das operações de transformação que consubstanciam o processo de planejamento, sob pena de ser mera abstração sem sentido, o plano urbanístico adquire, ele próprio, por contaminação necessariamente dialética, as características de um procedimento jurídico dinâmico, ao mesmo tempo normativo e ativo, no sentido de que os anteprojetos elaborados por técnicos e especialistas adquirem a categoria de diretrizes para a política do solo e sua edificação, ao mesmo temo que, em seus desdobramentos, se manifesta como conjunto de atos e fundamentos para a produção de atos de atuação urbanística concreta. (El Planeamiento Urbanístico del Território y lãs Normas que Garantizan su Efectividad, conforme a la Ley Federal de Ordenación Urbana, em La Ley Federal Alemana de Ordenación Urbanística y los Municípios, p. 28 ,  apud José Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro,  2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A propósito do tema, José Afonso da Silva chega a observar que:

“Muitos fatores contribuem para dificultar a implantação desse processo, tais como carência de meios técnicos de sustentação, de recursos financeiros e de recursos humanos, bem assim certo temor do Prefeito e da Câmara de que o processo de planejamento substitua sua capacidade de decisão política e de comando administrativo.” (Direito Urbanístico Brasileiro, 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 83).

A ordenação do uso e ocupação do solo é um dos aspectos substanciais do planejamento urbanístico. Preconiza uma estrutura orgânica para a cidade, mediante aplicação de instrumentos legais como o do zoneamento e de outras restrições urbanísticas que, como manifestação concreta do planejamento urbanístico, tem por objetivo regular o uso da propriedade do solo e dos edifícios em áreas homogêneas no interesse do bem-estar da população, conformando-os ao princípio da função social.

Para que o ordenamento urbanístico seja legítimo, há de ter objetivos públicos, voltados para a realização da qualidade de vida dos habitantes da cidade e de quem por ela circule.

Qualquer atividade urbanística busca a transformação e orientação da realidade das cidades, dando uma sistematização senão a ideal, pelo menos, a possível e mais adequada. Por esse motivo é que novo traçado viário, desafetação de áreas públicas com definição dos usos e restrições urbanísticas, dependem de um estudo que deve levar em conta a situação existente e os objetivos do poder público com respeito às características a dar a cidade, segundo as possibilidades atuais e futuras do seu desenvolvimento, tal como precisa ser com qualquer tipo de planejamento.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, limites e possibilidades do uso do solo urbano, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Não se admite, nesse quadro, modificações individualizadas, pontuais, casuísticas e dissociadas da estrutura sistêmica da utilização de todo o solo urbano estampadas nas leis de uso e ocupação do solo urbano. Caso contrário, tornaria inócuo e sem qualquer validade todo o planejamento e estudos realizados pelo Poder Executivo, por ocasião da propositura e aprovação da lei complementar que instituiu o Plano Diretor Participativo e o Sistema de Planejamento Integrado e Gestão Participativa do Município.

Acerca da importância do planejamento urbanístico que deve preceder a toda e qualquer legislação elaborada nesta matéria, discorre Toshio Mukai que:

“(...) a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental. Belo Horizonte: Fórum, 2004, p. 29).

No caso em tela, pela análise do processo legislativo verifica-se que a lei objeto da impugnação decorreu de provocação da empresa Feeling Estruturas Metálicas Ind. e Com. Ltda interessada no uso da área pública desafetada, com o objetivo segundo consta de construção de empreendimento privado (shopping center), conforme consta dos documentos de fls. 112/137, 166 e 168.

Ainda que tenham ocorrido estudos técnicos para verificação da viabilidade da proposta, a modificação legislativa não está fundada por planejamento urbanístico que busca o crescimento ordenado da cidade e a melhoria das condições de vida dos cidadãos.

A lei impugnada, ainda que tenha sido de iniciativa do Executivo, por não decorrer da atividade de planejamento urbano do município, compromete o crescimento organizado da cidade e a ocupação ordenada de seus espaços.

Deste modo, patente a inconstitucionalidade do ato normativo que, sem qualquer estudo prévio consistente, e de forma casuística e pontual, desafetou área pública e substituiu-a por outra, por ferir frontalmente o disposto nos artigos 180, caput e inciso II, e 181, caput e § 1º, da Constituição Estadual, bem como, por força do artigo 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos artigos 182, caput e § 1º, e 30, inciso VIII, da Constituição Federal.

4. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PARTICIPAÇÃO POPULAR

 A transformação da realidade urbana interfere amplamente na propriedade privada urbana, impondo limites e condicionamentos ao seu uso.

A validade e legitimidade da norma urbanística, em virtude dos condicionamentos e limitações que impõe à atividade e aos bens dos particulares e de seu objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes, pressupõe participação comunitária em todas as fases de sua produção.

Os planos e normas urbanísticas devem levar em conta o bemestar do povo. Cumprem esta premissa quando são sensíveis às necessidades e aspirações da comunidade. Esta sensibilidade, porém, há de ser captada por via democrática e não idealizada autoritariamente. O planejamento urbanístico democrático pressupõe possibilidade e efetiva participação do povo na sua elaboração.

Sendo democrático, ele se coloca contra pressões ilegítimas ou equivocadas em relação ao crescimento e ordenamento da cidade, busca contê-la e orientá-las adequadamente.

O princípio da participação comunitária no estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano é uma exigência da Constituição Estadual (art. 180, II e 191).

O entendimento jurisprudencial sufraga a necessidade não só de prévio estudo técnico e planejamento como da participação comunitária na produção de normas de ordenamento urbanístico. Neste sentido, convém transcrever as seguintes ementas:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação.” (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

Imperioso ainda destacar o entendimento inserto na ementa que se segue, no sentido da necessidade da participação popular, também na fase de discussão do projeto de lei, diante de eventuais emendas substitutivas:

 

“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI COMPLEMENTAR DISCIPLINANDO O USO E OCUPAÇÃO DO SOLO - PROCESSO LEGISLATIVO SUBMETIDO A PARTICIPAÇÃO POPULAR - VOTAÇÃO, CONTUDO, DE PROJETO SUBSTITUTIVO QUE, A DESPEITO DE ALTERAÇÕES SIGNIFICATIVAS DO PROJETO INICIAL, NÃO FOI LEVADO AO CONHECIMENTO DOS MUNÍCIPES – VÍCIO INSANÁVEL - inconstitucionalidade declarada. "O projeto de lei apresentado para apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação. Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhes expõem os interesses envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da norma, tal como proposta" (ADI 994.09.224728-0)

 

Não obstante notícia inserta no requerimento do Vereador Oreste Vanone de que a modificação urbanística traria prejuízo a moradores (fls. 140/141), não se conferiu possibilidade da participação comunitária na produção normativa.

Seria imprescindível a participação da comunidade seja para discutir acerca desafetação da área de lazer , seja para verificação, controle e conveniência da aceitação da área oferecida para sua substituição.

Deste modo, padece de inconstitucionalidade a Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté, por subtrair a possibilidade e exigência constitucional da participação popular, ferindo frontalmente o disposto no art.180 caput  e inciso II, no art.181 caput e §1º e no art.191, da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art.182 caput  e § 1º, e o art. 30 e inciso VIII, da Constituição Federal.

5. DA IMPOSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO DA DESTINAÇÃO ORIGINAL DAS ÁREAS DEFINIDAS COMO VERDE OU INSTITUCIONAIS EM LOTEAMENTOS

A área objeto de desafetação pela lei impugnada, designada como área de lazer, constitui área institucional nos termos da definição do art. 4º, I e § 2º da Lei nº 6.766/79.

A norma local questionada não veicula qualquer das exceções admissíveis à regra da inalterabilidade da destinação original das áreas definidas em projetos de loteamento como áreas verdes ou institucionais, pois, não espelham loteamentos, cujas áreas verdes ou institucionais estejam total ou parcialmente ocupadas por núcleos habitacionais de interesse social destinados à população de baixa renda, e cuja situação esteja consolidada, ou seja, de difícil reversão, nem equipamentos públicos implantados com uso diverso da destinação, fim e objetivos originariamente previstos quando da aprovação do loteamento, na medida em que se referem aos casos de “características regionais específicas e/ou loteamentos com elevado padrão econômico que atendam a demanda com as áreas remanescentes de uma determinada finalidade ou com aproveitamento de áreas com a mesma finalidade próximas” – e cuja compensação prevista destoa do § 1º do art. 180 da Constituição do Estado de São Paulo.

6. DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE.

O fundamento das normas urbanísticas há de ser sempre o de atender às necessidades prioritárias da comunidade, por este motivo, não deverá nem poderá ser político, isto è, visando à satisfação política dos membros do Poder Legislativo ou do Poder Executivo.

Desta forma, a Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté, acabou violando o princípio da impessoalidade, adotado expressamente no art. 111, caput, da Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37, caput, da Constituição Federal, aplicável por força do art.144 da Carta Bandeirante.

O processo legislativo decorreu do interesse de particular.

A desafetação e substituição da área pública não foi motivada por planejamento urbanístico destinado a dar um crescimento ordenado, mas visou privilegiar empreendimento particular identificado e comprovado nos autos ( fls. 112/137, 166 e 168).

O princípio da impessoalidade não é senão manifestação típica do princípio da igualdade (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, "O conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade",  p. 68).  Olvidou-se o legislador que a lei não deve ser fonte de privilégios ou perseguições, mas instrumento regulador da vida social que necessita tratar equitativamente todos os cidadãos (Cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, “Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade”, Malheiros, São Paulo, 1995, 3.ª ed., p. 10).

Em artigo sobre o princípio da igualdade, Fábio Konder Comparato anota que “a força desse princípio impõe-se não só ao aplicador da lei, na esfera administrativa ou judiciária, mas também ao próprio legislador. Em outras palavras, quando a Constituição consagra a igualdade, ela está proibindo implicitamente, quer a interpretação inigualitária das normas legais, quer a edição de leis que consagrem, de alguma forma, a desigualdade vedada. Ao lado, pois, de uma desigualdade perante a lei, pode haver uma desigualdade da própria lei, o que é muito mais grave.” (Cf. “Precisões sobre os conceitos de lei e de igualdade jurídica”, Editora Revista dos Tribunais, ano 87, v. 750, abril de 1998, pp. 11/19).

Esclarece o indigitado jurista que esse vício de inconstitucional desigualdade da própria lei pode ocorrer de duas formas. Haverá, de modo absoluto, uma infração ao princípio de igualdade, quando a lei for editada, explícita ou implicitamente, para regular um só caso individual. Diversamente, a desigualdade será relativa, quando a lei determinar, de modo arbitrário, a diferenciação ou a identificação de situações jurídicas, vale dizer, quando tratar desigualmente os iguais ou igualmente os desiguais (ob. e loc. cits.).

A propósito, recorda Celso Antônio Bandeira de Mello, que “a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis (...) O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia” (Curso de direito administrativo, 12ªed., 2ªtir., São Paulo, Malheiros, 2000, p.84).

Como salienta Hely Lopes Meirelles, tratando do zoneamento urbano, “normas edilícias devem evitar o quanto possível essas súbitas e freqüentes modificações de uso, que afetam instantaneamente a propriedade e as atividades particulares, gerando instabilidade no mercado imobiliário urbano e intranqüilidade na população citadina (...) O Município só deve impor ou alterar zoneamento quando essa medida for exigida pelo interesse público, com real vantagem para a cidade e seus habitantes” (Direito Municipal Brasileiro, cit., p.407).

Por este motivo, o fundamento das normas urbanísticas há de ser sempre o de atender às necessidades prioritárias da comunidade.

Da violação do princípio da impessoalidade também advém o vício do ato normativo impugnado.

6. DO PEDIDO LIMINAR

Estão presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus bonis iuris e do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e eficácia do ato normativo impugnado.

A razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos, que indicam, de forma clara, que a lei impugnada padece de inconstitucionalidade.

O perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão da vigência e eficácia dos preceitos questionados, subsistirá a sua aplicação, com um crescimento desordenado da cidade, com comprometimento ao planejamento urbanístico, ao bem estar da população, à qualidade de vida e ao desenvolvimento sustentável da comuna, que dificilmente poderão ser sanados, na hipótese provável de procedência da ação direta.

Basta lembrar que a ocupação do solo, com base nas alterações de uso providas no mapa de zoneamento, poderá levar a situações urbanisticamente não desejáveis que poderá gerar conflitos e intranquilidade na comunidade.

A ideia do fato consumado, com repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade.

Note-se que, com a procedência da ação, pelas razões declinadas, dificilmente será possível restabelecer o status quo ante.

Assim, a imediata suspensão da eficácia das normas impugnadas evitará a ocorrência de maiores prejuízos, além dos que já eventualmente já se verificaram.

De resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao menos, a excepcional conveniência da medida.

No contexto das ações diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa da Constituição, o juízo de conveniência é um critério relevante, que vem condicionando os pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal, preordenados à suspensão liminar de leis aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125, j. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rel. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ 138/64; ADIN-MC 493, RTJ 142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16.182).

Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata da eficácia da Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté.

7. DO PEDIDO PRINCIPAL.

Por todo o exposto, aguarda-se o recebimento e processamento da presente ação declaratória, para que ao final seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 27 de maio de 2013.

 

 

         Márcio Fernando Elias Rosa

         Procurador-Geral de Justiça

 

aca
Protocolado nº 026.110/2013

Assunto: inconstitucionalidade da Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei nº 4.651, de 13 de junho de 2012, do Município de Taubaté, junto ao E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

3.     Cumpra-se.

 

                  São Paulo, 27 de maio de 2012.

 

 

 

 

                   Márcio Fernando Elias Rosa

              Procurador-Geral de Justiça

 

 

 

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