EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado
n. 45.863/12
Constitucional.
Urbanístico. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 2.505,
de 17 de janeiro de 2012, do Município de Ribeirão Preto. Processo legislativo.
Ausência de participação comunitária. 1.
Inconstitucional lei
municipal que dispõe sobre parcelamento, uso e ocupação do solo e não assegura
a participação comunitária em seu processo legislativo (arts. 180, II, e 191,
da Constituição Estadual).
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício de suas atribuições
(artigo 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734/93; artigos 125, § 2º, e
129, IV, da Constituição Federal; artigos 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso
Protocolado 45.863/2012, vem perante esse egrégio Tribunal de Justiça promover
a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, com pedido liminar, em face da Lei Complementar n.
2.505, de 17 de janeiro de 2012, do Município de Ribeirão Preto, pelos
fundamentos a seguir expostos.
I - O ato normativo impugnado
1. A Lei Complementar n. 2.505, de 17 de janeiro de 2012,
dispõe sobre o parcelamento, uso e ocupação do solo no Município de Ribeirão
Preto.
3. A
Prefeitura Municipal prestou informações (fls. 938/990). Ainda, a Câmara
Municipal de Ribeirão Preto remeteu cópia integral do processo legislativo
(fls. 993/1762 e 1772/2460). Consta do referido processo legislativo que a
Prefeita Municipal apresentou projeto de Lei Complementar n. 207/11. Todavia,
posteriormente, foi apresentado, pela Câmara Municipal, projeto substitutivo ao
projeto de Lei Complementar n. 207/11, que foi aprovado em 22 de dezembro de
2011(fls. 2001/2217). Expedido autógrafo n. 1056/11(fls. 2218/2432).
4. Ocorre
que, diante dos documentos apresentados, não há demonstração de participação comunitária
no processo legislativo referente ao substitutivo ao projeto de Lei
Complementar 207/11, que deu origem a Lei Complementar n. 2.505, de 17 de
janeiro de 2012, do Município de Ribeirão Preto.
II
– O Parâmetro da Fiscalização abstrata de constitucionalidade
5.
A Constituição Federal assegura
aos Municípios autonomia, mas, determina-lhes respeito aos princípios da
própria Constituição Federal e da Constituição Estadual (art. 29), um dos quais
a cooperação das associações representativas no planejamento municipal (art.
29, XI).
6. A
Constituição do Estado de São Paulo em atenção ao art. 29 da Constituição da
República assim dispõe:
“Art. 144. Os Municípios, com
autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se
auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na
Constituição Federal e nesta Constituição”.
7.
Destarte, as Constituições
Federal e Estadual preordenam o exercício da autonomia municipal.
8.
A lei impugnada violou o
disposto nos artigos 180, II, e 191, da Constituição do Estado de São Paulo,
que assim preceituam:
“Art. 180. No estabelecimento de
diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os
Municípios assegurarão:
(...)
II – a participação das respectivas
entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas,
plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
Art. 191. O Estado e os
Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação,
conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural,
artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em
harmonia com o desenvolvimento social e econômico”.
9. Tais dispositivos resultaram violados. A
Constituição Paulista exige que a disciplina do parcelamento do solo urbano e
de matéria referente à urbanização, em sua elaboração e modificação, seja
precedida de estudos técnicos e de oitiva da comunidade, de maneira a impedir
revisões pontuais que molestem o desenvolvimento sustentável, a função social
da cidade, o interesse público, o planejamento urbano, o bem-estar dos
habitantes e a qualidade de vida nas comunas.
10. A Constituição Federal, no art. 30, VIII, prevê a
competência dos Municípios para promover o “adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo
urbano”, e no art. 29, XII, preconiza a “cooperação das associações
representativas no planejamento municipal”, reforçando a necessidade de
abertura à participação popular prévia no processo legislativo das leis de
cunho urbanístico.
11. Os dispositivos constitucionais
parâmetros do controle de constitucionalidade da lei municipal em foco nesta
sede assegura a participação da população em todas as matérias atinentes ao
desenvolvimento urbano e ao meio ambiente, inclusive nos anteprojetos e
projetos de lei, e, são reiteradamente prestigiados pela jurisprudência:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
- Lei n. 2.786/2005 de São José do Rio Pardo - Alteração sem plano diretor
prévio de área rural em urbana - Hipótese em que não foi cumprida disposição do
art. 180, II, da Constituição do Estado de São Paulo que determina a
participação das entidades comunitárias no estudo da alteração aprovada pela
lei - Ausência ademais de plano diretor - A participação de Vereadores na
votação do projeto não supre a necessidade de que as entidades comunitárias se
manifestem sobre o projeto - Clara ofensa ao art. 180, II, da Constituição
Estadual - Ação julgada procedente.” (TJSP, ADI 169.508.0/5, Rel. Des. Aloísio
de Toledo César, 18-02-2009).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
- Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas -
Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em
determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e
ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente
participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os
benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade
manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de
compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a
obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade -
Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho
eminentemente administrativo - Leis dispuseram sobre situações concretas,
concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente,
para declarar a inconstitucionalidade das normas.” (ADI 163.559-0/0-00).
“ação direta de inconstitucionalidade
– lei complementar disciplinando o uso e ocupação do solo – processo
legislativo submetido À participação popular – votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de
alterações significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento
dos munícipes – vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para
apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava
ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em
audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos
interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era
concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a
participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local não
pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação.
Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é
exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos
representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses
envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da
norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques,
m.v., 05-05-2010).
“Ação Direta de Inconstitucionalidade.
Leis Municipais de Guararema, que tratam do zoneamento urbano sem a
participação comunitária. Violação aos artigos 180, II e 191 da Constituição
Estadual. Ação procedente para declarar a inconstitucionalidade das leis nº
2.661/09 e 2.738/10 do Município de Guararema” (TJSP, ADI
0194034-92.2011.8.26.0000, Rel. Des. Ruy Coppola, v.u., 29-02-2012).
12.
A democracia participativa
decorrente dos artigos 180, inciso II e 190 da Constituição Estadual, alcança a
elaboração da lei antes e durante o trâmite de seu processo legislativo até o
estágio final de sua produção, inclusive quando da apresentação de projeto
substitutivo.
13.
Ela permite que a população
participe da produção de normas que afetarão a estética urbana, a qualidade de
vida e os usos urbanísticos.
14. Assim sendo, foram violados os
preceitos que asseguram a democracia participativa, previstos no inciso II do
art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual (que decorrem do inciso XII do
art. 29 da Constituição Federal), e que alcançam a elaboração das leis
urbanísticas (uso e ocupação do solo, parcelamento do solo etc.) antes e
durante seu processo legislativo, até o estágio final de produção da lei.
15. Por fim, a ausência de
participação comunitária não configura apenas um desprezo aos ditames da
Constituição do Estado de São Paulo, mas, antes de tudo, fere princípio
fundamental do Estado Democrático de Direito presente no parágrafo único do
art. 1º da Constituição Federal.
III - Liminar
16. Presentes no caso analisado os pressupostos do fumus boni iuris e do periculum in mora, bastantes para autorizar
a suspensão liminar da vigência e eficácia do preceito normativo impugnado.
17. A aparência do bom direito se mostra inquestionável pela
apreciação de todos os motivos acima elencados, a demonstrar a
inconstitucionalidade da lei impugnada nesta ação.
18. O perigo da demora, por sua vez, decorre do fato de
que, se não for determinada a imediata suspensão da vigência e eficácia do ato
normativo impugnado, podem ser realizados projetos, empreendimentos, obras,
entre outras ações nas áreas tratadas pela lei atacada, com intenso
comprometimento dos bens em questão. Tais atitudes, que demandam investimentos
de grande vulto, trarão grandes prejuízos à população municipal, em
favorecimento de poucos, sendo certo que a alteração física de áreas pode ser
irreversível.
19. A concessão da liminar faz-se essencial para assegurar
que a lei promulgada em frontal violação à Constituição Estadual não produza
efeitos prejudiciais à população e ao erário, sendo certo que, posteriormente,
com a aguardada decisão favorável na presente ação, tal medida também evitará
qualquer empecilho à concretização da eficácia do controle concentrado de
constitucionalidade.
20. Diante do exposto, requer-se a concessão da liminar,
para fins de suspensão imediata da eficácia da lei impugnada até final e
definitivo julgamento desta ação.
IV
- PEDIDO
21. Face ao exposto, requer-se o recebimento e processamento
da presente ação, para que ao final seja julgada procedente, declarando a
inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 2.505, de 17 de janeiro de 2012,
do Município de Ribeirão Preto.
22. Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à
Câmara Municipal e à Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto, bem como, em
seguida, citado o Procurador-Geral do Estado para manifestar-se sobre o ato
normativo impugnado, e, posteriormente, aguarda-se vista para fins de
manifestação final.
Termos
em que, pede deferimento.
São Paulo, 19 de maio de 2014.
Márcio Fernando Elias
Rosa
Procurador-Geral de
Justiça
wpmj
Protocolado n. 45.863/12
Objeto: representação para controle de
constitucionalidade em face da Lei Complementar n. 2.505, de 17 de janeiro de
2012, do Município de Ribeirão Preto.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar n. 2.505, de 17 de janeiro de 2012, do Município de Ribeirão Preto, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 19 de maio
de 2014.
Márcio Fernando
Elias Rosa
Procurador-Geral
de Justiça
wpmj