Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 55.263/12
Assunto:
Inconstitucionalidade dos artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de 27 de outubro
de 2010, do Município de São José do Rio Preto.
Ementa: Arts. 17, 18, 19 e 21 da
Lei Municipal nº 323, de 27 de outubro de 2010, de São José do Rio Preto. Imposição de obrigações e penalidades aos
notários, oficiais de registro de imóveis e prepostos decorrentes de realização
de atos relacionados à transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos. Competência da União para legislar sobre
direito civil e registros públicos (art. 22, I e XXV, CF.). Incompatibilidade, ainda, com os arts. 5º caput;
69, II, “b”; 77 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo. Competência
privativa do Poder Judiciário para legislar sobre organização dos serviços
notariais e de registro.
O
Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
em face dos artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do
Município de São José do Rio Preto, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O Ato Normativo Impugnado
A Lei
nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa do Poder Executivo, “dispõe
sobre ITBI- Imposto sobre transmissão ‘inter-vivos’ de bens imóveis e de
direitos reais sobre eles, alteração da legislação relativa ao ISSQN e
hipóteses de reparcelamento de débitos de qualquer natureza no município de São
José do Rio Preto” e estabeleceu o seguinte nos artigos 17, 18, 19 e 21:
“Art. 17 - Para
lavratura, registro, inscrição, averbação e demais atos relacionados à
transmissão de imóveis ou de direitos a eles relativos, ficam obrigados os
notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos a:
I-
verificar
a existência da prova do recolhimento do imposto ou do reconhecimento
administrativo da não-incidência, da imunidade ou da concessão da isenção;
II-
verificar,
por meio de certidão emitida pela Administração Tributária Municipal, a
inexistência de débitos de IPTU referentes ao imóvel transacionado até a data
da operação.
Art. 18 - Os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos ficam obrigados:
I – a inscrever seus Cartórios no Cadastro Municipal Mobiliário da Secretaria Municipal da Fazenda, bem como comunicar quaisquer alterações;
II – a facultar, aos encarregados da fiscalização, o exame em cartório dos livros, autos e papéis que interessem à arrecadação do imposto;
III - a fornecer, quando solicitado, aos encarregados da fiscalização, certidão dos atos lavrados ou registrados, concernentes a imóveis ou direitos a eles relativos;
IV – a fornecer, na forma regulamentar, dados relativos às lavraturas, transmissões e registros dos imóveis.
Art. 19 – Os notários, oficiais de Registro de Imóveis ou seus prepostos, que infringiram o disposto nesta Lei Complementar, ficam sujeitos à multa de:
I – R$ 200,00 (duzentos reais),por item descumprido, pela infração ao disposto no parágrafo único do artigo 9º;
II – R$ 5.000,00 (cinco mil reais),por item descumprido, pela infração ao disposto nos artigos 17 e 18;
(...)
Art. 21. Nos casos de impossibilidade de existência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com ele, nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que foram responsáveis, os notários, oficiais de Registro de Imóveis, ou seus prepostos.
II – O parâmetro da fiscalização abstrata
de constitucionalidade
Os artigos 17, 18, 19 e 21 da
Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto contrariam
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
Os artigos 17, 18, 19 e
21 da lei municipal de São José do Rio Preto são incompatíveis com os artigos
5º, caput;
69, II, “b” ; 77 e 144, todos da Constituição Estadual, e art. 22, I e XXV da
Constituição Federal, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, e
que assim estabelecem:
“Art.
5º. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo,
o Executivo e o Judiciário.
Art. 69. Compete privativamente ao Tribunal de Justiça:
(...)
II – pelos seus órgãos específicos:
a) (...)
b) organizar suas secretarias e serviços auxiliares, velando pelo exercício da respectiva atividade correicional;
Art. 77. Compete, ademais, ao
Tribunal de Justiça, por seus órgãos específicos, exercer controle sobre atos e
serviços auxiliares da Justiça, abrangidos os notariais e os de registro.
Art. 144 . Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
Avive-se, por necessário, que o art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na
esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na
medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete
para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo
Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello,
18-10-2010, DJe 26-10-2010).
Daí
decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da
Constituição Estadual por sua remissão à Constituição Federal e a seus arts. 22,
I e XXV, que assim dispõem:
“Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
I – direito civil (...);
(...)
XXV
– registros públicos;”
Neste contexto normativo, exsurge “ictu oculi” que a iniciativa legislativa do Executivo do município de São José do Rio Preto afrontou a prescrição constitucional de que compete ao Poder Judiciário iniciativa de lei a respeito de serventias judiciais e extrajudiciais (art. 69, II,”b” da CE), sem se olvidar que o Prefeito e Câmara Municipal de São José do Rio Preto acabaram por legislar sobre registro público e transmissão de propriedade de imóvel, invadindo competência exclusiva da União ( art.22, I e XXV da CF).
Ora, é cediço que os tabelionatos e registros são serviços auxiliares da justiça e, assim sendo, cabe ao Poder Judiciário privativamente disciplinar, fiscalizar e aplicar sanções aos notários, oficiais e prepostos.
Neste sentido caminha a jurisprudência do STF:
ADI 3773 / SP - SÃO PAULO
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE
Relator(a): Min. MENEZES DIREITO
Julgamento:
04/03/2009 Órgão
Julgador: Tribunal Pleno
Publicação
DJe-167 DIVULG
03-09-2009 PUBLIC 04-09-2009
EMENT VOL-02372-01
PP-00132
Parte(s)
REQTE.(S): PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REQDO.(A/S): GOVERNADOR DO ESTADO DE SÃO PAULO
REQDO.(A/S): ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO
INTDO.(A/S): ASSOCIAÇÃO DOS NOTÁRIOS E
REGISTRADORES DO BRASIL -
ANOREG-BR
ADV.(A/S): RENAN LOTUFO
EMENTA .Ação Direta de
Inconstitucionalidade. Lei Estadual (SP) nº 12.227/06. Inconstitucionalidade
formal. Vício de iniciativa. Art. 96, II, "b" e "d", da
Constituição Federal. 1. A declaração de inconstitucionalidade proferida por
Tribunal estadual não acarreta perda de objeto da ação ajuizada na Suprema
Corte, pendente ainda recurso extraordinário. 2. Vencido o Ministro Relator,
que extinguia o processo sem julgamento do mérito, a maioria dos Julgadores
rejeitou a preliminar de falta de interesse de agir por ausência de impugnação
do art. 24, § 2º, item 6, da Constituição do Estado de São Paulo, com
entendimento de que este dispositivo não serve de fundamento de validade à lei
estadual impugnada. 3. É pacífica a
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido de que as leis que
disponham sobre serventias judiciais e extrajudiciais são de iniciativa
privativa dos Tribunais de Justiça, a teor do que dispõem as alíneas
"b" e "d" do inciso II do art. 96 da Constituição da
República. Precedentes: ADI nº 1.935/RO, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ
de 4/10/02; ADI nº 865/MA-MC, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 8/4/94.
4. Inconstitucionalidade formal da Lei Estadual (SP) nº 12.227/06, porque
resultante de processo legislativo deflagrado pelo Governador do Estado. 5.
Ação direta que se julga procedente, com efeitos ex tunc.
Outrossim, os notários, por não serem sujeitos passivos do
IPTU de imóveis pertencentes e negociados por terceiros, não podem sujeitar-se
à obrigação fiscal quer de ordem principal, quer secundária, não lhes cabendo,
também, a posição de cobradores de tal imposto, ou fiscais de seu
recolhimento. A Fazenda Pública deve
valer-se dos procedimentos próprios a tal desiderato. Assinale-se, ademais, que
os notários não são contribuintes
do IPTU dos imóveis transacionados por terceiros, bem como, não podem ser
enquadrados como responsáveis
em tal relação tributária, pois o art. 134, VI, do CTN, atinge apenas os 'tributos devidos sobre os atos praticados'. Portanto, não sendo contribuinte ou
responsável, os notários não podem experimentar qualquer reprimenda fiscal,
seja de obrigação principal ou acessória, o que revela a fragilidade da norma
municipal.
Portanto, os artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto são inconstitucionais por incompatibilidade com os arts. 5º,caput; 69, II, “b”; 77 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo e com o art. 22, I e XXV da Constituição Federal.
III – Pedido
liminar
À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se
a ele o periculum in mora. A atual
tessitura dos preceitos normativos do Município de São José do Rio Preto
apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de
São Paulo é sinal, de per si, para
suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se a
imposição de inconstitucionais penalidades aos notários, registradores e
prepostos.
À luz deste perfil, requer a concessão de liminar
para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, dos artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de
27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto.
IV – Pedido
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento
da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade dos artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de 27 de
outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto.
Requer-se ainda sejam
requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de São José
do Rio Preto, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar
sobre os dispositivos do ato normativo impugnado, protestando por nova vista,
posteriormente, para manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São Paulo, 12 de junho de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
arsm
Protocolado nº 55.263/12
Interessado: Promotoria de Justiça de São José do Rio Preto
Assunto: Inconstitucionalidade dos artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de 27
de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face dos artigos 17, 18, 19 e 21 da Lei nº 323, de 27 de outubro de 2010, do Município de São José do Rio Preto, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 12 de junho de 2012.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
arsm