Excelentíssimo Senhor Desembargador
Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Protocolado n. 58.439/12
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar n. 1.253, de 01 de março de 2011, do Município de Lins. Contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público. Execução ou implementação de programas, projetos, serviços, consórcios, acordo, ajuste e convênios com outras esferas governamentais nas áreas de assistência social, esportes, lazer e cultura. Ausência de excepcionalidade. CE/89. Liberdade de remuneração. Princípios da legalidade e da impessoalidade. 1. A contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público só se legitima se a lei municipal explicitar o caráter excepcional da hipótese de cabimento. 2. Lei local que genericamente é instituída “para atender necessidade de contratação de pessoal para execução ou implementação de programas, projetos, serviços, convênio, consórcio, acordo ou ajuste, na área de assistência social e esportes, lazer e cultura”, é incompatível com o art. 115, X, CE/89, que reproduz o art. 37, IX, CF/88. 3. Ausência de especificação da excepcionalidade quer pela omissão à insuficiência de recursos humanos existentes no quadro de pessoal permanente quer pela vinculação projetos, serviços, programas, mediante parcerias ou não, que podem ou não ser transitórios. 4. Lei que se aparta-se da legalidade remuneratória, abrindo oportunidade à pessoalidade nos negócios públicos, ao permitir que a remuneração seja individualmente arbitrada, molestando os arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111, CE/89.
O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, VI e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei Complementar n. 1.253, de 01 de março de 2011, do Município de Lins, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO
1. A Lei Complementar n. 1.253, de 01 de março de 2011, do Município de Lins, autoriza o Poder Executivo a contratação temporária de pessoal para prestação de serviços nas Secretarias de Assistência Social e de Esportes.
2. Segundo emerge desse texto normativo, a contratação temporária de pessoal poderá ser efetuada para o atendimento de necessidade visando à execução ou implementação de programas, projetos, serviços, convênio, consórcio, acordo ou ajuste, nas áreas de assistência social e de esportes, lazer e cultura (arts. 1º e 3º), por até 12 (doze) meses, prorrogável somente uma única vez (art. 5º), mediante processo seletivo (art. 6º).
3. Além disso, ela permite que a remuneração mensal das pessoas contratadas seja estabelecida em cada contrato (art. 11), podendo ser pelos valores correntes no mercado à falta de parâmetro remuneratório ou em caso de contratação inferior a 01 (um) mês (art. 11, parágrafo único).
II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
4. A lei municipal impugnada contraria
frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a
produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da
Constituição Federal.
5. Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis
aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:
“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.
6. O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera
municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da
Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na
medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete
para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo
Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de
lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes,
31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello,
18-10-2010, DJe 26-10-2010).
7. Daí decorre a
possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição
Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 37, IX, se a
tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 115, X, da Constituição
Estadual.
8. A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da
Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e
sua legislação deve observância ao disposto na Constituição Federal e na
respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da
Constituição do Estado.
9. Eventual
ressalva à aplicabilidade das Constituições federal e estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo
que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município,
não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito
aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém
remissão expressa ao direito estadual.
10. A
lei municipal é incompatível com os seguintes preceitos da Constituição
Estadual:
“Artigo 5º -
São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
§ 1º - É vedado
a qualquer dos Poderes delegar atribuições.
§ 2º - O cidadão, investido na função de um dos Poderes, não poderá exercer a de outro, salvo as exceções previstas nesta Constituição.
(...)
Artigo 24 - A
iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou
comissão da Assembleia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de
Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos
previstos nesta Constituição.
(...)
§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos
públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva
remuneração;
(...)
Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 115 -
Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as
fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é
obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
X - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público”.
11.
Com efeito, inspirado
pelos princípios de impessoalidade e de moralidade referidos no art. 111 da
Constituição Estadual (que reproduz o art. 37, caput, da Constituição Federal) o art. 115, X, da Constituição do
Estado (que reproduz o art. 37, IX, da Constituição da República) fixa a
necessidade de a lei de cada ente federado estabelecer os casos de contratação
por tempo determinado, para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público, pois, segundo José dos Santos Carvalho Filho há três
elementos que configuram pressupostos na contratação temporária: a
determinabilidade temporal, a temporariedade da função e a excepcionalidade do
interesse público (Manual de Direito
Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
12. A
obra legislativa não poderá olvidar a determinação do prazo e a temporariedade
da contratação e nem lhe será lícito inscrever como hipótese de seu cabimento
qualquer necessidade administrativa senão aquela que for predicada na
excepcionalidade do interesse público.
13. A
lei local impugnada genericamente é instituída “para atender necessidade de
contratação de pessoal para execução ou implementação de programas, projetos,
serviços, convênio, consórcio, acordo ou ajuste, na área de assistência social
e esportes, lazer e cultura”, à míngua de qualquer especificação da
excepcionalidade quer pela omissão à insuficiência de recursos humanos
existentes no quadro de pessoal permanente quer pela vinculação projetos,
serviços, programas, mediante parcerias ou não, que podem ou não ser
transitórios.
14. Pela
regra em foco, basta desenvolver, mediante parceria intragovernamental ou não,
projeto, programa ou serviço de assistência social, de esportes, de lazer e de
cultura, para legitimar o recurso à contratação temporária.
15. Neste
sentido, explica a literatura que:
“(...) empregando o termo excepcional para caracterizar o interesse público do Estado, a Constituição deixou claro que situações administrativas comuns não podem ensejar o chamamento desses servidores. Portanto, pode dizer-se que a excepcionalidade do interesse público corresponde à excepcionalidade do próprio regime especial” (José dos Santos Carvalho Filho. Manual de Direito Administrativo, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, 9. ed., pp. 478-479).
“trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em situações incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos) (...) situações nas quais ou a própria atividade a ser desempenhada, requerida por razões muitíssimo importantes, é temporária, eventual (não se justificando a criação de cargo ou emprego, pelo quê não haveria cogitar do concurso público), ou a atividade não é temporária, mas o excepcional interesse público demanda que se faça imediato suprimento temporário de uma necessidade (neste sentido, ‘necessidade temporária’), por não haver tempo hábil para realizar concurso, sem que suas delongas deixem insuprido o interesse incomum que se tem de acobertar” (Celso Antonio Bandeira de Mello. Curso de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 2009, 20. ed., pp. 281-282).
16. A lei específica não poderá
utilizar de cláusulas amplas, genéricas e indeterminadas. Deve empregar
conceitos que consubstanciem aquilo que seja possível conceber na
excepcionalidade. Neste sentido, já foi decidido:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. (...) III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (RTJ 192/884).
“CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL CAPIXABA QUE DISCIPLINOU A CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES PÚBLICOS DA ÁREA DE SAÚDE. POSSÍVEL EXCEÇÃO PREVISTA NO INCISO IX DO ART. 37 DA LEI MAIOR. INCONSTITUCIONALIDADE. ADI JULGADA PROCEDENTE. (...) III - O serviço público de saúde é essencial, jamais pode-se caracterizar como temporário, razão pela qual não assiste razão à Administração estadual capixaba ao contratar temporariamente servidores para exercer tais funções. IV - Prazo de contratação prorrogado por nova lei complementar: inconstitucionalidade. V - É pacífica a jurisprudência desta Corte no sentido de não permitir contratação temporária de servidores para a execução de serviços meramente burocráticos. Ausência de relevância e interesse social nesses casos. VI - Ação que se julga procedente” (STF, ADI 3.430-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 12-08-2009, v.u., DJe 23-10-2009).
17. Não é somente a
temporariedade de uma atividade que justifica a contratação por tempo
determinado, pois, ela pode ser desempenhada por recursos humanos constantes do
quadro de pessoal permanente. Para autorizá-la, é mister que a lei precise a
excepcionalidade da medida, pois, serviços, programas e projetos de assistência
social, esportes, lazer e cultura podem ou não ser transitórios e
extraordinários.
18. No ponto, a lei é incompatível com
o art. 115, X, da Constituição Estadual.
19. Não bastasse, a lei local
contestada aparta-se da legalidade remuneratória, abrindo oportunidade à
pessoalidade nos negócios públicos, ao permitir que a remuneração seja
individualmente arbitrada, podendo ser superior a de cargos públicos de
provimento efetivo, molestando os arts. 5º, 24, § 2º, 1, e 111 da Constituição
Estadual.
III – Pedido liminar
20. À
saciedade demonstrado o fumus boni iuris,
pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura do preceito normativo
municipal apontado como violador de princípios e regras da Constituição do
Estado de São Paulo é sinal, de per si,
para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a
continuidade de suas nocivas consequências, lesivas ao erário.
21. À
luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até
final e definitivo julgamento desta ação, da Lei Complementar n. 1.253,
de 01 de março de 2011, do Município de Lins.
IV – Pedido
22. Face
ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que,
ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei
Complementar n. 1.253, de 01 de março de 2011, do Município de Lins.
23. Requer ainda sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Lins, bem como posteriormente
citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato
normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para
manifestação final.
Termos em que, pede
deferimento.
São
Paulo, 24 de junho de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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Protocolado n. 58.439/12
Interessado: Promotoria
de Justiça de Lins
Assunto: Inconstitucionalidade
da Lei Complementar n. 1.253, de 01 de março de 2011, do Município de Lins.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar n. 1.253, de 01 de março de 2011, do Município de Lins, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São
Paulo, 24 de junho de 2013.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
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