EXCELENTÍSSIMO
SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO
PAULO
Protocolado n.: 091.800/13
Ementa.
1) Lei n. 2.314, de 31 de agosto de 2005, do Município de
Guararema, que “Dispõe sobre autorização para a Prefeitura de Guararema
padronizar a frota de veículos e equipamentos pesados de sua propriedade e dá
outras providências”.
2) Diploma que não
observa o princípio da licitação.
3) Violação aos arts.
111, 117 e 144 da Constituição Estadual.
4) Ação Direta visando
à declaração de inconstitucionalidade da norma legal impugnada.
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE
SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no artigo 116, inciso VI, da
Lei Complementar n.º 734, de 26 de novembro de 1993, e em conformidade com o
disposto nos artigos 125, § 2º, e 129, inciso IV, da Constituição da República
e artigo 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição Estadual, com amparo
nas
informações colhidas no incluso protocolado (PGJ nº091.800/13),
vem, respeitosamente, promover perante
esse Colendo Tribunal de Justiça a presente AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE, postulando-a em face da Lei n. 2.314, de 31
de agosto de 2005, do Município de Guararema, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor.
I
– DO DISPOSITIVO IMPUGNADO
A Lei Municipal n. 2.314, de 31 de agosto de 2005, do Município de Guararema, que “Dispõe sobre autorização para a Prefeitura Municipal de Guararema padronizar a frota de veículos e equipamentos pesados de sua propriedade e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a padronizar a frota de veículos e equipamentos pesados de propriedade da Prefeitura Municipal de Guararema.
Art. 2º - A padronização da frota atende a imposição de compatibilidade de especificações técnicas e de desempenho, sendo esta feita por categoria.
Art. 3º - Para efeito de futuras aquisições, a frota de propriedade da Prefeitura de Guararema será padronizada da seguinte forma:
I- veículos leves, da marca VOLKSWAGEN, ou de sua sucessora;
II- veículos utilitários, compreendidos estes por pick-ups e camionetas, da marca FORD, ou de sua sucessora;
III- ambulâncias da marca FORD, ou de sua sucessora;
IV- veículos pesados, compreendidos estes por caminhões, da marca FORD, ou de sua sucessora;
V- veículos pesados, compreendidos estes por ônibus e micro-ônibus, da marca MERCEDEZ, ou de sua sucessora;
VI- máquinas padronizadas da marca FIATALLIS/NEW HOLAND, ou de sua sucessora.
Art. 4º - As despesas eventualmente decorrentes da presente Lei correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
II- FUNDAMENTAÇÃO
Referida legislação,
como se verá, é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São
Paulo, em especial com as seguintes disposições:
“Art. 111 – A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público.
(...)
Art. 117 – Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
(...)
Art. 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
A Constituição
em vigor consagrou o Município como entidade federativa indispensável ao nosso
sistema federativo, integrando-o na organização político-administrativa e
garantindo-lhe plena autonomia, como se nota da exegese dos arts. 1.º, 18, 29,
30 e 34, VI, “c” da Constituição Federal.
Na definição de José Afonso da Silva,
autonomia é a capacidade ou poder de gerir os próprios negócios, dentro de um
círculo prefixado por entidade superior, que no caso é a Constituição. Verifica-se, pois, que essa autonomia
consagrada ao Município não tem caráter absoluto e soberano, ao contrário,
encontra limites nos princípios emanados dos poderes públicos e dos pactos
fundamentais, que instituíram a soberania de um povo.
A autonomia
municipal assenta-se em quatro capacidades básicas: (a) auto-organização,
mediante a elaboração de lei orgânica própria, (b) autogoverno, pela
eletividade do Prefeito e dos Vereadores as respectivas Câmaras Municipais, (c)
autolegislação, mediante competência de elaboração de leis municipais sobre
áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar, (d)
auto-administração ou administração própria, para manter e prestar os serviços
de interesse local.
Nessas quatro
capacidades, encontram-se caracterizadas a autonomia política (capacidades de
auto-organização e autogoverno), a autonomia normativa (capacidade de fazer
leis próprias sobre matéria de sua competência), a autonomia administrativa
(administração própria e organização dos serviços locais) e a autonomia
financeira (capacidade de decretação de seus tributos e aplicação de suas
rendas, que é uma característica da auto-administração), conforme o mesmo
autor.
Por força da
autonomia administrativa de que foram dotadas, as entidades municipais são
livres para administrar seus próprios interesses, segundo suas conveniências
locais. Mas a liberdade conferida aos Municípios para organizar os seus
próprios serviços não é ampla e ilimitada; ela se subordina às seguintes regras
fundamentais e impostergáveis: (a) a que exige que essa organização se faça por
lei; (b) a que prevê a competência exclusiva da entidade ou Poder interessado;
e (c) a que impõe a observância das normas constitucionais federais e estaduais
pertinentes.
Todavia,
verifica-se neste caso que a Câmara de Vereadores de Guararema aprovou o texto
normativo, de autoria do Chefe do Poder Executivo, que autoriza a padronização
da frota de veículos e equipamentos pesados pertencentes à Prefeitura daquele
Município, apontado previamente a marca dos veículos leves, utilitários,
ambulâncias, veículos pesados, máquinas padronizadas e motocicletas que deverá
adquirida, sem a devida licitação, como lhe era exigido segundo a regra
inscrita no art. 117, da Constituição do Estado de São Paulo.
Maria Sylvia
Zanella Di Pietro, lembrando o conceito de José Roberto Dromi define licitação
“como o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da
função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às
condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem
propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a
celebração de contrato”.
É comum na Administração Pública a
contratação com terceiros. Consoante leciona Marçal Justen Filho, citando Cirne
Lima, “o fim, - e não a vontade -, domina todas as formas de administração”.
Independentemente
das alegações do Sr. Prefeito que não foram comprovadas no sentido de que a
padronização teria que seguir os moldes da legislação impugnada devido aos
veículos, máquinas e motocicletas já existentes, não há dúvidas de que incidem
as regras do direito público para a aquisição dos mesmos. Esse dever, porém,
foi flagrantemente descumprido nesse caso.
A falta de
licitação é apenas um, entre outros vícios materiais encontrados nos
dispositivos legais ora questionados. Aliás, sobre o tema Marçal Justen Filho
afirma: “Deve tomar-se em vista, como ponto de partida, a previsão
constitucional de que todas as contratações administrativas serão precedidas de
licitação, ressalvadas as exceções indicadas
Referidos artigos
malferiram, ainda, os princípios da igualdade, da impessoalidade e da
moralidade, ao permitir que a aquisição de veículos, máquinas e motocicleta
pelo Poder Público com as respectivas marcas
previamente definidas retirem a
possibilidade de outras marcas concorrerem para tais aquisições.
É de conhecimento geral que o Poder
Público age em nome do Estado, não podendo favorecer quem quer que seja, sob
pena de invalidade dos atos que produzir. Para a doutrina, o princípio da
impessoalidade ou da finalidade “exige que o ato seja praticado sempre com
finalidade pública”, de modo que “o administrador fica impedido de buscar outro
objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros.” (Hely Lopes
MEIRELLES, Direito Administrativo
brasileiro, 22ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, p. 85)
Em consequência,
não só a impessoalidade foi quebrada, mas também a isonomia, pois o
favorecimento das marcas mencionadas em detrimento de outras importa no
descumprimento dos mais comezinhos princípios constitucionais, que é o de
tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais. Sobre isso, José
Afonso da Silva leciona: “Há duas formas de cometer essa inconstitucionalidade.
Uma consiste em outorgar benefício legítimo a pessoas ou grupos, discriminando-os
favoravelmente em detrimento de outras pessoas ou grupos em igual situação.
Neste caso, não se estendeu às pessoas ou grupos discriminados o mesmo
tratamento dado aos outros. O ato é inconstitucional, sem dúvida, porque feriu
o princípio da isonomia”.
O desprezo à
ordem jurídica institucional gera violação ao princípio da moralidade, pois não
se pode permitir que a administração pública aja sem isenção e ao arrepio da
ordem constitucional.
Portanto, o
agente público, incluído aquele que detém mandato eletivo, está preso à
observação das normas e princípios constitucionais, como previsto no art. 111,
da Carta Estadual.
E, no caso em
exame isso não ocorreu. Ao permitir que o Município de Guararema padronize a
frota de seus veículos, máquinas, equipamentos e motocicletas nos moldes
pretendidos, de maneira a favorecer as marcas previamente escolhidas em detrimento das demais, o legislador local
afrontou os mais comezinhos princípios administrativos, quais sejam, o da
impessoalidade, da igualdade, da moralidade e o da Licitação.
Assim,
afigura-se irrecusável que a legislação impugnada em exame é verticalmente
incompatível com os arts. 111 e 117 da Constituição do Estado de São Paulo,
preceitos esses que são de observância obrigatória pelos Municípios, por força
do disposto no art. 144 dessa mesma Carta, impondo-se, por conseguinte, a sua
exclusão do ordenamento constitucional em vigor.
III – PEDIDO
Nestes termos,
requeiro seja determinado o processamento da presente ação, colhendo-se
informações pertinentes do Prefeito e da Câmara de Vereadores de Guararema,
sobre as quais me manifestarei no momento processual oportuno, vindo, no final,
a ser reconhecida e proclamada a inconstitucionalidade da Lei n. 2.314, de 31
de agosto de 2005, do Município de Guararema.
Requer-se ainda
seja citado o Procurador-Geral do Estado, para manifestar-se sobre o ato
normativo impugnado.
Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.
São Paulo, 03 de fevereiro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
vlcb
Protocolado nº 091.800/13
Interessado: Subprocuradoria-Geral
Jurídica
Assunto: Inconstitucionalidade
da Lei n. 2.314, de 31 de agosto de 2005, do Município de Guararema.
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 2.314, de 31 de agosto de 2005, do Município de Guararema, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 03 de fevereiro de 2014.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
vlcb