EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

Protocolado nº 093.840/12

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia

 

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Complementar Municipal n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre pintura de denominações de vias públicas nos postes de energia elétrica no Município de Luziânia. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (arts. 5º, 25, 47, II e XIV, da Constituição Paulista). Inconstitucionalidade constatada.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, inciso VI, da Lei Complementar Estadual nº 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, inciso IV, da Constituição Federal, e ainda nos arts. 74, inciso VI, e 90, inciso III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE  em face da Lei n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia, pelos fundamentos a seguir expostos.

1.   DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO

A Lei n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia, de iniciativa parlamentar, dispõe sobre pintura de denominações de vias públicas nos postes de energia elétrica no Município de Luziânia.

 Com base nos elementos colhidos, é possível concluir que a Lei Complementar Municipal n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia, padece de incompatibilidade com a Constituição do Estado de São Paulo. Eis o teor do diploma legal mencionado:

 

“Art. 1.º - O Poder Executivo poderá, nos termos desta lei, pintar nos postes de energia elétrica as denominações das vias públicas do Município de Luziânia, sem ônus à concessionária.

Art. 2.º - Para a execução do que dispõe o artigo primeiro, a municipalidade deverá ter a anuência da concessionária do serviço público de energia elétrica do nosso município, além de ser firmado compromisso de serviços de limpeza/pintura dos postes, sem ônus à concessionária, sempre que estes sejam removidos ou substituídos.

Parágrafo único- Caso a Prefeitura Municipal não venha a cumprir o estabelecido no artigo segundo dentro do prazo a ser firmado no compromisso, caberá à CPFL a cobrança do serviço de limpeza/repintura realizado.

Art. 3º - A pintura das denominações das vias públicas nos postes de energia elétrica deverá obedecer aos seguintes critérios:

I- Poderão ser pintados somente os postes em início de quadras, não devendo ser pintados todos os postes da rua;

II- A pintura deverá ser em fundo verde ou azul, com caracteres em branco fosforescente, ocupando espaço máximo de 1,0 m entre a altura mínima de 2,7 m e máxima de 3,0 m, do nível de calçada;

III- A pintura não poderá cobrir a placa ou relevo de identificação onde os dados do fabricante, data de fabricação, comprimento e resistência nominal do poste;

Art. 4º- As despesas com a execução da presente lei onerarão dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 5º - O Prefeito Municipal regulamentará a presente lei dentro de noventa dias da publicação”.

2.   FUNDAMENTAÇÃO

         O ato normativo impugnado nesta ação direta estabelece providências concretas por parte do Poder Público local, na medida em que determina e fixa critérios para a pintura nos postes de energia elétrica das denominações das vias públicas do Município de Luziânia.

         Nesse sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

         Ao Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

         Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, incisos II e XIV, todos da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da referida Carta.

          Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

          Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos ou que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

         Mutatis mutandis, já proclamou esse Egrégio Plenário que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (Adin n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

         O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).        

         Por fim, oportuno observar que a realização do disposto na lei examinada (pintura nos postes de energia elétrica das denominações das vias públicas do Município de Luziânia), certamente, traria despesas para o erário.

         Em casos similares esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADINs ns. 18.628-0, 13.796-0, 38.249-0, 36.805.0/2, 38.977.0/0).

3.   PEDIDO

Evidenciada a necessidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da lei aqui examinada, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação declaratória, para que, ao final, seja julgada procedente, reconhecendo-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia.

Requer-se, ainda, que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado.

Posteriormente, aguarda-se vista para fins de manifestação final.

 

São Paulo, 28 de agosto de 2012.

 

                        Márcio Fernando Elias Rosa

                        Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 093.840/12

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia

 

 

 

 

1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei Complementar Municipal n. 1.448, de 15 de abril de 2010, do Município de Luziânia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

 

2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

 

São Paulo, 28 de agosto de 2012.

 

 

         MÁRCIO FERNANDO ELIAS ROSA

    Procurador-Geral de Justiça