Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

 

 

Protocolado n. 94.313/12

 

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba. Autorização legislativa para criação de empresa pública, de sua transformação em sociedade de economia mista (§ 1º do art. 1º), sem controle acionário estatal (art. 3º), e de integralização de seu capital por entidades privadas sem finalidade lucrativa (arts. 3º e § 3º do art. 9º) e de doação de ações a órgãos ou entidades universitárias ou de pesquisa científica, privados (§ 2º do art. 9º). Contratação de pessoal por prazo determinado à margem de necessidade temporária e de excepcional interesse público (parágrafo único do art. 12). 1. A transformação de empresa pública em sociedade de economia mista exige coeva autorização legislativa específica, contrastando o § 1º do art. 1º da Lei n. 10.115/12 com o inciso XV do art. 47 e o inciso XXI do art. 115, CE/89. 2. Empresa estatal com possibilidade de capital social aberto à iniciativa privada, sem preservar a maioria do controle acionário do poder público, não configura empresa pública nem sociedade de economia mista (art. 3º, Lei n. 10.115/12), colidindo com os arts. 47, XV e 115, XXI, CE/89. 3. A integralização do capital social de empresa pública por entidades privadas sem finalidade lucrativa (art. 3º e § 3º do art. 9º da Lei n. 10.115/12) é incompatível com a figura da empresa pública (art. 115, XXI, CE/89). 4. A doação de ações do capital social de empresa estatal a entidades privadas universitárias ou de pesquisa científica (§ 2º do art. 9º da Lei n. 10.115/12), à margem de processo licitatório, ofende os princípios da moralidade, do interesse público, e da impessoalidade (arts. 111 e 117, CE/89), não obstante significar para empresa pública sua extinção e a criação de sociedade de economia mista à míngua de autorização legislativa prévia e específica (arts. 47, XV e 115, XXI, CE/89). 5. Embora o regime de contratação de pessoal por tempo determinado em empresa estatal seja o celetista, suas hipóteses devem ostentar os requisitos do atendimento de necessidade temporária e da excepcionalidade do interesse público, contrastando o parágrafo único do art. 12 da Lei n. 10.115/12 com o art. 115, X, CE/89. 

 

 

                   O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 29, I, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público), no art. 103, II, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), e no art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, em conformidade com o disposto nos arts. 125, § 2º e 129, IV, da Constituição Federal, no art. 74, VI, da Constituição do Estado de São Paulo, no art. 25, I, da Lei n. 8.625, de 12 de fevereiro de 1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e no art. 103, II, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do § 1º do art. 1º, do art. 3º, dos §§ 2º e 3º do art. 9º, e do parágrafo único do art. 12 da Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – O ATO NORMATIVO IMPUGNADO

1.                A Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba, tem a seguinte redação:

“CAPÍTULO I

DA AUTORIZAÇÃO PARA A CRIAÇÃO DA NUPLAN

Art. 1º. Fica o município de Sorocaba autorizado a criar empresa pública, sob a forma de sociedade anônima, denominada Núcleo de Planejamento Regional S/A - NUPLAN, com personalidade jurídica de direito privado e patrimônio próprio, vinculada à Secretaria de Planejamento e Gestão – SPG.

§ 1º. Fica o Município autorizado a transformar a NUPLAN em sociedade de economia mista por meio de alienação de ações ou de integralização de capital.

§ 2º. A NUPLAN terá sede e foro no município de Sorocaba e, para a consecução de seu objeto social, poderá manter escritórios e instalações em outros Municípios.

§ 3º. A NUPLAN será constituída pela Assembleia Geral convocada pela Secretaria de Governo e Relações Institucionais – SGRI

CAPÍTULO II

DO CAPITAL SOCIAL E DE SUA INTEGRALIZAÇÃO

Art. 2º. A NUPLAN terá seu capital social representado por ações ordinárias nominativas.

Parágrafo único. O capital social inicial da NUPLAN será de R$ 5.000.000,00 (cinco milhões de reais).

Art. 3º. O município de Sorocaba está autorizado a integralizar 40% (quarenta por cento) do capital social autorizado da NUPLAN, correspondente a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), podendo os 60% (sessenta por cento) restantes serem integralizados pelo Estado de São Paulo, por Municípios integrantes da região do Sudoeste Paulista e por entidades sem fins econômicos do setor privado.

§ 1º. A integralização de capital, por parte do município de Sorocaba, mencionada no caput deste artigo, poderá ser realizada de forma gradativa, no exercício financeiro em que esta Lei for publicada, bem como nos exercícios financeiros seguintes.

§ 2º. A integralização mencionada neste artigo será realizada com recursos oriundos de dotações consignadas no Orçamento do Município, bem como na incorporação de qualquer espécie de bens móveis suscetíveis de avaliação em dinheiro.

Art. 4º. Fica o município de Sorocaba autorizado a integralizar até o valor R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) correspondente a 15% (quinze por cento) do capital do Núcleo de Planejamento Regional – NUPLAN no exercício em curso.

§ 1º. Para atender o disposto no caput, fica o Município autorizado a abrir um crédito adicional especial até o valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) para realizar a integralização do capital, no órgão 03.01.00 4.5.90.65.00 19 573 6007 em ação a ser criada denominada Integralização de Capital ao NUPLAN.

§ 2º. Para integralização dos 25% (vinte e cinco por cento) restantes, fica o Município autorizado a abrir um crédito adicional especial, até o valor de R$ 1.700.000,00 (um milhão e setecentos mil reais) a ser repassado gradativamente neste exercício financeiro e nos exercícios financeiros seguintes.

CAPÍTULO III

DAS FINALIDADES DA NUPLAN

Art. 5º. A NUPLAN terá por finalidades:

I – elaborar estudos de diagnóstico social, ambiental, cultural, urbanístico e econômico de interesse do desenvolvimento da região do Sudoeste Paulista, inclusive:

a) constituindo banco de dados com as informações existentes;

b) produzindo informações, desenvolvendo, apoiando ou patrocinando pesquisas.

II – avaliar e acompanhar a situação social, ambiental, cultural, urbanística e econômica, bem como a qualidade de vida da região do Sudoeste Paulista, garantindo sempre a participação dos Conselhos Municipais das cidades que integram o NUPLAN, podendo:

a) instituir e manter sistema de indicadores;

b) opinar sobre propostas de interesse do desenvolvimento regional ou de Municípios do Sudoeste Paulista, sobretudo em relação a sua consistência técnica e de sua inserção no contexto regional.

III – propor alternativas para o desenvolvimento sustentável da região do Sudoeste Paulista, especialmente por meio de:

a) apoio a foro regional de desenvolvimento, fornecendo a este apoio administrativo, técnico e operacional;

b) apoio ao planejamento municipal, com vistas a que este incorpore visão regional;

c) desenvolvimento de atividades ou de apoio a atividades de planejamento regional, desenvolvidas por entidades públicas ou privadas;

d) audiências públicas de forma a promover amplamente o debate das propostas.

§ 1º. Para a consecução de seus objetivos fica a NUPLAN autorizada a firmar contratos, acordos ou termos de parcerias com entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras.

§ 2º. A NUPLAN poderá realizar suas atividades mediante convênio ou contrato com entidades universitárias e de pesquisas, inclusive órgãos de fomento à pesquisa científica, ou com prestadores de serviços.

CAPÍTULO IV

DA GOVERNANÇA

Seção I

Dos princípios

Art. 6º. A gestão administrativa da NUPLAN deverá atender aos seguintes princípios:

I – independência política, não podendo suas ações ou a continuidade de suas ações dependerem de interesses políticos ou partidários;

II – competência técnica, devendo a qualidade de suas atividades nortear-se pela excelência;

III – visão regional, compreendendo as suas ações sempre no contexto da região do Sudoeste Paulista;

IV – foco no planejamento, evitando substituir outros órgãos ou entidades na execução de políticas públicas;

V – fomento à qualidade, atuando em questões que tenham repercussão prática nas atividades desenvolvidas pelos órgãos e entidades públicos, especialmente pelos Municípios da região do Sudoeste Paulista.

Seção II

Dos órgãos

Art. 7º. A NUPLAN será organizada nos termos de seus estatutos, o qual deverá prever:

I – a Assembleia Geral;

II – o Conselho de Administração;

III – o Conselho Técnico-Científico.

Parágrafo único. A NUPLAN deverá adotar Conselho Fiscal na forma prevista no art. 161, caput, in fine, e § 2º da Lei Federal nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976.

Seção III

Do Conselho de Administração

Art. 8º. Os membros do Conselho de Administração serão eleitos pela Assembleia Geral, permitida a reeleição.

§ 1º. O município de Sorocaba, no exercício de seu direito de voto em Assembleia Geral, deverá atuar no sentido de que todos os Municípios acionistas estejam representados no Conselho de Administração.

§ 2º. Fica o Poder Executivo autorizado a doar uma ação para cada Município integrante da região do Sudoeste Paulista, a fim de permitir que participem da NUPLAN.

§ 3º. O previsto no § 2º não impede os Municípios de subscrever ações e integralizar capital diretamente à NUPLAN.

Seção IV

Do Conselho Técnico-Científico

Art. 9º. Os membros do Conselho Técnico Científico serão eleitos pela Assembleia Geral, permitida a reeleição.

§ 1º. O município de Sorocaba, no exercício de seu direito de voto em Assembleia Geral, deverá atuar no sentido de que o Conselho Técnico Científico seja formado exclusivamente por representantes de entidades universitárias, de pesquisa científica e representativas da sociedade civil.

§ 2º. Fica o Poder Executivo autorizado a doar ações, até o montante de 2% (dois por cento) do capital por ele integralizado, aos órgãos ou entidades universitárias, ou de pesquisa científica, público ou privados, a fim de permitir que participem da NUPLAN.

§ 3º. O previsto no § 2º não impede os órgãos ou entidades universitárias, de pesquisa científica e representativas da sociedade civil, de subscrever ações e integralizar capital diretamente à NUPLAN.

CAPÍTULO V

DA GESTÃO ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA

Seção I

Disposição Geral

Art. 10. A NUPLAN sujeitar-se-á ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Seção II

Dos recursos econômicos e financeiros

Art. 11. Constituem recursos da NUPLAN:

I – receitas decorrentes de:

a) prestação de serviços, especialmente de consultoria e assessorias técnicas;

b) dotações orçamentárias do município de Sorocaba e de outras pessoas jurídicas de direito público interno;

c) exploração de direitos próprios ou de terceiros, decorrentes de seu objeto social;

d) rendimento de aplicação de seus ativos financeiros e outros pertencentes ao patrimônio sob sua administração; e

e) alienação de bens patrimoniais ou de materiais inservíveis.

II – recursos provenientes de acordos, convênios ou contratos que realizar com entidades nacionais e internacionais, públicas ou privadas;

III – doações, legados, subvenções, heranças e outros recursos que lhe forem destinados por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado; e

IV – recursos provenientes de outras fontes.

Seção III

Do pessoal

Art. 12. O regime jurídico do pessoal da NUPLAN, será o da Consolidação das Leis do Trabalho e respectiva legislação complementar, ou a que vier a substituí-la.

Parágrafo único. A NUPLAN poderá celebrar contratos de trabalho por prazo determinado, nas hipóteses e prazos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho.

Art. 13. A contratação de pessoal efetivo da NUPLAN far-se-á por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos, observadas as normas específicas editadas pelo Conselho de Administração.

Seção IV

Das licitações e contratos

Art. 14. As licitações e contratos promovidos e celebrados pela NUPLAN atenderão aos princípios da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e ao regulamento previsto no art. 119 e parágrafo único daquela Lei Federal.

Parágrafo único. Incumbe ao Chefe do Poder Executivo, através de ato próprio, aprovar o regulamento mencionado no caput deste artigo, bem como providenciar a sua publicação na imprensa oficial.

CAPÍTULO VI

DAS DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 15. Para manter a operacionalidade da empresa, fica concedido repasse mensal no valor de R$ 110.000,00 (cento e dez mil reais), a título de transferência financeira, a serem repassados a partir do mês de março de 2012.

Art. 16. Os recursos necessários à execução do disposto nesta Lei, serão os provenientes da anulação parcial da seguinte dotação do orçamento vigente: 12.01.00 4.4.90.51.00 27 812 3008 1929 R$ 1.400.000,00 (um milhão e quatrocentos mil reais).

Art. 17. Para atender o disposto nesta Lei, fica o Executivo autorizado a proceder às alterações necessárias na Lei do Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento Anual.

Art. 18. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação” (fls. 05/10).

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

2.                Os dispositivos da lei municipal impugnada contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal.

3.                Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

4.                O § 1º do art. 1º, o art. 3º, os §§ 2º e 3º do art. 9º, e o parágrafo único do art. 12 da Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba, são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Artigo 47 - Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas nesta Constituição:

(...)

XV - subscrever ou adquirir ações, realizar ou aumentar capital, desde que haja recursos hábeis, de sociedade de economia mista ou de empresa pública, bem como dispor, a qualquer título, no todo ou em parte, de ações ou capital que tenha subscrito, adquirido, realizado ou aumentado, mediante autorização da Assembleia Legislativa; 

(...)

Artigo 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Artigo 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XXI- a criação, transformação, fusão, cisão, incorporação, privatização ou extinção das sociedades de economia mista, autarquias, fundações e empresas públicas depende de prévia aprovação da Assembleia Legislativa;

(...)

Artigo 117 - Ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.

5.               Empresa pública e sociedade de economia mista são espécies de empresas estatais, caracterizando institutos jurídicos distintos porque aquela tem capital exclusivamente público e admite qualquer forma de organização empresarial enquanto esta só pode se constituir sob a forma de sociedade anônima e com capital majoritariamente público, cujo controle deve, portanto, pertencer ao poder público.

6.                A transformação de empresa pública em sociedade de economia mista exige coeva autorização legislativa específica, contrastando o § 1º do art. 1º da Lei n. 10.115/12 com o inciso XV do art. 47 e o inciso XXI do art. 115 da Constituição do Estado – este último que reproduz o contido no inciso XIX do art. 37 da Constituição da República.

7.                A lei local autoriza o Poder Executivo à criação de empresa pública (art. 1º), mas, o § 1º do art. 1º autoriza antecipadamente a sua transformação em sociedade de economia mista mediante alienação de ações ou integralização do capital social, o que implica extinção da empresa pública e criação de sociedade de economia mista à margem de específica autorização legislativa coeva, cerceando o controle legislativo da época futura que tem a prerrogativa de análise do mérito desse ato do Poder Executivo.

8.                É dizer: o Poder Legislativo na autorização legislativa específica compartilha com o Executivo a conveniência e a oportunidade de pesquisar se melhor corresponde ao interesse público a execução das finalidades institucionais da empresa estatal sob a forma de empresa pública ou de sociedade de economia mista.

9.                Bem por isso soa da Constituição Estadual a submissão à prévia aprovação legislativa que, nos termos da Constituição Federal, deve ser específica, para os atos de criação, transformação, ou extinção, em atenção ao princípio da simetria (ou paralelismo) das formas.

10.              Não bastasse, a lei local admite: (a) a participação da iniciativa privada na empresa estatal, sem preservar a maioria do controle acionário do poder público (art. 3º, Lei n. 10.115/12); (b) a integralização do capital social da empresa pública cuja instituição foi por ela autorizada por entidades privadas sem finalidade lucrativa (art. 3º e § 3º do art. 9º da Lei n. 10.115/12).

11.              Ora, no primeiro caso, o art. 3º da lei local ao permitir a participação da iniciativa privada sem preservar o controle acionário do poder público é inconstitucional por não configurar a pessoa jurídica de direito privado empresa pública nem sociedade de economia mista, colidindo com o arts. 47, XV e 115, XXI, da Constituição Estadual, que só franqueiam ao poder público autorização legislativa para criação de empresa pública ou de sociedade de economia mista e ao Chefe do Poder Executivo integralizar o capital ou subscrever ações de empresa pública ou de sociedade de economia mista (em que a totalidade das ações ou o controle acionário, respectivamente, pertencem ao poder público).

12.              No segundo caso, a abertura de participação acionária à iniciativa privada, considerando-se que a maioria do capital social seja de origem pública, revelada pela expressão “e por entidades sem fins econômicos do setor privado” (constante do art. 3º, in fine), é incompatível com a figura da empresa pública e, como já discorrido, implica extinção da empresa pública e criação de sociedade de economia mista à margem de específica autorização legislativa coeva, cerceando o controle legislativo da época futura que tem a prerrogativa de análise do mérito (conveniência e oportunidade) desse ato do Poder Executivo.

13.              Nesse ponto, a lei municipal contrasta com o citado art. 115, XXI, da Constituição Estadual.

14.              A lei local objurgada autoriza o Poder Executivo à doação de ações do capital social da empresa estatal a entidades privadas universitárias ou de pesquisa científica (§ 2º do art. 9º da Lei n. 10.115/12).

15.              Isso, de um lado, significa para empresa pública sua extinção e a criação de sociedade de economia mista à míngua de autorização legislativa prévia e específica, violando o art. 47, XV e 115, XXI, da Constituição Estadual, e de outro, ofende os princípios da moralidade, do interesse público, e da impessoalidade, e a regra da licitação, constantes dos arts. 111 e 117 da Constituição Estadual (que reproduzem o quanto disposto no art. 37, caput e XXI, da Constituição Federal).

16.              A ampla liberdade conferida ao Poder Executivo no preceito normativo enfocado é incompossível com esses parâmetros constitucionais estaduais e, mormente, com o dever de boa administração, além do comprometimento do erário pela disposição de parcelas do capital social da empresa estatal integralizadas pelo poder público.

17.              Pela dicção legal analisada, o Chefe do Poder Executivo pode escolher a seu exclusivo alvedrio quaisquer entidades privadas universitárias ou de pesquisa científica, em detrimento de outras que tenham identidade qualificação.

18.              O preceito legal confere-lhe, ainda, a possibilidade de dispor do patrimônio público sem que haja identificação apriorística do interesse público concreto e específico para orientar esse ato de liberalidade (e, ainda, sem exigi-lo à época de sua execução), proporcionando aos donatários bônus pela realização das atividades da empresa estatal, sem submissão a licitação – procedimento objetivo, transparente e eficiente impositivo também para alienações gratuitas ou onerosas desenvolvidas pela Administração Pública.

20.              Se a Administração Pública promovesse a venda dessas ações em bolsa obteria maiores vantagens com o aporte de recursos para compensação ao erário pela inversão promovida na integralização do capital social da constituição da empresa estatal.

21.              Conquanto o caput do art. 12 estabeleça o regime celetista dos empregados públicos da empresa estatal e o art. 13 determine que a contratação de seu pessoal efetivo dependa de concurso público, o parágrafo único do art. 12 da lei local contestada faculta à empresa “celebrar contratos de trabalho por prazo determinado, nas hipóteses e prazos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho”.

22.              O preceito normativo ao remeter às hipóteses previstas na Consolidação das Leis do Trabalho contrasta com o inciso X do art. 115 da Constituição Estadual, que reproduz o inciso IX do art. 37 da Constituição Federal.

23.              O parâmetro constitucional é aplicável – como revelado no caput do art. 115 – também às entidades da administração descentralizada como as empresas públicas e as sociedades de economia mista, de tal modo que elas não têm liberdade para contratação de pessoal por tempo determinado senão quando visar ao atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, sob pena de o parágrafo único do art. 12 da lei local se prestar como válvula de escape à regra da admissão ou contratação em cargos ou empregos públicos mediante prévia aprovação em concurso público (art. 115, II, Constituição Estadual; art. 37, II, Constituição Federal).

24.              Se é certo que as empresas estatais são regidas em suas relações trabalhistas pela Consolidação das Leis do Trabalho (art. 173, Constituição Federal) e a contratação por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público demandar lei específica e regime jurídico especial administrativo no âmbito da Administração centralizada, das autarquias e das fundações públicas, as empresas estatais só podem promover contratação por tempo determinado quando houver necessidade temporária e excepcional interesse público, e não para qualquer ajuste laboral de prazo determinado.

25.              Em outras palavras: embora o regime de contratação de pessoal por tempo determinado em empresa estatal seja o celetista, suas hipóteses devem ostentar os requisitos do atendimento de necessidade temporária e da excepcionalidade do interesse público, contrastando o parágrafo único do art. 12 da Lei n. 10.115/12 com o art. 115, X, da Constituição do Estado. 

III – Pedido liminar

26.              À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos municipais apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando a continuidade de suas nocivas consequências em detrimento do erário e da regular gestão dos negócios públicos.

27.              À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do § 1º do art. 1º, do art. 3º, dos §§ 2º e 3º do art. 9º, e do parágrafo único do art. 12 da Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba.

IV – Pedido

28.              Face ao exposto, requer o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 1º, do art. 3º, dos §§ 2º e 3º do art. 9º, e do parágrafo único do art. 12 da Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba.

29.              Requer ainda sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Sorocaba, bem como posteriormente citado o douto Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

                   São Paulo, 10 de julho de 2013.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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Protocolado nº 94.313/12 - MP

Interessado:  Vereador João Antônio Caldini Crespo

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face da Lei n. 10.115, de 24 de maio de 2012, do Município de Sorocaba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

                   São Paulo, 10 de julho de 2013.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

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