Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

Protocolado nº 12.511/15

 

 

 

Ementa:

 

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 3º da Lei n. 6980, de 25 de março de 2011, e art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do Município de Piracicaba.

2.      À vista da separação de poderes (art. 5º, CE/89), a fixação de subsídio de vereadores deve ser feita por meio de resolução.

3.      A revisão geral anual da remuneração dos agentes políticos municipais é direito exclusivo dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo. Violação dos arts. 111, 115, XI, e 144, da Constituição Estadual.

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do Art. 3º da Lei n. 6980, de 25 de março de 2011, e do art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do Município de Piracicaba, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – DO Ato Normativo Impugnado

O art. 3º da Lei n. 6.980, de 25 de março de 2011, do Município de Piracicaba, dispõe o seguinte:

“Art. 3º A partir de 1º de março de 2011, os subsídios dos Vereadores ficam recompostos em 6,17% (seis vírgula dezessete por cento), compensação decorrente das perdas inflacionárias no período de março de 2010 a fevereiro de 2011.”

Ainda, a Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do mesmo Município, no que interessa dispõe:

“Art. 1o Ficam fixados os subsídios dos vereadores da Câmara de Vereadores de Piracicaba, para a Décima Sexta Legislatura, com início em 1o de janeiro de 2013 e término em 31 de dezembro de 2016, no valor de R$ 10.900,00 (dez mil e novecentos reais).”

Os atos normativos transcritos padecem de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

II – dO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

 

Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os dispositivos legais mencionados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

“(...)

Artigo  - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

(...)

Art. 111 - A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115 - Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

 

Também violam frontalmente o próprio art. 144 da Constituição Estadual e o art. 29, VI, da Constituição Federal, dispositivo este que enuncia:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

VI – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

(...)”.

É que o art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Os parlamentares são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos, porquanto têm o status de agentes não profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política por eleição.

Por este motivo, o dispositivo legal mencionado, que instituí o direito à revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais, padece de inconstitucionalidade.

A Constituição Estadual não autoriza a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) – é restrito e exclusivo dos servidores públicos (art. 115, XI), vulnerando, além disso, a legalidade e a moralidade (art. 111, Constituição Estadual).

Os agentes políticos não têm as garantias da revisão geral anual que, como se infere do art. 115, XI, da Constituição Estadual, igualmente violado (e que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal), é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, como magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional do seu vínculo à função pública.

Neste sentido, já se decidiu nesse Órgão Especial, seja em relação a Vereadores quanto a Prefeitos, Vice Prefeitos e Secretários Municipais, senão vejamos:

“ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE - Artigos 1º e 3º da Lei Complementar n° 5.496/2.011, do Município de Lins, na parte que trata dos subsídios dos vereadores - Violação aos arts. 111, 115, XI, e 144, da Constituição Estadual e art. 29, VI, da Constituição Federal - Vedação à inalterabilidade dos subsídios dos agentes políticos parlamentares municipais durante a legislatura - Não têm os agentes políticos não profissionais as garantias da revisão geral anual - Arguição de inconstitucionalidade acolhida. (Arguição de Inconstitucionalidade nº 0152700-10.2013.8.26.0000, Rel. Des. Luiz Antonio de Godoy, j. 23/10/2013)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Município de Tupã - Expressões contidas na Lei n° 177/2010 e Lei Complementar n° 198/2011 que concederam revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal (Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários) - Nova Lei Complementar n° 228/2012 que fixou subsídio a partir de 01/01/2013, após a propositura da ação, e manteve a forma de reajuste anual - Preliminar de perda de objeto rejeitada - Possibilidade de apreciação nestes autos da alegação de inconstitucionalidade por fundamento não apontado na inicial da ação direta, artigo 2º da Lei Complementar n° 228, de 30 de novembro de 2012 e, por arrastamento, dos diplomas legais inicialmente impugnados - Inconstitucionalidade da revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos do Poder Executivo Municipal - Revisão conferida exclusivamente aos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo - Violação aos artigos 111, 115, XI e XV, e 144, todos da Constituição do Estado São Paulo, correlatos ao artigo 37, "caput", X e XIII, e 39, §3°, ambos da Constituição Federal - Inconstitucionalidade decretada (ADIN nº 0275889-59.2012.8.26.0000, Rel. Des. Samuel Junior, j. 14/08/2013).

Ademais, especificamente em relação aos Vereadores decidiu:

“Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Resolução 03/12, da Câmara Municipal de Tupã. Vinculação da revisão dos subsídios dos vereadores à dos demais servidores. Inadmissibilidade. Vinculação que ofende o art. 115, XV, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade. Precedentes deste Órgão Especial. Ação julgada procedente. (TJSP, ADIN 0078162-58.2013.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, 28-05-2014, v.u.).

No mesmo sentido, é a manifestação doutrinária:

“A garantia da irredutibilidade não se estende aos agentes políticos investidos em mandatos e que não integram carreiras. Com efeito, diferentemente dos servidores públicos, esses agentes políticos não gozam da garantia, uma vez que a fixação de seus subsídios situa-se no plano das conveniências políticas. Tampouco há legitimidade na vinculação da revisão geral do funcionalismo público para fins da concessão de reajuste dos agentes políticos. A fixação dos subsídios dessa espécie de agentes políticos atende ao seu específico regime jurídico, incomparável com os demais, denotando-se limites e parâmetros diferenciados, razão pela qual não se inserem na revisão geral prevista no art. 37, X, da Constituição.

(...)

É importante ressaltar que a evolução histórico-constitucional brasileira da irredutibilidade ressalta aspectos subjetivos (de exceção passou a regra) e objetivos (enumeração taxativa da limitação de seu alcance e de sua extensão, ainda que, atualmente, pela adoção da técnica normativa da remissão a preceitos constitucionais). Se ela não é absoluta, como revelam as remissões normativas daquilo que pode decrescer a remuneração (arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I), constata-se que, a par da irredutibilidade em favor dos vencimentos dos servidores públicos estar ligada indissociavelmente ao direito de revisão geral anual (art. 37, X e XV) - porque esta poderia implicar aumento ou diminuição conforme a valorização ou não da moeda, e tendo a remuneração natureza de dívida de valor, se impede a redução - quando a Constituição Federal quis estabelecer irredutibilidade de subsídio e direito à revisão geral anual a outras espécies de agentes públicos políticos o fez expressamente, como se percebe dos citados arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c.

Poder-se-ia afirmar que essa impressão é falsa porque nos art. 37, X e XV, há remissão explícita ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, mormente porque se referem ao art. 39, § 4º, cuja redação daria a impressão de abranger os agentes políticos no raio de ação do direito à revisão geral anual contido no art. 37, X. Entretanto, tal argumento despreza a obviedade: o regime remuneratório (por subsídio) de agentes políticos temporariamente investidos em mandato eletivo ou na administração superior (Ministros de Estado e Secretários de Estados e Municípios) é diferenciado do regime daqueles vitalícios em cargos isolados ou de carreira técnico-científica, e que possuem com explícita referência à irredutibilidade e a revisão geral anual (arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c). Além disso, se essa fosse a concepção constituinte, haveria previsão expressa, nesse sentido, nos arts. 27, § 1º, 28, § 2º, 29, V e VI, 49, VII e VIII, e que, se houvesse, seria absolutamente contraditória à regra da anterioridade da legislatura (art. 29, VI), pela qual durante esse período os subsídios são inalteráveis” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 166-167, 222-224).

Por fim e não menos importante, à vista do princípio da separação dos poderes, o instrumento normativo adequado para fixação de subsidio de vereadores é a resolução. Todavia, no caso, o subsídio dos parlamentares municipais foi fixado pelo art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011.

Emana do princípio da separação dos poderes a proibição de interferência de um Poder sobre o outro.

         Ainda, para efetiva existência de um Estado Democrático de Direito, é fundamental que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário sejam independentes e harmônicos entre si, garantia esta prevista no art. 2° da Constituição Federal e reproduzida no art. 5° da Constituição Paulista.

         Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de Direito, assentado na ideia de que as funções estatais são divididas e entregues a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando interferências indevidas de um sobre o outro. Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e estanque, pois observa a doutrina que:

“O princípio da separação dos poderes (ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa, portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, p. 585).

        

         Além disso, decidiu o Colendo Supremo Tribunal Federal:

 

“A fixação dos subsídios de vereadores é de competência exclusiva da Câmara Municipal, a qual deve respeitar as prescrições estabelecidas na Lei Orgânica Municipal, na Constitui­ção do respectivo Estado, bem como na CF.” (RE 494.253‑AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 22‑2‑2011, Segunda Turma, DJE de 15‑3‑2011.)

Do exposto, é necessário concluir a incompatibilidade do Art. 3º da Lei n. 6.980, de 25 de março de 2011, e do art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do Município de Piracicaba, com os arts. 5°, 111, 115, XI e 144 da Constituição Estadual.

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura dos preceitos normativos do Município de Piracicaba apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação, evitando-se dispêndio indevido de recursos públicos e a consequente oneração financeira do erário.

À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do Art. 3º da Lei n. 6.980, de 25 de março de 2011, e do art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do Município de Piracicaba.

IV – Pedido

Face ao exposto, requere-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do Art. 3º da Lei n. 6.980, de 25 de março de 2011, e do art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do Município de Piracicaba.

Requer-se ainda que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Piracicaba, bem como citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

        

                            São Paulo, 29 de maio de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca/acssp


 

Protocolado nº 12.511/15

 

 

 

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade do Art. 3º da Lei n. 6.980, de 25 de março de 2011, e do art. 1° da Lei n. 7.062, de 04 de julho de 2011, do Município de Piracicaba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 29 de maio de 2015.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca/acssp