Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado
nº 92.434/2003, 132.458/2014 e 4.144/2015
Ementa: Constitucional. Administrativo. Urbanístico. Lei nº 694, de 08 de novembro de 1994, com as alterações promovidas pela Lei nº 742, de 21 de setembro de 1995, ambas do Município de Cotia. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Instituição de “Bolsões residenciais”. uso privativo de bens públicos de uso comum do povo. Violação à liberdade de circulação. Ausência de razoabilidade e interesse público. Inobservância de participação comunitária no processo legislativo. Invasão da esfera normativa alheia sobre direito civil, direito urbanístico e licitação. Desvinculação do Plano Diretor. 1. A instituição de “bolsões residenciais”, com uso privativo de bens públicos a particular, é norma urbanística, e como tal a aprovação de lei desse jaez depende da participação comunitária em seu respectivo processo legislativo (art. 180, II, CE/89). 2. A autorização para o uso privativo de bens públicos de uso comum do povo através de “bolsões residenciais” é restrição incompatível com as funções essenciais da cidade, a limitação à liberdade de circulação e de acesso e usufruto dos bens públicos de uso comum do povo (art. 180, I, CE/89). 3. Legislação carente de interesse público e razoabilidade (art. 111, CE/89): aquele significa a garantia do livre acesso e do irrestrito gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição, discriminação incompatível com o princípio da igualdade, sem possuir racionalidade, justiça, bom senso ou amparo em elemento diferencial justificável. 4. Incompatibilidade da lei local com a repartição constitucional de competências normativas, a que remete o art. 144 da CE/89, pela invasão em competência alheia para legislar sobre direito civil e direito urbanístico, não havendo no caso espaço para invocação de interesse local em face da inexistência de sua predominância, nem para suplementação normativa que contraria regras federais. 5. Violação ao art. 144 da CE/89, também patenteada pela restrição à liberdade de circulação, princípio estabelecido como direito fundamental. 6. Ofensa à liberdade de associação, a qual pressupõe autonomia de vontade para se associar, permanecer e se retirar quando lhe aprouver. 7. A adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano diretor e sua integralidade, e sua conformidade com as normas urbanísticas (arts. 180, V, e 181, § 1º, CE/89). 8. Lei que cria exceção à regra da licitação prestigiada no art. 117, CE/89 ao favorecer como concessionário ou permissionário de uso privativo de bens públicos e de serviços públicos pessoa jurídica de direito privado, que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato administrativo, patenteando ofensa à competência normativa alheia, cognoscível por força do art. 144, CE/89.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público do Estado de São Paulo),
em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição
Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de
São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem,
respeitosamente, perante esse egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei n. 694, de 08
de novembro de 1994, com as alterações promovidas pela Lei n. 742, de 21 de
setembro de 1995, ambas do Município de Cotia, pelos fundamentos a seguir expostos:
I – DOs Atos
Normativos Impugnados
Editada em 08 de novembro de 1994, a Lei municipal nº 694, do Município
de Cotia, autorizou o Executivo local a criar “bolsões residenciais” nas áreas
urbanas e com características urbanas, cujos projetos foram definidos por
Decreto do Poder Executivo.
A Lei n. 694/1994, do Município de Cotia, com as alterações da Lei n.
742, de 21 de setembro de 1995, tem a seguinte redação:
“Lei nº 694, de 08
de novembro de 1994:
(...)
Art. 1º Fica o Poder Executivo autorizado a criar "Bolsões
Residenciais" nas áreas urbanas e com características urbanas, cujos
Projetos deverão ser aprovados pela Prefeitura do Município de Cotia,
objetivando a melhoria da segurança individual e coletiva e da qualidade de
vida dos moradores. (Redação dada pela Lei nº 742/1995)
§ 1º - Para os efeitos desta Lei, entende-se por
"bolsões residenciais" a área com características homogenias, em que
suas vias de circulação se destinam basicamente ao trânsito local.
§ 2º - Os "bolsões residenciais"
somente poderão ser criados em áreas estritamente residenciais, observadas as
disposições da Lei de Uso e Ocupação do Solo e as exigências previstas no
projeto do respectivo loteamento.
§ 3º - Nos "Bolsões Residenciais" será
reservada uma faixa com a largura mínima de 1,5 m, de cada lado da via pública
destinada a passeio, para uso exclusivo de pedestres, sendo vedado, nesta
faixa, o plantio de vegetação espinhenta, despejo de materiais para construção,
que deverão ficar dentro do terreno a ser edificado ou qualquer construção que
dificulte a circulação. (Redação dada pela Lei nº 742/1995)
Art. 2º Nos projetos de que trata o artigo anterior
poderá ser prevista a implantação de redutores de velocidade e dispositivos
visando o bloqueio do trânsito de veículos, desde que:
I - Sejam obedecidas as normas técnicas de
planejamento e de trânsito;
II - Seja assegurada a livre circulação de
veículos e pedestres o interior do perímetro definido.
§ 1º - Os dispositivos a serem utilizados para
as finalidades previstas neste artigo não dificultarão o trânsito de pedestres,
as instalações visando a drenagem, escoamento de águas pluviais, limpeza,
coleta de lixo, e terão características paisagistas compatíveis com o "bolsão
residencial" em que forem instalados.
§ 2º - A destinação preferencial das vias
internas e de acesso dos "bolsões residenciais" será indicada por
sistema de sinalização de trânsito.
§ 3º - As larguras dos leitos carroçáveis das
vias de circulação interna dos "bolsões residenciais" poderão ser
alterados com o objetivo de se adequarem às finalidades desta Lei, desde que
sejam preservadas as dimensões existentes das áreas de domínio público.
Art. 3º A criação dos "bolsões residenciais"
poderá ser solicitado ao Prefeito por Associação Amigos de Bairro, ou a
requerimento de pelo menos 1/3 dos proprietários dos terrenos, ou 50% dos
proprietários residentes que integram o loteamento ou povoado.
Parágrafo Único - O pedido será encaminhado à
Secretaria da habitação e Desenvolvimento Urbano, juntamente com o Projeto de
Implantação, que contará no mínimo:
a) indicação dos acessos;
b) indicação das áreas de circulação de pedestres e das áreas comunitárias;
c) indicação dos locais em que serão implantados redutores de velocidade para
veículos e bloqueio de vias públicas;
d) sistema de circulação de tráfego. (Redação dada pela Lei nº 742/1995)
Art. 4º A criação do "bolsão residencial" será
feita por Decreto, cujo processo será instruído de:
I - Projeto de reurbanização devidamente
aprovado pelos órgãos competentes;
II - Declaração expressa de concorrência com o
projeto, nos termos do Artigo 3º da presente Lei. (Redação dada pela Lei nº 742/1995)
III - Comprovação da realização de reunião
destinada a esclarecimento dos morados a respeito do "bolsão
residencial"
Art. 5º A alteração de um "bolsão residencial"
ficará sujeito, no que couber, às exigências desta Lei.
Art. 6º Os "bolsões residenciais" já
autorizados ou implantados a requerimento dos interessados e cumpridas as
exigências desta Lei, serão oficializados pela Prefeitura, através de Decreto,
no prazo máximo de 30 dias a partir da solicitação.
Art. 7º Fica facultativo às Sociedades Amigos de Bairro
contratar pessoal destinado a cuidar da segurança das regiões compreendidas no
"bolsões residenciais", inclusive do controle dos acessos aos mesmos,
sempre sob a supervisão da Guarda Civil Municipal.
Art. 8º As despesas com a execução desta Lei correrão
por conta de dotações próprias do orçamento.
Art. 9º Esta Lei entrará em vigor na data de sua
publicação.
Prefeitura do Município de Cotia, 08 de novembro
de 1994.”
II
– DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade
Os atos normativos
impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à
qual está subordinada a produção normativa municipal, ante a previsão dos arts.
1º, 18, 29 e 31 da Constituição Federal, e cujos preceitos da Constituição
Federal e da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força do
art. 29 daquela e do art. 144 desta.
Do cotejo dos diplomas normativos examinados com o
texto da Carta Bandeirante,
percebe-se que as leis vergastadas não guardam consonância com os seguintes
preceitos da Constituição Bandeirante:
“Artigo 111 - A administração pública
direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá
aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade,
razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia
política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os
princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.
(...)
Artigo 180 - No estabelecimento de diretrizes e
normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios
assegurarão:
I - o pleno desenvolvimento das
funções sociais da cidade e a garantia do bem-estar de seus habitantes;
II - a participação das
respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos
problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam concernentes;
(...)
V - a
observância das normas urbanísticas, de segurança, higiene e qualidade de vida;
(...)
Artigo 181 - Lei municipal
estabelecerá, em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre
zoneamento, loteamento, parcelamento, uso e ocupação do solo, índices
urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.
§ 1º - Os planos diretores,
obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu
território municipal”.
A instituição de “bolsões residenciais” é um novo instituto que mescla normas de Direito Urbanístico (loteamento) e de Direito Civil (condomínio).
Embora a autonomia do direito urbanístico seja um tema controverso na doutrina, o seu conteúdo multidisciplinar é um consenso. Conceituado por José Afonso da Silva como “conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade[1]”, o estudo desse Direito acaba por exigir conhecimento de normas de Direito Constitucional, Administrativo, Civil e até Penal (crimes cometidos contra a ordem urbanística).
Todavia,
para que o Município possa exercer sua autonomia legislativa nesse assunto, é
preciso viabilizar e efetivamente garantir o controle social, isto é, a
“participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento
e solução dos problemas, planos, programas e projetos que lhes sejam
concernentes” (art. 180, II, CE/89).
A
participação popular no desenvolvimento urbano é um instrumento legitimador das
normas produzidas na ordem democrática, que, além de possibilitar a discussão
especializada e multifocal do assunto, garante-lhe a própria
constitucionalidade, como robustece o art. 29, XII, da Constituição Federal de
1988.
“Por conseguinte, será forçoso
reconhecer que, diante das normas disciplinadoras do Estatuto, não há mais espaço para falar em processo
impositivo (ou vertical) de urbanização, de caráter unilateral e autoritário e,
em consequência, sem qualquer respeito às manifestações populares coletivas.
Em outras palavras, abandona-se o velho hábito de disciplinar a cidade por
regulamentos exclusivos e unilaterais do Poder Público. Hoje as autoridade
governamentais, sobretudo as do Município, sujeitam-se ao dever jurídico de
convocar as populações e, por isso, não mais lhe fica assegurada apenas a
faculdade jurídica de implementar a participação popular no extenso e contínuo
processo de planejamento urbanístico” (José
dos Santos Carvalho Filho, Comentários ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris,
4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 298, g.n.).
Conforme cópias dos processos legislativos acostados aos
autos (fls. 83/119), verifica-se que nenhuma
das leis objurgadas contou com participação popular em seu trâmite,
realizada na Câmara Municipal de Cotia.
Portanto, a necessidade de participação da comunidade na discussão e deliberação do tema “loteamentos fechados” ou “bolsões residências” restou prejudicada, havendo, assim, flagrante ofensa ao texto constitucional bandeirante.
Aliás, essa premissa foi perfilhada pelo eminente Desembargador Samuel Junior em declaração de voto vencedor em aresto proferido por esse colendo Órgão Especial, cuja ementa resta assim redigida:
“ação
direta de inconstitucionalidade – lei complementar disciplinando o uso e
ocupação do solo – processo legislativo submetido À participação popular –
votação, contudo, de projeto substitutivo que, a despeito de alterações
significativas do projeto inicial, não foi levado ao conhecimento dos munícipes
– vício insanável – inconstitucionalidade declarada.
‘O projeto de lei apresentado para
apreciação popular atendia aos interesses da comunidade local, que atuava
ativamente a ponto de formalizar pedido exigindo o direito de participar em
audiência pública. Nada obstante, a manobra política adotada subtraiu dos
interessados a possibilidade de discutir assunto local que lhes era
concernente, causando surpresa e indignação. Cumpre ressaltar que a
participação popular na criação de leis versando sobre política urbana local
não pode ser concebida como mera formalidade ritual passível de convalidação.
Trata-se de instrumento democrático onde o móvel do legislador ordinário é
exposto e contrastado com idéias opostas que, se não vinculam a vontade dos
representantes eleitos no momento da votação, ao menos lhe expõem os interesses
envolvidos e as conseqüências práticas advindas da aprovação ou rejeição da
norma, tal como proposta” (TJSP, ADI 994.09.224728-0, Rel. Des. Artur Marques,
m.v., 05-05-2010).
Outrossim, vale mencionar que a participação popular deve ocorrer também
no que diz respeito a emendas parlamentares, porque a democracia participativa
assegurada no inciso II do art. 180 e no art. 191 da Constituição Estadual,
assim como no inciso XII do art. 29 da Constituição Federal, alcança a
elaboração do parcelamento do solo antes e durante seu processo legislativo até
o estágio final de produção da lei.
Destarte, se constata violação ao inciso II do art. 180 da Constituição Bandeirante, visto que é imprescindível a participação da comunidade para discutir acerca da instituição de uso de áreas públicas no território do Município, vez que resta clara a significativa alteração do ordenamento urbanístico.
Sobre a intervenção popular, já decidiu esse sodalício:
“A participação popular na criação de
leis versando política urbana local não pode ser concebida como mera
formalidade ritual passível de convalidação. Ela deve ser assegurada não apenas
de forma indireta e genérica no ordenamento normativo do Município, mas
especialmente na elaboração de cada lei que venha a causar sério impacto na
vida da comunidade.” (ADIN n. 0052634-90.2011.8.26.0000 – rel. Elliot Akel – j.
27.02.13)
Pois bem. Não obstante a violação apontada ao inciso II do art. 180 da Constituição Bandeirante, o Município de Cotia ainda invadiu a competência alheia para produzir os atos normativos impugnados, contrariando os arts. 1º, 111 e 144 da Constituição Estadual.
A ordem constitucional vigente adotou o princípio da predominância do interesse para definir a repartição de competências na federação brasileira.
Nessa toada, a competência para dispor sobre assuntos de interesse nacional ou predominantemente geral foi atribuída à União, ao passo que o tratamento das matérias de interesse predominantemente local ficou a cargo do Município, restando aos Estados a competência residual.
Nesse passo, é pertinente assentar que diante do sistema federativo e da repartição constitucional de competências, quando se contraria uma regra de competência estabelecida pela Lei Maior, mais que se descumprir uma simples norma, o que se está a fazer, verdadeiramente, é desrespeitar uma das mais evidentes manifestações do princípio federativo – e, assim, a violar frontalmente a Carta Paulista.
Nos arts. 22, I, e 24, I, da Constituição Federal, o constituinte reservou a disciplina do direito civil à competência normativa privativa da União, enquanto que o direito urbanístico foi inserido no rol de competência concorrente da União, Estados e Distrito Federal.
Diante desse quadro normativo, a autonomia municipal legislativa só poderia ser exercida diante da pertinência da matéria para o interesse local e, mutuamente, da oportunidade de suplementar a legislação federal e estadual, quanto às normas de direito urbanístico.
Segundo José dos Santos Carvalho Filho, em matéria de urbanismo, a competência do ente municipal reside da seguinte forma:
“1ª) Suplementar a legislação federal
e estadual urbanística, quando couber (art. 30, II);
2ª) promoção do adequado ordenamento
territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da
ocupação do solo urbano (art. 30, VIII);
3ª) estabelecimento da política de
desenvolvimento urbano, observadas as regras de lei federal (art. 182, caput);
4ª) elaboração do plano diretor,
obrigatório para cidades de mais de vinte mil habitantes (art. 182, §1º);
5ª) exigibilidade, em face de
proprietários do solo urbano, de adequação de sua propriedade imobiliária ao
plano diretor da cidade (art. 182, §4º);
6ª) aplicação das medidas punitivas
de parcelamento e edificação compulsórios; IPTU progressivo no tempo; e
desapropriação urbanística sancionatória (art. 182, §4º, I a III) (José dos Santos Carvalho Filho, Comentários
ao Estatuto da Cidade, Lumen Juris, 4ªed, Rio de Janeiro: 2011, p. 17)”.
Reconhecida a instituição de
loteamentos fechados como matéria inerente aos direitos civil e urbanístico, a
primeira conclusão é no sentido de que o Município não detém competência
normativa para legislá-la, pois se o direito civil é de competência privativa
da União, não há espaço sequer para suplementação.
Nesse sentido, confira-se o voto do eminente
Min. Moreira Alves, relator do RE 227.384/SP:
“Ora, em se
tratando de competência privativa da União, e competência essa que não pode ser
exercida pelos Estados se não houver lei complementar – que não existe – que a
autorize a legislar sobre questões específicas dessa matéria (artigo 22 da
Constituição), não há como pretender-se que a competência suplementar dos
Municípios prevista no inciso II do artigo 30, com base na expressa vaga aí
constante “no que couber” se possa exercitar para a suplementação dessa
legislação da competência privativa da União (...)”.
Ademais, imperioso consignar que o
município também não poderia se amparar no inciso II do art. 30 da CF para
produzir a lei vergastada, por razões bastante claras, porquanto a competência
legislativa suplementar só se realiza diante do interesse local e, por óbvio,
este interesse é avesso à restrição da liberdade de circulação, à utilização
restrita e parcial dos bens públicos de uso comum, sendo, portanto,
diametralmente oposto ao fechamento de áreas livres e as vias de circulação.
José dos Santos Carvalho Filho
acrescentaria um terceiro motivo àquela lista, qual seja, a inexistência de lei
federal que viabilizasse a suplementação normativa municipal.
Quando o “bolsão residencial” atinge
loteamento, agrava-se a situação.
Os loteamentos fechados têm buscado
amparo na Lei Federal n. 4.591/64, alterada pela Lei Federal n. 4.864/65,
referente ao condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias.
Ocorre que esse regramento é
incompatível com o do parcelamento do solo, haja vista a incongruência lógica
de se “condominializar” lotes que nasceram individuais - ao menos não enquanto
o Congresso Nacional não tomar providências para disciplinar as regras gerais
dessa matéria.
“A Lei de Condomínio só se impõe se a hipótese considerada
consubstanciar uma edificação. Não se presta, portanto para fundamentar a
formação dos chamados loteamentos em condomínio ou seja lá o nome que tenham,
onde não se tem qualquer edificação. Nessas urbanizações, o condomínio
incidiria sobre gleba nua, daí a insubmissão desses loteamentos à lei federal
que regula a copropriedade em edifícios. Tanto é assim que a sua ementa, como a
fixar os limites de sua aplicabilidade, enuncia que dispõe sobre o condomínio
em edificações e (...) (Diogenes Gasparini, RDP, n. 68, p.317)”. (grifo nosso)
Assim, conclui-se que o Município de Cotia
exorbitou em sua autonomia normativa ao se imiscuir na competência alheia para
disciplinar direito civil e urbanístico e produzir legislação avessa ao
interesse local.
Dessa forma, resta-se patenteada a
ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual ao expressar que no âmbito dos
Municípios também incidem os princípios estabelecidos na Constituição Federal.
Tal norma é considerada remissiva, a qual, no caso, incorpora o princípio
federativo que se articula na repartição constitucional de competências e que
inscreve o direito civil na esfera de competência normativa privativa da União
e o direito urbanístico na competência normativa concorrente entre a União e os
Estados (arts. 22, I e 24, I, CF/88).
Não bastasse a inconstitucionalidade
formal, há também a inconstitucionalidade material.
Por força dos incisos I e V do art.
180 da Constituição Paulista e dos incisos II, XV e LXVIII, do art. 5º, da
Constituição Federal, aos quais a produção normativa municipal está
subordinada, o Município, ao traçar as normas de desenvolvimento urbanístico,
tem o dever de assegurar “o pleno
desenvolvimento das funções sociais das cidades”, às quais está associado o
direito à circulação.
A implementação do sistema viário urbano
é um meio de efetivação do direito à circulação e decorre da própria atividade
urbanística – conceituada por José Afonso como “(a) o planejamento urbanístico; (b) a ordenação do solo; (c) a
ordenação urbanística de áreas de interesse especial; (d) a ordenação
urbanística da atividade edilícia; (e) os instrumentos de intervenção
urbanística” - cuja natureza é pública. Sem sistema viário, a integração e
o acesso aos bairros, a circulação, a ventilação e todo o mais que necessita
dessa mínima infraestrutura estarão prejudicadas.
Sobre o assunto, José Afonso assevera
que uma vez instituído o sistema viário, por meio da afetação do bem, o acesso
público a ele torna-se um poder legal exercitável erga omnes, em face do qual não se opõe nenhum limite – configurado, por exemplo, pela implantação
de dispositivo visando o bloqueio de veículos (art.2º da Lei 694/1994).
“O sistema
viário é o meio pelo qual se realiza o direito à circulação, que é a
manifestação mais característica do direito de locomoção, direito de ir e vir e
também de ficar (estacionar, parar), assegurado na Constituição Federal. Pedro
Escribano Collado, em excelente monografia sobre as vias urbanas, coloca muito
bem o problema, nas seguintes palavras: `De maneira ampla, e do ponto de vista
do usuário, pode definir-se o direito à circulação como a faculdade, enquanto
perdure a afetação da via, de deslocar-se através dela de um lugar para outro
do núcleo urbano. Enquanto se tratar de
bem afetado, a utilização não constituirá uma mera possibilidade, mas um poder
legal exercitável erga omnes. Em consequência, a Administração não poderá
impedir, nem geral nem singularmente, o trânsito de pessoas de maneira estável,
a menos que desafete a via, já que, de outro modo, se produziria uma
transformação da afetação por meio de uma simples atividade de polícia`” (José
Afonso da Silva, Direito Urbanístico Brasileiro, Malheiros, 5ªed., p.
183-184).
Nesse contexto, os atos normativos
impugnados, ao restringirem a liberdade de circulação e de usufruto dos bens públicos de
uso comum do povo, colidiram com o art. 144 da
Constituição Estadual, na medida em que suprimiu o direito fundamental à
liberdade tal como previsto no art. 5º, caput
e seu inciso XV da Carta Magna.
O egrégio Supremo Tribunal Federal já
decidiu que:
“EMENTA: - LOTEAMENTO. RUA DE ACESSO
COMUM. CONDOMÍNIO INEXISTENTE. Com o condomínio singulariza-se a propriedade
dos lotes, caindo no domínio público e no livre uso comum a rua de acesso. Não
é juridicamente possível, em tais circunstância, pretender-se constituir
condomínio sobre a rua, à base da Lei 4.591/64. Nulidade da convenção
condominial e dos atos dela decorrentes. Recurso extraordinário provido”. (STF,
RE nº 100.467-3, Rel. Francisco Rezek).
E examinando questão similar assim se
pronunciou:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N.
1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL.
ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E
CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE
DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO.
COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE
PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA
CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. A Lei n. 1.713 autoriza a divisão do Distrito
Federal em unidades relativamente autônomas, em afronta ao texto da
Constituição do Brasil --- artigo 32 --- que proíbe a subdivisão do Distrito
Federal em Municípios. 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que
permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares,
independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. 3. Ninguém é
obrigado a associar-se em ‘condomínios’ não regularmente instituídos. 4. O
artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de dificultar a
entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou conjuntos.
Violação do direito à circulação, que é a manifestação mais característica do
direito de locomoção. A Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas
no que toca aos bens de uso comum. 5. O tombamento é constituído mediante ato
do Poder Executivo que estabelece o alcance da limitação ao direito de
propriedade. Incompetência do Poder Legislativo no que toca a essas restrições,
pena de violação ao disposto no artigo 2º da Constituição do Brasil. 6. É
incabível a delegação da execução de determinados serviços públicos às
‘Prefeituras’ das quadras, bem como a instituição de taxas remuneratórias, na
medida em que essas ‘Prefeituras’ não detêm capacidade tributária. 7. Ação
direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade da Lei n.
1.713/97 do Distrito Federal” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min.
Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
Gizado nesse
venerando aresto que:
“(...) 2. Afronta a Constituição do
Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por
particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88].
(...) 4. O artigo 4º da lei possibilita a fixação de obstáculos a fim de
dificultar a entrada e saída de veículos nos limites externos das quadras ou
conjuntos. Violação do direito à
circulação, que é a manifestação mais característica do direito de locomoção. A
Administração não poderá impedir o trânsito de pessoas no que toca aos bens de
uso comum”. (grifo nosso).
Ademais, não há falar que a restrição de circulação alia-se ao interesse
público, nem tampouco à razoabilidade. O interesse público, ao contrário da
providência legislativa adotada, é a garantia do livre acesso e do irrestrito
gozo dos bens públicos de uso comum do povo, não se coadunando com a restrição
instituída na lei que, além de desarrazoada, é desprovida de racionalidade,
justiça e bom senso.
Não se deve olvidar que vias e praças,
espaços livres e áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos
urbanos, passam a integrar o patrimônio público municipal pelo registro do
loteamento.
Aliás, o ente
administrativo só confere autorização ao loteador porque no projeto que lhe é
apresentado, de modo geral, há o comprometimento do particular em participar do
desenvolvimento urbanístico (construção de ruas, praças, áreas verdes, etc),
cujos frutos serão aproveitados por toda a coletividade. Se essa participação
afigura-se como essencial ao parcelamento do solo, as benfeitorias devem
permanecer à disposição da coletividade.
Diferente do
loteamento, no condomínio o particular não está a serviço da administração, mas
a serviço próprio; nada é feito em favor da coletividade, trata-se de
investimentos privados destinados a seus titulares.
Vale dizer que o
raciocínio desenvolvido até o momento não é avesso à utilização de bens
públicos por particulares - situação disciplinada pela autorização, permissão e
concessão de uso - o que se pretende combater é a instituição de condomínios em
áreas públicas, visto que contrária ao interesse público, à função social da
cidade e à ordem jurídica.
No estágio atual
da civilização, todos os cidadãos encontram-se vulneráveis (em diferentes
graus) à crescente onda de violência, e a decisão de privilegiar determinado
bairro (possivelmente, com cidadãos mais abastados) em detrimento de outros
nada mais é do que um ato arbitrário e pessoal, que, se levado ao extremo, pode
inviabilizar a locomoção na cidade.
Específico precedente deste colendo
Órgão Especial do egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo censura a
instituição de loteamento fechado, como se constata da ementa do seguinte
aresto:
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE
RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE
COM ACESSO CONTROLADO - VÍCIO DE INICIATIVA PATENTE - INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 21
E 30, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - AÇÃO PROCEDENTE AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL
QUE AUTORIZA O FECHAMENTO NORMALIZADO DE RUAS SEM SAÍDA, VILAS E LOTEAMENTOS
SITUADOS EM ÁREAS RESIDENCIAIS, INCLUSIVE COM ACESSO CONTROLADO -
INADMISSIBILIDADE - NÚCLEO SEMÂNTICO DO DIREITO À CIDADE QUE NÃO HARMONIZA COM
A LEGISLAÇÃO QUESTIONADA - O DIREITO FUNDAMENTAL À CIDADE NÃO PODE SER
CONFUNDIDO COM INEXISTENTE DIREITO FUNDAMENTAL A SE CRIAR ESPAÇOS SEGREGADOS NA
CIDADE - INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA VEDAÇÃO DE RETROCESSO - PRECEDENTES
DOUTRINÁRIOS - AÇÃO PROCEDENTE” (ADI 9055901-19.2008.8.26.0000, Rel. Des.
Renato Nalini, m.v., 04-05-2011).
Nesse sentido, vetusto acórdão do Excelso Pretório bem fixou que o
interesse público é a livre utilização de bem público de uso comum do povo:
“Loteamento. Fechamento de acesso a ruas que
interligam lotes e conduzem à orla marítima. - Legalidade de ato
da Prefeitura Municipal, removendo obstáculos que impediam aquele livre acesso.
- Inconstitucionalidade inocorrente da Lei Municipal nº 557/79, de Ubatuba:
assegura direito à utilização de bem público de uso
comum do povo. Recurso Extraordinário não conhecido” (STF, RE 94.253-SP, 1ª
Turma, Rel. Min. Oscar Correa, 12-11-1982, v.u., DJ 17-12-1982, p.
13.209).
Além disso, impende consignar que os atos normativos vergastados
violaram também o direito de liberdade de associação insculpido no art. 5º,
incisos XVII e XX, ambos da Constituição Federal, aplicáveis aos municípios por
força do art. 144 da Constituição do Estado de São Paulo.
O art. 3º da Lei 694/1994 prevê que “a criação dos
“bolsões residenciais poderá ser solicitado ao Prefeito por Associação Amigos de Bairro, ou a requerimento de pelo menos 1/3 dos proprietários dos
terrenos, ou 50% dos proprietários residentes que integram o loteamento ou
povoado”.
Com efeito, a gestão das áreas públicas é transferida
para a associação de amigos de bairro, a qual fica com a incumbência de fixar
taxas, conservar as vias públicas de circulação, fazer obras de infraestrutura
eventualmente faltantes, em conjunto com o loteador, entre outras obrigações.
O uso das áreas – de natureza pública – fica concedido
com exclusividade a essa associação e seus associados.
Desta forma, se conclui que os atos normativos
impugnados simplesmente compeliram os
proprietários de lotes a se associarem, pois, dessa forma, detêm-se a
figura do “bolsão residencial” com a autorização de uso.
Tratando do conteúdo da liberdade de associação, anota
Paulo Gustavo Gonet Branco que “Os dispositivos da Lei Maior brasileira a
respeito da liberdade de associação revelam que, sob a expressão, estão
abarcadas distintas faculdades, tais como (a) a de constituir associações, b) a
de ingressar nelas, (c) a de abandoná-las e de não associar, e, finalmente, (d)
a de sócios se auto-organizarem e desenvolverem as suas atividades
associativas. (Curso de Direito Constitucional, p.p 303/305, Editora Saraiva,
2013).
Mais adiante assevera Paulo Gustavo Gonet Branco que
“a associação pressupõe ato de vontade” (Curso de Direito Constitucional, p.p
303/305, Editora Saraiva, 2013).
Fértil é a jurisprudência ao censurar a restrição à liberdade de
associação resultante de condomínios atípicos:
“AGRAVO REGIMENTAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.
ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO ATÍPICO. COBRANÇA DE NÃO ASSOCIADO.
IMPOSSIBILIDADE. APLICAÇÃO DO 'ENUNCIADO SUMULAR N.° 168/STJ. Consoante entendimento sedimentado no âmbito da
Eg. Segunda Seção desta Corte Superior, as taxas de manutenção instituídas por
associação de moradores não podem ser impostas a proprietário de imóvel que não
é associado, nem aderiu ao ato que fixou o encargo (Precedentes: AgRg no Ag 1179073/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira
Turma, DJe de 02/02/2010; AgRg no Ag 953621/RJ, Rei. Min. João Otávio de
Noronha, Quarta Turma, DJe de 14/12/2009; AgRg no REsp 1061702/SP, Rei. Min.
Aldir Passarinho, Quarta Turma, DJe de 05/10/2009; AgRg no REsp 1034349/SP, Rel.
Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 16/12/2008. 2. À luz da inteligência do
verbete, Sumular n° 168/STJ, "não cabem embargos de divergência, quando a
jurisprudência do Tribunal se firmou no mesmo sentido do acórdão, embargado”.
3. Agravo regimental a que se nega provimento”. (STJ, AgRG nos EREesp nº
961927/RJ, Rel. Ministro Vasco Della Giustina, DJE 15/09/2010).
“AGRAVO REGIMENTAL.
RECURSO ESPECIAL. CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. ASSOCIAÇÃO DE MORADORES. CONDOMÍNIO
ATÍPICO. COTAS RESULTANTES DE DESPESAS EM PROL DA SEGURANÇA E CONSERVAÇÃO DE
ÁREA COMUM. COBRANÇA DE QUEM NÃO É ASSOCIADO. IMPOSSIBILIDADE. 1. Consoante entendimento
firmado pela Segunda Seção do STJ, “as taxas de manutenção criadas por
associação de moradores, não podem ser impostas a proprietário de imóvel que
não é associado, nem aderiu ao ato que instituiu o encargo” (ERESP nº
444.931/SP, rel. Min. Fernando Gonçalves, rel. p/o acórdão Min. Humberto Gomes
de Barros, DJ de 1º.2.2006”). 2. Agravo regimental desprovido. (STJ, AgRG no
REsp 613474/RJ, Órgão Julgador 4ª Turma, Rel. João Otávio de Noronha, DJE
05/10/2009).
“Existem precedentes concluindo que o
condomínio, ainda que atípico, tem legitimidade para propor ação de cobrança de
despesas condominiais. No caso, todavia, a autora da ação de cobrança é simples
associação de moradores – quando muito, o que se denomina condomínio atípico.
As deliberações desses condomínios atípicos não podem atingir quem delas não
tomou parte. Vale dizer: as obrigações assumidas pelos que espontaneamente se
associaram para ratear as despesas comuns não alcançam terceiros que a elas não
aderiram”. (TJ/SP, Apelação nº 0041203-52.2004.8.26.0114, Relator Des. Moreira
Viegas, DJE 3/10/2012).
Ora, se ninguém pode ser compelido a se associar ou
manter-se associado, a outorga de uso desses bens públicos em “bolsões
residenciais” obriga os proprietários de lotes a tanto, porque não lhes dá
opção sob pena de não poderem fruir tais bens para além de dificultar-lhes o
gozo de seu próprio patrimônio imobiliário, já que dependem da condição de
associados.
Não bastasse, as leis também são inconstitucionais por ofensa aos arts.
180, V, e 181, § 1º, da Carta Bandeirante.
Das
normas municipais de desenvolvimento urbano se impõe compatibilidade com as
demais normas urbanísticas (art. 180, V, Constituição Estadual) e, outrossim,
delas se exige, inclusive no tocante às limitações administrativas, que
instituam conformidade com diretrizes do plano diretor, que deve caráter
integral (art. 181, caput e § 1º, da
Constituição Paulista).
A
adoção de normas municipais alheadas ao plano diretor configura indevido
fracionamento, permitindo soluções tópicas, isoladas e pontuais, desvinculadas
do planejamento urbano integral, vulnerando sua compatibilidade com o plano
diretor e sua integralidade. O Supremo Tribunal Federal entende possível o
contencioso de constitucionalidade sem que se configure contraste entre a lei
impugnada e o plano diretor, estimando desafio direto e frontal à Constituição:
“(...)
Plausibilidade da alegação de que a Lei Complementar distrital 710/05, ao
permitir a criação de projetos urbanísticos ‘de forma isolada e desvinculada’
do plano diretor, violou diretamente a Constituição Republicana. (...)” (STF, QO-MC-AC 2.383-DF, 2ª Turma, Rel. Min.
Ayres Britto, 27-03-2012, v.u., 28-06-2012).
Ainda acerca dos
vícios que inquinam os atos ora combatidos, a Constituição Paulista acolhe
objetiva e expressamente o princípio do planejamento em matéria urbanística,
predicado por integralidade, compatibilidade e globalidade, e que se
consubstancia no plano diretor, acolitado pelo princípio da conformidade com as
normas urbanísticas e de qualidade de vida.
A exigência do
plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e
expansão urbana”, está assentada no § 1º do art. 182 da Constituição Federal,
cuja aplicabilidade à hipótese decorre da regra contida no art. 144 da
Constituição do Estado de São Paulo, não bastasse o art. 181 desta. E o art. 182
caput da Carta Magna disciplina que
“a política de desenvolvimento urbano, executada pelo poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes”.
Se
o inciso VIII do art. 30 da Constituição Federal prevê a competência dos
Municípios para “promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,
mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo
urbano”, seu exercício não pode se distanciar dos demais cânones
constitucionais federais e estaduais incidentes seja qual for o propósito da
legislação urbanística municipal.
Por
isso, se afigura irrelevante epitetar as leis impugnadas como anistias a
construções irregulares, porque esse escopo não alija do contexto a observância
das normas constitucionais violadas.
O que se infere
dos dispositivos acima apontados que a política de ocupação e uso adequado do
solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de
lei, e as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar
do respectivo plano diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das
peculiaridades de cada Município. Ora, a sistemática constitucional, quanto à
necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso
do solo, torna patente que o casuísmo, evidenciado em atos normativos que
regulam situações isoladas.
O ato normativo
que modificando usos situados em determinada via pública, de forma pontual,
viola diretamente a sistemática constitucional na matéria, pois qualquer
alteração legislativa que envolva o zoneamento e a ocupação e uso do solo deve
ser realizada dentro de um contexto de planejamento e de diretrizes gerais. Não
se admite, nesse quadro, a ordenação dissociada do contexto da utilização de
todo o solo urbano, sob pena de arrefecimento do texto constitucional.
Tratando
da elaboração do plano diretor do ordenamento urbano, anota Hely Lopes
Meirelles que “toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua
formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua
renovação”; acrescentando que “a elaboração do plano diretor é tarefa de
especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo por isso
mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com
profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do
Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento
do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e
utilidade para a população” (Direito
Municipal Brasileiro, pp. 393-395).
E anota José
Afonso da Silva que a respectiva ordenação é um dos aspectos fundamentais do
planejamento urbanístico, salientando ainda, quanto às hipóteses de alteração
de zoneamento, que “recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de
que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai
resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui
condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma
simples liberação inconsequente ou um agravamento menos pensado podem valorizar
demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem
propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração
constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não
causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que dificultam sua
implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e
justiça” (Direito Urbanístico, São
Paulo: Malheiros, 2006, p. 251).
Como
pondera Toshio Mukai “a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis,
sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente
acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao
contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua
finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa
utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições
de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social,
harmonizando os interesses particulares e os da coletividade” (Temas atuais de direito urbanístico e
ambiental, Belo Horizonte: Editora Fórum, 2004, p. 29).
E nem seria
despropositado obtemperar que a transformação assentida pela lei teria
potencialidade para incompatibilizar-se com o princípio da impessoalidade,
adotado expressamente no art. 111, caput,
da Constituição do Estado de São Paulo, bem como no art. 37 caput da Constituição Federal. Isto
porque, conforme expõe Hely Lopes Meirelles, tratando-se de zoneamento urbano,
“normas edilícias devem evitar o quanto possível essas súbitas e frequentes
modificações de uso, que afetam instantaneamente a propriedade e as atividades
particulares, gerando instabilidade no mercado imobiliário urbano e
intranquilidade na população citadina (...) O Município só deve impor ou
alterar zoneamento quando essa medida for exigida pelo interesse público, com
real vantagem para a cidade e seus habitantes” (Direito Municipal
Brasileiro, p. 407). Deste modo, as inovações legislativas urbanísticas
impendem planejamento neutro e objetivo, racional e imparcial, não inculcando
mudanças tópicas capazes de criar desequilíbrio subjetivo determinado.
Por fim, os atos normativos
impugnados criam exceção à regra da licitação prestigiada no art. 117 da
Constituição Estadual ao favorecer como concessionário ou permissionário de uso
privativo de bens públicos e de serviços públicos pessoa jurídica de direito
privado que não se investiu nessa qualidade a partir de processo seletivo
objetivo, público e imparcial, o que significa, ainda, afronta à competência
legislativa da União para normas gerais sobre licitação e contrato
administrativo (arts. 22, XXVII, 37, XXI, e 175, Constituição Federal), patenteando, novamente, ofensa à
competência normativa alheia, sindicável por força do art. 144 da Constituição
Estadual.
As exceções à licitação
(inexigibilidade, dispensa, dispensabilidade, proibição) constituem matérias da
essência das normas gerais de licitações e contratações públicas, não sendo
lícito aos Municípios disciplinarem o assunto em lei para além das prescrições
contidas em lei federal. Neste sentido:
“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE DE AGREMIAÇÃO PARTIDÁRIA COM REPRESENTAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL PARA DEFLAGRAR O PROCESSO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE EM TESE. INTELIGÊNCIA DO ART. 103, INCISO VIII, DA MAGNA LEI. REQUISITO DA PERTINÊNCIA TEMÁTICA ANTECIPADAMENTE SATISFEITO PELO REQUERENTE. IMPUGNAÇÃO DA LEI Nº 11.871/02, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, QUE INSTITUIU, NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA SUL-RIO-GRANDENSE, A PREFERENCIAL UTILIZAÇÃO DE SOFTWARES LIVRES OU SEM RESTRIÇÕES PROPRIETÁRIAS. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DA TESE DO AUTOR QUE APONTA INVASÃO DA COMPETÊNCIA LEGIFERANTE RESERVADA À UNIÃO PARA PRODUZIR NORMAS GERAIS EM TEMA DE LICITAÇÃO, BEM COMO USURPAÇÃO COMPETENCIAL VIOLADORA DO PÉTREO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. RECONHECE-SE, AINDA, QUE O ATO NORMATIVO IMPUGNADO ESTREITA, CONTRA A NATUREZA DOS PRODUTOS QUE LHES SERVEM DE OBJETO NORMATIVO (BENS INFORMÁTICOS), O ÂMBITO DE COMPETIÇÃO DOS INTERESSADOS EM SE VINCULAR CONTRATUALMENTE AO ESTADO-ADMINISTRAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA” (RTJ 192/163).
“Ação direta de inconstitucionalidade: L. Distrital 3.705, de 21.11.2005, que cria restrições a empresas que discriminarem na contratação de mão-de-obra: inconstitucionalidade declarada. 1. Ofensa à competência privativa da União para legislar sobre normas gerais de licitação e contratação administrativa, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais de todos os entes da Federação (CF, art. 22, XXVII) e para dispor sobre Direito do Trabalho e inspeção do trabalho (CF, arts. 21, XXIV e 22, I). 2. Afronta ao art. 37, XXI, da Constituição da República - norma de observância compulsória pelas ordens locais - segundo o qual a disciplina legal das licitações há de assegurar a ‘igualdade de condições de todos os concorrentes’, o que é incompatível com a proibição de licitar em função de um critério - o da discriminação de empregados inscritos em cadastros restritivos de crédito -, que não tem pertinência com a exigência de garantia do cumprimento do contrato objeto do concurso” (STF, ADI 3.670-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, 02-04-2007, v.u., DJe 18-05-2007).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DISTRITAL N. 1.713, DE 3 DE SETEMBRO DE 1.997. QUADRAS RESIDENCIAIS DO PLANO PILOTO DA ASA NORTE E DA ASA SUL. ADMINISTRAÇÃO POR PREFEITURAS OU ASSOCIAÇÕES DE MORADORES. TAXA DE MANUTENÇÃO E CONSERVAÇÃO. SUBDIVISÃO DO DISTRITO FEDERAL. FIXAÇÃO DE OBSTÁCULOS QUE DIFICULTEM O TRÂNSITO DE VEÍCULOS E PESSOAS. BEM DE USO COMUM. TOMBAMENTO. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO PARA ESTABELECER AS RESTRIÇÕES DO DIREITO DE PROPRIEDADE. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 2º, 32 E 37, INCISO XXI, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. (...) 2. Afronta a Constituição do Brasil o preceito que permite que os serviços públicos sejam prestados por particulares, independentemente de licitação [artigo 37, inciso XXI, da CB/88]. (...)” (STF, ADI 1.706-DF, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eros Grau, 09-04-2008, v.u., DJe 12-09-2008).
“SERVIÇO PÚBLICO CONCEDIDO. TRANSPORTE INTERESTADUAL DE PASSAGEIROS. AÇÃO DECLARATÓRIA. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DE DIREITO DE EMPRESA TRANSPORTADORA DE OPERAR PROLONGAMENTO DE TRECHO CONCEDIDO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO. Afastada a alegação do recorrido de ausência de prequestionamento dos preceitos constitucionais invocados no recurso. Os princípios constitucionais que regem a administração pública exigem que a concessão de serviços públicos seja precedida de licitação pública. Contraria os arts. 37 e 175 da Constituição federal decisão judicial que, fundada em conceito genérico de interesse público, sequer fundamentada em fatos e a pretexto de suprir omissão do órgão administrativo competente, reconhece ao particular o direito de exploração de serviço público sem a observância do procedimento de licitação. Precedentes. Recurso extraordinário conhecido e a que se dá provimento” (RT 837/125).
“ADMINISTRATIVO.
AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO.
NECESSIDADE DE LICITAÇÃO. ARTIGO 37 DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO
IMPROVIDO. I - O acórdão recorrido está em consonância com a jurisprudência
desta Corte no sentido de que a partir da vigência da Constituição de 1988, a
licitação passou a ser indispensável à Administração Pública, consoante art.
37, da mesma Carta, por garantir a igualdade de condições e oportunidades para
aqueles que pretendem contratar obras e serviços com a Administração. II –
Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 792.149-MG, 1ª Turma, Rel. Min.
Ricardo Lewandowski, 19-10-2010, v.u., DJe 16-11-2010).
Por
todas essas razões, revela-se cristalina a inconstitucionalidade da Lei n. 694, de 08 de novembro de
1994, com as alterações promovidas pela Lei n. 742, de 21 de setembro de 1995.
III - DA
INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO
Não se pode olvidar que,
acaso acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade,
restará despiciendo os Decretos n. 2.611/1995, 2651/1996, 2655/1996, 2687/1996,
2833/1996, 2862/1996, 2874/1996, 3001/1997, 3002/1997, 3259/1998, 3262/1998,
3295/1998, 3327/1998, 3515/1998, 3576/1998, 3577/1998, 3599/1998, 3614/1998,
3648/1998, 3717/1999, 3804/1999, 3826/1999, 3827/1999, 4074/1999, 4244/2000,
4264/2000, 4275/2000, 4276/2000, 4472/2000, 4473/2000, 4521/2000, 4619/2001,
4831/2001, 4846/2001, 4883/2002, 4905/2002, 4917/2002, 4918/2002, 4962/2002,
5042/2002, 5074/2002, 5112/2002, 5251/2003, 5281/2003, 5293/2003, 5323/2003,
5335/2003, 5351/2003, 5364/2003, 5415/2003, 5451/2004, 5478/2004, 5505/2004,
5518/2004, 5566/2004, 5573/2004, 5602/2004, 5607/2004, 5912/2006, 6223/2008,
6236/2008, 6253/2008, 6322/2008, 6481/2008, 6588/2009, 6611/2009, 6796/2010,
7522/2012, 7529/2012, 7751/2013, 7838/2013 e 8000/2014, todos do Município de
Cotia.
Torna-se, portanto,
necessário que se reconheça sua inconstitucionalidade por arrastamento ou
atração.
A respeito da
inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:
"(...)
se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for
julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente
daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em
vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará
eivada pelo vício da inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento'
ou por 'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional
Esquematizado", Saraiva, 13ª Edição, p. 208).
Segundo
precedentes do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de
inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU
08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16;
ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel.
Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU
09-06-2005, p. 4).
A declaração de
inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o
reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna
despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que
não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório
restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo
vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam
direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.
Nesse contexto, requer-se a declaração
de inconstitucionalidade por arrastamento dos Decretos n. 2.611/1995,
2651/1996, 2655/1996, 2687/1996, 2833/1996, 2862/1996, 2874/1996, 3001/1997,
3002/1997, 3259/1998, 3262/1998, 3295/1998, 3327/1998, 3515/1998, 3576/1998,
3577/1998, 3599/1998, 3614/1998, 3648/1998, 3717/1999, 3804/1999, 3826/1999,
3827/1999, 4074/1999, 4244/2000, 4264/2000, 4275/2000, 4276/2000, 4472/2000,
4473/2000, 4521/2000, 4619/2001, 4831/2001, 4846/2001, 4883/2002, 4905/2002, 4917/2002,
4918/2002, 4962/2002, 5042/2002, 5074/2002, 5112/2002, 5251/2003, 5281/2003,
5293/2003, 5323/2003, 5335/2003, 5351/2003, 5364/2003, 5415/2003, 5451/2004,
5478/2004, 5505/2004, 5518/2004, 5566/2004, 5573/2004, 5602/2004, 5607/2004,
5912/2006, 6223/2008, 6236/2008, 6253/2008, 6322/2008, 6481/2008, 6588/2009,
6611/2009, 6796/2010, 7522/2012, 7529/2012, 7751/2013, 7838/2013 e 8000/2014,
todos do Município de Cotia, tendo em vista que inconstitucionalmente criaram
os “bolsões residências”.
IV – DO Pedido
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o
processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para
declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 694, de 08 de
novembro de 1994, com as alterações promovidas pela Lei n. 742, de 21 de setembro
de 1995, e por arrastamento dos Decretos n. 2.611/1995, 2651/1996, 2655/1996, 2687/1996,
2833/1996, 2862/1996, 2874/1996, 3001/1997, 3002/1997, 3259/1998, 3262/1998,
3295/1998, 3327/1998, 3515/1998, 3576/1998, 3577/1998, 3599/1998, 3614/1998,
3648/1998, 3717/1999, 3804/1999, 3826/1999, 3827/1999, 4074/1999, 4244/2000,
4264/2000, 4275/2000, 4276/2000, 4472/2000, 4473/2000, 4521/2000, 4619/2001,
4831/2001, 4846/2001, 4883/2002, 4905/2002, 4917/2002, 4918/2002, 4962/2002,
5042/2002, 5074/2002, 5112/2002, 5251/2003, 5281/2003, 5293/2003, 5323/2003,
5335/2003, 5351/2003, 5364/2003, 5415/2003, 5451/2004, 5478/2004, 5505/2004,
5518/2004, 5566/2004, 5573/2004, 5602/2004, 5607/2004, 5912/2006, 6223/2008,
6236/2008, 6253/2008, 6322/2008, 6481/2008, 6588/2009, 6611/2009, 6796/2010,
7522/2012, 7529/2012, 7751/2013, 7838/2013 e 8000/2014, todos do Município de Cotia.
Requer-se ainda sejam requisitadas informações ao
Prefeito e à Câmara Municipal de Cotia, bem como posteriormente citado o
Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que pede deferimento.
São Paulo, 28 de maio de
2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/crms
Protocolado nº 92.434/2003, 132.458/2014 e 4.144/2015
Interessado: Partido Social
Cristão - PSC
1.
Distribua-se a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade
em face da Lei n. 694, de 08 de
novembro de 1994, com as alterações promovidas pela Lei n. 742, de 21 de
setembro de 1995, e por arrastamento dos Decretos n. 2.611/1995, 2651/1996,
2655/1996, 2687/1996, 2833/1996, 2862/1996, 2874/1996, 3001/1997, 3002/1997,
3259/1998, 3262/1998, 3295/1998, 3327/1998, 3515/1998, 3576/1998, 3577/1998,
3599/1998, 3614/1998, 3648/1998, 3717/1999, 3804/1999, 3826/1999, 3827/1999,
4074/1999, 4244/2000, 4264/2000, 4275/2000, 4276/2000, 4472/2000, 4473/2000,
4521/2000, 4619/2001, 4831/2001, 4846/2001, 4883/2002, 4905/2002, 4917/2002,
4918/2002, 4962/2002, 5042/2002, 5074/2002, 5112/2002, 5251/2003, 5281/2003,
5293/2003, 5323/2003, 5335/2003, 5351/2003, 5364/2003, 5415/2003, 5451/2004,
5478/2004, 5505/2004, 5518/2004, 5566/2004, 5573/2004, 5602/2004, 5607/2004,
5912/2006, 6223/2008, 6236/2008, 6253/2008, 6322/2008, 6481/2008, 6588/2009,
6611/2009, 6796/2010, 7522/2012, 7529/2012, 7751/2013, 7838/2013 e 8000/2014,
todos do Município de Cotia, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 28 de maio de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
wpmj/crms