Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

Protocolado nº 17.324/2015

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana, de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o Poder Executivo a reduzir o tempo de contribuição para aposentadoria da Guarda Municipal de Americana – GAMA, no Município de Americana e dá outras providências”.

2.      Pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa legislativa sobre o regime jurídico dos servidores públicos e aposentadoria. Violação dos arts. 24, § 2º, 4, e art. 144, da Constituição do Estado.

3.      Usurpação da competência legislativa privativa da União com violação do princípio federativo (art. 1º da Constituição Estadual). Compete a União legislar sobre a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos que exerçam atividades de risco (art. 40, § 4º c.c. o art. art. 24, XII da Constituição Federal). Violação do princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista) decorrente da repartição constitucional de competências.

4.      Guardas Civis Municipais são servidores públicos efetivos sujeitos ao regime próprio de previdência social. Vedação de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria. Violação do art. 126 da Constituição Estadual.

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face da Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana, de iniciativa parlamentar,  pelos fundamentos a seguir expostos:

1. Do Ato Normativo Impugnado

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Procurador Geral do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo (fls. 02/06).

A Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana, de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o Poder Executivo a reduzir o tempo de contribuição para aposentadoria da Guarda Municipal de Americana – GAMA, no Município de Americana e dá outras providências, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º Fica autorizado o Poder Executivo a reduzir o tempo de contribuição para aposentadoria da GAMA – Guarda Municipal de Americana, previsto na Lei nº 5.111, de 23 de novembro de 2010, que “Cria o Regime Próprio de Previdência Social - RPPS do Município e o Instituto de Previdência Social dos Servidores Municipais de Americana - AMERIPREV, e dá outras providências”, que passará a vigorar com alteração na redação de seu art. 41 e acrescida do art. 42-A, que seguem:

“Art. 41. Os requisitos de idade e de tempo de contribuição previstos no artigo anterior serão reduzidos em 5 (cinco) anos para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil, no ensino fundamental, ou no médio, e em 8 (oito) anos para integrantes da Guarda Municipal de Americana - GAMA, se homem, ou em 3 (três) anos, se mulher.

Parágrafo único  ..........................”

“Art. 42-A. O Guarda Municipal, independentemente da idade, após 27 (vinte e sete) anos de contribuição, desde que conte, pelo menos, 15 (quinze) anos de efetivo exercício da função, poderá se aposentar, com renda mensal correspondente a 100% (cem por cento) do salário de benefício.”

Art. 2º As despesas e eventuais compensações financeiras sofridas pelo AMERIPREV, em razão da aplicação dos benefícios previstos nesta lei, serão cobertas por dotações orçamentárias previstas nos orçamentos da Prefeitura e/ou Guarda Municipal de Americana, que farão o repasse ao Instituto responsável pelo benefício.

 Art. 3º Esta lei entra em vigor na data de sua publicação, ficando revogadas as disposições em contrário.

(...)”

O ato normativo transcrito padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2.                 DO parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

A Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana, de iniciativa parlamentar, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo”  (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 40, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, os arts. 1º, arts. 5º, 24, § 2º, 4, e 126, da Constituição Estadual.

A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

Os dispositivos legais mencionados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

“Artigo 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

(...)

Artigo 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

(...)

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

4 - servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

(...)

Artigo 126 - Aos servidores titulares de cargos efetivos do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados:
1 - por invalidez permanente, sendo os proventos proporcionais ao tempo de contribuição, exceto se decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, na forma da lei;

(...)

3 - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição

§2º - Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

§3º - Para o cálculo dos proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão consideradas as remunerações utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência de que tratam este artigo e o art. 201 da Constituição Federal, na forma da lei.

§4º - É vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares, os casos de servidores:

1 - portadores de deficiência;

2 - que exerçam atividades de risco;

3 - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

(...)

3.  DA FUNDAMENTAÇÃO

 a. Vício de iniciativa

O ato normativo impugnado apresenta vício de inconstitucionalidade formal por violar a reserva de iniciativa do Poder Executivo, prevista no art. 24, § 2º, 1 e 4, aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista,

Verifica-se que a lei municipal impugnada, ao reduzir o tempo de contribuição para aposentadoria dos ocupantes dos cargos de Guarda Municipal de Americana, tratou de matéria relativa a regime jurídico e aposentadoria dos servidores públicos.

Desta forma, a lei de iniciativa parlamentar revela-se invasiva da esfera da iniciativa privativa do Poder Executivo.

O processo legislativo, compreendido pelo conjunto de atos (iniciativa, emenda, votação, sanção e veto) realizados para a formação das leis, é objeto de minuciosa previsão na Constituição Federal, para que se constitua em meio garantidor da independência e harmonia dos Poderes.

O desrespeito às normas do processo legislativo, cujas linhas mestras estão traçadas na Constituição da República, conduz à inconstitucionalidade formal do ato produzido, que poderá sofrer o controle repressivo, difuso ou concentrado, por parte do Poder Judiciário.

Nesse diapasão, cumpre mencionar que a iniciativa legislativa, ato este que deflagra o processo de produção normativa, pode ser geral ou reservada (privativa).

O ato normativo impugnado, de iniciativa parlamentar, cuidou de matéria relativa à aposentadoria e regime jurídico de servidores públicos, cuja iniciativa, ante previsão constitucional, cabe ao Chefe do Executivo.

A propósito, a Constituição Estadual estabelece que cabe exclusivamente ao Governador a iniciativa das leis que disponham sobre servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (CE, art. 24, § 2°, 4), regramento este sujeito à observância pelos Municípios por força do art. 144 da Constituição Paulista (princípio da simetria).

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos entes municipais (arts. 24, § 2°, 1 e 4; 144).

Nesse sentido, confira-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

“INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 740/2003, do Estado do Amapá. Competência legislativa. Servidor Público. Regime jurídico. Vencimentos. Acréscimo de vantagem pecuniária. Adicional de Desempenho a certa classe de servidores. Inadmissibilidade. Matéria de iniciativa exclusiva do Governador do Estado, Chefe do Poder Executivo. Usurpação caracterizada. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, alínea ‘a’, da CF, aplicáveis aos estados. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei que, de iniciativa parlamentar, conceda ou autorize conceder vantagem pecuniária a certa classe de servidores públicos” (STF, ADI 3.176-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Cezar Peluso, 30-06-2011, v.u., DJe 05-08-2011).

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE VANTAGENS PECUNIÁRIAS A SERVIDORES PÚBLICOS. SIMETRIA. VÍCIO DE INICIATIVA. 1. As regras de processo legislativo previstas na Carta Federal aplicam-se aos Estados-membros, inclusive para criar ou revisar as respectivas Constituições. Incidência do princípio da simetria a limitar o Poder Constituinte Estadual decorrente. 2. Compete exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis, lato sensu, que cuidem do regime jurídico e da remuneração dos servidores públicos (CF artigo 61, § 1º, II, ‘a’ e ‘c’ c/c artigos 2º e 25). Precedentes. Inconstitucionalidade do § 4º do artigo 28 da Constituição do Estado do Rio Grande do Norte. Ação procedente” (STF, ADI 1.353-RN, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Corrêa, 20-03-2003, v.u., DJ 16-05-2003, p. 89).

A propósito, convém destacar as seguintes decisões desse Colendo Órgão Especial:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. VICIO DE INICIATIVA. Lei municipal de autoria de membro do Poder Legislativo que dispõe sobre a concessão de auxílio-alimentação aos servidores. Matéria inserida na reserva de iniciativa do Chefe do Executivo. Separação dos Poderes. Ofensa aos art. 5º, "caput", da CESP, e a 2° da CF/88. Caracterização de vício de iniciativa. Inconstitucionalidade formal subjetiva. Ação julgada procedente.” (ADI nº 0269127-61.2011.8.26.0000, Rel. Des. Roberto Mac Cracken, j. 21 de março de 2012)

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei do Município de Ituverava, de iniciativa parlamentar, que concede aos servidores municipais 1/30 (um trinta avós) de seus vencimentos mensais, por dia de férias, após vinte anos de efetivo exercício. Invasão da competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Ingerência na Administração do Município. Vício de iniciativa configurado. Violação ao Princípio da Separação de Poderes. Criação de despesas sem a indicação da fonte de custeio. Violação dos artigos 5º, 24, §2°, 1 e 4, 25, 47, II e XIV, 111, 128 e 144, da Constituição do Estado. Precedentes. Inconstitucionalidade reconhecida. Modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade. Art. 27, da Lei n° 9.868/99. Ação procedente, com modulação dos efeitos. (ADI nº 0022157-16.2013.8.26.0000, Rel. Des. Caetano Lagrasta, j. 24 de julho de 2013).

Nem se chegaria à conclusão diversa a partir da afirmação de que a lei ora questionada é simples lei autorizativa, da qual não resta nenhuma imposição para o administrador público.

A razão é simples: o Chefe do Poder Executivo não necessita de autorização legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A utilização recorrente de leis autorizativas tem objetivos de cunho nitidamente político, transmitindo aos cidadãos uma falsa ideia de direito subjetivo e de negligência do Poder Executivo.

A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com os preceitos mencionados da Constituição Estadual.

b. Violação ao Princípio Federativo

O esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União e aos Estados, sem espaço para os Municípios, a competência concorrente para legislar sobre previdência social (art. 24, XII da Constituição Federal).

De outro lado, a Constituição Federal instituiu um regime próprio de previdência dos entes federativos, vedando a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime (art. 40, § 4º e 12 da Constituição Federal e art. 126 § 4º e 12 da Constituição Estadual).

Ressalvou, no entanto, a possibilidade da lei complementar adotar requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores: portadores de deficiência; que exerçam atividades de risco; cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Ainda que se admita que os guardas civis exerçam atividade de risco, o Município ao reconhecer por lei tal circunstância e estabelecer regime de aposentadoria e benefícios previdenciários diferenciados, violou o princípio federativo, haja vista tratar de matéria cuja disciplina está subordinada a lei complementar de competência da União.

Nem se alegue a existência de competência complementar municipal, fundada na autonomia para legislar sobre assunto de interesse local. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência dos motivos que justificariam a competência legislativa municipal, haja vista que a disciplina de regras diferenciadas para aposentadoria para servidores que exerçam atividade de risco, tem relevância além dos limites do Município, pois representa interesse nacional, não podendo se subordinar a uma prevalência local. Além disto, a multiplicidade de normas e critérios tornaria impossível a compensação entre os regimes.

E a matéria em questão, por sua abrangência, nem mesmo poderia ser disciplinada pelo Estado, como reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 797.905, interposto em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, proferida em sede de mandado de injunção, ao proclamar que: A omissão referente à edição da Lei Complementar a que se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional.

No julgamento observou o Ministro Relator Gilmar Mendes que:

“Sobre o tema, esta Corte assentou que, apesar de a competência legislativa ser concorrente, a matéria deve ser regulamentada uniformemente, em norma de caráter nacional, de iniciativa do Presidente da República.

A propósito, cito os seguintes precedentes: MI-ED 4.366, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 12.2.2014; MI-AgR 1.328, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe 2.12.2013; RE-AgR 745.628, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 4.11.2013; MI-AgR 1.545, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 08.06.2012; MI-AgR 1.832, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 18.05.2011; e MI 1.898-AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 1.6.2012, cuja ementa colaciono a seguir:

‘CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. DECISÃO QUE CONCEDE A ORDEM PARA DETERMINAR QUE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE ANALISE A SITUAÇÃO FÁTICA DO IMPETRANTE À LUZ DO ART. 57 DA LEI 8.213/1991. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E DE INCOMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. A Corte firmou entendimento no sentido de que a competência concorrente para legislar sobre previdência dos servidores públicos não afasta a necessidade da edição de norma regulamentadora de caráter nacional, cuja competência é da União. Por esse motivo, a Corte assentou a legitimidade do Presidente da República para figurar no polo passivo de mandado de injunção sobre esse tema. Precedentes. Agravo regimental desprovido’.

Assim, ao disciplinar matéria de competência da União, o legislador municipal extrapolou sua competência limitada a disciplinar matéria de interesse predominantemente local.

Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

O princípio federativo está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Por essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que a Lei Municipal que trate de matéria cuja competência é do legislador federal ou estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

A prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O art. 29, caput, da Constituição Federal, prevê que os Municípios, ao editarem suas leis orgânicas deverão respeitar os “princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado”.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que os atos normativos impugnados, invadiram espaço reservado à competência normativa federal, violando a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto no art. 1º e no art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.

c. Da violação às regras do regime próprio de previdência

O art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/98, 41/2003 e 47/2005, seguido pela Constituição Estadual (art. 126), instituiu um regime próprio de previdência social a ser observado pelos entes federados.

Assegurou assim aos servidores titulares de cargos efetivos da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

As aposentadorias por invalidez permanente, compulsória e voluntária foram disciplinadas de forma clara pelo § 1º do art. 40 da Constituição Federal, reproduzido no § 1º do art. 126 da Constituição Estadual.

Os Guardas Civis Municipais por serem servidores públicos efetivos sem qualquer regime especial previsto ou admitido pela Constituição Federal, como ocorre como os militares e policiais militares, estão submetidos às regras daquele regime geral de previdência dos servidores públicos, sendo vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria.

Assim, a instituição de regime de aposentadoria diferenciado com diminuição no tempo de contribuição, previsto no ato normativo impugnado, viola o art. 40 da Constituição Federal reproduzido no art. 126 da Constituição Estadual.

A Emenda Constitucional nº 20/1998 vinculou os proventos de aposentadoria e as pensões à remuneração do cargo efetivo, como critério para o seu cálculo e como limite máximo para a sua concessão (§§ 2º e 3º do artigo 40) e manteve o reajustamento dos proventos e pensões na mesma proporção e na mesma data dos servidores ativos (§ 8º do artigo 40). A Emenda nº 41/2003 manteve a remuneração do cargo efetivo como limite máximo para os proventos de aposentadoria e as pensões (§ 2º do artigo 40), porém estabeleceu que no cálculo destes fosse observado o histórico contributivo e de remunerações do servidor, na forma da lei (§ 3º), e alterou a sua forma de reajustamento, passando a assegurar a preservação de seu valor real, também conforme critérios estabelecidos em lei (§ 8º).

Os critérios para cálculo dos benefícios foram definidos no artigo 1º da Lei nº 10.887/2004, que adotou parâmetros semelhantes aos previstos para o RGPS, estabelecendo que:

“Art. 1o No cálculo dos proventos de aposentadoria dos servidores titulares de cargo efetivo de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, previsto no § 3º do art. 40 da Constituição Federal e no art. 2º da Emenda Constitucional nº 41, de 19 de dezembro de 2003, será considerada a média aritmética simples das maiores remunerações, utilizadas como base para as contribuições do servidor aos regimes de previdência a que esteve vinculado, correspondentes a 80% (oitenta por cento) de todo o período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde a do início da contribuição, se posterior àquela competência.”

Desta forma, a previsão de proventos de aposentadoria correspondentes a 100% do salário de benefício também, viola a regra do § 3º do art. 40 da Constituição Federal, reproduzida no § 3º do art. 126 da Constituição Estadual.

4. DOS PEDIDOS

a.    Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma impugnada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque permite dispêndio de recursos públicos de maneira ilegítima, periclitando as forças do erário com a potencialidade real e concreta de danos irreversíveis ou de difícil reparação.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação da Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana.

b.    Do pedido principal

Face ao exposto, requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade da Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Americana, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

                   Termos em que, pede deferimento.

 São Paulo, 09 de junho de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca

 

 

 

 

 


 

Protocolado nº 17.324/2015

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei nº 5.679, de 01 de agosto de 2014, do Município de Americana.

 

 

 

 

 

1.     Distribua-se digitalmente a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                  

São Paulo, 09 de junho de 2015.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca