EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

 

 

 

Protocolado nº 17.956/15

 

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Art. 2° da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, Art. 2° da Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, e Lei n. 7.685, de 18 de dezembro de 2014, do Município de Araçatuba. Inexistência dos direitos à revisão geral anual aos agentes políticos parlamentares municipais. Inadmissibilidade da vinculação do índice de revisão anual aplicável aos servidores públicos municipais à revisão do subsídio de agentes políticos (art. 115, XI e XV, CE). Princípio da Anterioridade. 1. Não gozam os agentes políticos parlamentares municipais dos direitos à revisão geral anual (art. 115, XI, Constituição Estadual), em obséquio às regras de anterioridade da legislatura e da inalterabilidade do subsídio durante esse período (art. 29, VI, da Constituição Federal), iluminadas pelo princípio da moralidade administrativa (art. 111, Constituição do Estado) e atraídas pela remissão do art. 144 da Constituição Estadual aos princípios da Constituição Federal. 2. Inadmissibilidade da vinculação do índice de revisão anual de servidores públicos municipais à revisão anual do subsídio dos agentes políticos municipais. 3.  A fixação dos subsídios dos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito e Secretário Municipal deverá ocorrer em cada legislatura para subsequente. Violação aos arts. 5°, 111, 115, XI e XV, e 144, da Constituição Estadual.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face do art. 2° da Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, do art. 2° da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, do art. 1° e da expressão Secretário Municipal constante no art. 2° da Lei n. 7.685, de 18 dezembro de 2014, (e, por arrastamento, o art. 1° da Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013), do Município de Araçatuba, pelos fundamentos a seguir expostos:

I – OS AtoS NormativoS ImpugnadoS

A propositura da presente ação direta decorre de representação endereçada a esta Procuradoria-Geral de Justiça pelo DD. Promotor de Justiça de Araçatuba, Dr. José Augusto Mustafá (fls. 02/27).

O art. 2º da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, do Município de Araçatuba, foi editado nos seguintes moldes:

“(...)

Art. 2.° Os subsídios dos Vereadores à Câmara Municipal de Araçatuba, fixados pela Lei Municipal n.° 7.509, de 30 de novembro de 2012, ficam reajustados, a partir de 1.° de janeiro de 2014, no percentual de cinco inteiros e setenta e sete centésimos por cento, correspondente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado no período de dezembro de 2012 a novembro de 2013, atendendo à revisão geral anual prevista no art. 37, inciso X, da Constituição Federal.

(...)”.

Por sua vez, a Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, do Município de Araçatuba, no que interessa dispõe:

“(...)

Art. 2° Os subsídios dos Vereadores à Câmara Municipal de Araçatuba ficam reajustados, a partir de 1° de janeiro de 2015, no percentual de seis inteiros e cinquenta e seis centésimos por cento, correspondente ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulado no período de dezembro de 2013 a novembro de 2014, atendendo à revisão geral anual prevista no art. 37, inciso X, da Constituição Federal.

(...)”

         Concedem, portanto, os dispositivos questionados a revisão geral anual aos Vereadores de Araçatuba, vinculando tal revisão ao índice outorgado aos servidores públicos municipais, proporcionando àqueles a revisão de subsídio quando houver a revisão da remuneração destes, durante o curso da legislatura.

         Além disso, a Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013, do Município de Araçatuba, dispõe:

“Art. 1.° Ficam fixados em R$ 19.500,00 (dezenove mil e quinhentos reais) e R$ 6.883,32 (seis mil, oitocentos e oitenta e três reais e trinta e dois centavos), respectivamente, os subsídios do Prefeito e do Vice-Prefeito do Município de Araçatuba.

Art. 2.° Revogando-se a Lei Municipal n.o 6.988, de 3 de abril de 2008, esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, surtindo seus efeitos a partir de 1° de janeiro de 2014.”

Por fim, a Lei n. 7.685, de 18 dezembro de 2014, do Município de Araçatuba, no que interessa dispõe:

“Art. 1.° Ficam fixados em R$20.779,20 (vinte mil, setecentos e setenta e nove reais e vinte centavos) e R$7.334,86 (sete mil, trezentos e trinta e quatro reais e oitenta e seis centavos), respectivamente, os subsídios do Prefeito e do Vice-Prefeito do Município de Araçatuba.

Art. 2.° Fica fixado o subsídio mensal dos ocupantes dos cargos de Secretário Municipal, Chefe de Gabinete e Procurador Geral do Município, Código SM1, constante da Lei Complementar Municipal n.O 206, de 30 de junho de 2010, em R$10.388,00 (dez mil, trezentos e oitenta e oito reais).

Art. 3.° Esta Lei entra em vigor em 1° de janeiro de 2015, revogando-se as Leis Municipais n.os 7.517, de 21 de dezembro de 2012, e 7.611, de 30 de dezembro de 2013.”

II – O parâmetro da fiscalização abstrata de constitucionalidade

         Os atos normativos impugnados contrariam frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.  Os atos normativos objurgados violam os seguintes preceitos da Constituição Estadual:

“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.

(...)

Art. 115. Para a organização da administração pública direta e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:

(...)

XI – a revisão geral anual da remuneração dos servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso;

(...)

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;

(...)

Art. 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

Também violam frontalmente o próprio art. 144 da Constituição Estadual e o art. 29, VI, da Constituição Federal, dispositivo este que enuncia:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos:

(...)

VI – o subsídio dos Vereadores será fixado pelas respectivas Câmaras Municipais em cada legislatura para a subsequente, observado o que dispõe esta Constituição, observados os critérios estabelecidos na respectiva Lei Orgânica e os seguintes limites máximos:

(...)”.

É que o art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

A – DA INEXISTÊNCIA DE REVISÃO GERAL ANUAL AOS AGENTES POLÍTICOS

O art. 115, XI, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, X, da Constituição Federal, não ampara aos agentes políticos parlamentares municipais a revisão geral anual do subsídio à vista do art. 29, VI, da Constituição Federal.

Embora não estejam necessariamente atreladas revisão geral anual, resulta do ordenamento jurídico positivo que tais direitos são circunscritos aos servidores públicos e agentes políticos vitalícios por ocuparem cargos profissionais, cujo regime jurídico é marcadamente distinto daqueles que transitoriamente são investidos em cargos públicos de natureza política.

Acrescenta-se a isso o próprio impedimento gerado pela regra da anterioridade da legislatura que compreende a inalterabilidade do subsídio dos edis durante a legislatura.

Neste sentido, colaciona-se julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negando aos agentes políticos a revisão geral anual:

“Ação direta de inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º, caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências’, e ‘Dá nova redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n° 11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais - é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada ‘regra da legislatura’ aos parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo terceiro subsídio a quem tem vínculo não profissional com a Administração Pública - é vedada a expansão do subsídio como parcela única concebido, para abranger valores excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual (ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º, 111, 115, XI, XII e XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente, assentando-se, ademais, a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da Constituição Federal.” (TJSP, ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des. Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).

“O Colendo Supremo Tribunal Federal já assentou ser inconstitucional dispositivo de lei estadual vinculando a alteração do subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado ao reajuste dos vencimentos dos servidores públicos. (...)

Mutatis mutantis’ a situação é a mesma em se tratando de lei municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador ao reajuste do funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade de dispositivo que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores, porquanto também nessa hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’, estatuída no artigo 29, VI, da Constituição da República. É o caso dos autos, em que a edição de lei atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao reajuste dos servidores municipais, ensejou alteração daquele na mesma legislatura, pelos próprios parlamentares, que assim acabaram por legislar em causa própria, em clara e inequívoca transgressão ao princípio da moralidade administrativa, que a Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art. 5º, LXXIII).

Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque ‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501).

Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema Corte, da lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º de agosto de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais alterar durante o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...), colhendo-se desse venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias atuais tem inteira aplicabilidade e está assim redigida: ‘João Barbalho, comentando o art. 46, da Constituição de 91, achava que deveria a fixação do subsidio ser antes da eleição, de modo que se não soubesse quem queria o beneficiado - cautela que hoje consta da Constituição de 46, e terminava suas considerações com a citação destas palavras de Aristóteles, sempre oportuna entre nós

- 'Combinai de tal forma vossas leis e vossas instituições, que os empregos não possam ser objeto de um cálculo interessado’ (V. Comentários à Constituição Federal Brasileira, pg. 235)’ (...).” (TJSP, II 161.056-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne Ferraz, 13-08-2008, v.u.).

Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 2º da Resolução 03/12, da Câmara Municipal de Tupã. Vinculação da revisão dos subsídios dos vereadores à dos demais servidores. Inadmissibilidade. Vinculação que ofende o art. 115, XV, da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade. Precedentes deste Órgão Especial. Ação julgada procedente. (TJSP, ADIN 0078162-58.2013.8.26.0000, Órgão Especial, Rel. Des. Ferreira Rodrigues, 28-05-2014, v.u.).

No mesmo sentido, é a manifestação doutrinária:

“A garantia da irredutibilidade não se estende aos agentes políticos investidos em mandatos e que não integram carreiras. Com efeito, diferentemente dos servidores públicos, esses agentes políticos não gozam da garantia, uma vez que a fixação de seus subsídios situa-se no plano das conveniências políticas. Tampouco há legitimidade na vinculação da revisão geral do funcionalismo público para fins da concessão de reajuste dos agentes políticos. A fixação dos subsídios dessa espécie de agentes políticos atende ao seu específico regime jurídico, incomparável com os demais, denotando-se limites e parâmetros diferenciados, razão pela qual não se inserem na revisão geral prevista no art. 37, X, da Constituição.

(...)

É importante ressaltar que a evolução histórico-constitucional brasileira da irredutibilidade ressalta aspectos subjetivos (de exceção passou a regra) e objetivos (enumeração taxativa da limitação de seu alcance e de sua extensão, ainda que, atualmente, pela adoção da técnica normativa da remissão a preceitos constitucionais). Se ela não é absoluta, como revelam as remissões normativas daquilo que pode decrescer a remuneração (arts. 37, XI, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I), constata-se que, a par da irredutibilidade em favor dos vencimentos dos servidores públicos estar ligada indissociavelmente ao direito de revisão geral anual (art. 37, X e XV) - porque esta poderia implicar aumento ou diminuição conforme a valorização ou não da moeda, e tendo a remuneração natureza de dívida de valor, se impede a redução - quando a Constituição Federal quis estabelecer irredutibilidade de subsídio e direito à revisão geral anual a outras espécies de agentes públicos políticos o fez expressamente, como se percebe dos citados arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c.

Poder-se-ia afirmar que essa impressão é falsa porque nos art. 37, X e XV, há remissão explícita ao subsídio e aos vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos, mormente porque se referem ao art. 39, § 4º, cuja redação daria a impressão de abranger os agentes políticos no raio de ação do direito à revisão geral anual contido no art. 37, X. Entretanto, tal argumento despreza a obviedade: o regime remuneratório (por subsídio) de agentes políticos temporariamente investidos em mandato eletivo ou na administração superior (Ministros de Estado e Secretários de Estados e Municípios) é diferenciado do regime daqueles vitalícios em cargos isolados ou de carreira técnico-científica, e que possuem com explícita referência à irredutibilidade e a revisão geral anual (arts. 95, III, e 128, § 5º, I, c). Além disso, se essa fosse a concepção constituinte, haveria previsão expressa, nesse sentido, nos arts. 27, § 1º, 28, § 2º, 29, V e VI, 49, VII e VIII, e que, se houvesse, seria absolutamente contraditória à regra da anterioridade da legislatura (art. 29, VI), pela qual durante esse período os subsídios são inalteráveis” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 166-167, 222-224).

No esteio das considerações esposadas, resta visível a ofensa dos atos normativos vergastados ao art. 115, XI, da Constituição Estadual.

B – DA INADMISSIBILIDADE DE VINCULAÇÃO DO ÍNDICE DE REVISÃO APLICÁVEL AOS SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS AOS AGENTES POLÍTICOS MUNICIPAIS

Não obstante a inconstitucionalidade apontada no tópico anterior, os atos normativos vergastados, ao instituírem o direito à revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais e vinculá-lo ao índice adotado na revisão da remuneração dos servidores públicos municipais, também padecem de inconstitucionalidade por incompatibilidade de seus enunciados ao art. 115, XV, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, XIII, da Constituição Federal.

Isso porque, pelo que se abstrai da leitura do dispositivo supramencionado, o ordenamento constitucional não autoriza a vinculação entre os subsídios dos agentes políticos municipais e o dos servidores públicos municipais para fins de revisão geral anual. Vejamos:

“Art. 115

(...)

XV – é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;”

Nesse sentido, aliás, observa balizada doutrina que:

“As manifestações da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre carreiras diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada categoria correspondessem a um percentual de outro e, conseqüentemente, que o aumento concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de vencimentos em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei estadual, da alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de fixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII do art. 37. O que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma vinculação positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento ou subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior. Remuneração dos agentes públicos, São Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136).

Destarte, é indevida a vinculação do índice de revisão aplicável aos servidores públicos municipais à revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais, vez que tal ato caracteriza ofensa direta ao art. 115, XV, da Carta Bandeirante.

C – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NA FIXAÇÃO DO SUBSÍDIO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO, DE SEU VICE E DO SECRETÁRIO MUNICIPAL.

Como demonstrado, à luz do art. 29, VI, da Constituição Federal, soa descabida aos parlamentares municipais a reivindicação de revisão geral anual porque domina seu regime remuneratório a regra da anterioridade da legislatura para fixação de seu subsídio, o que impõe a conclusão de sua inalterabilidade durante esse período, como decorrência do princípio da moralidade administrativa (art. 111, Constituição Paulista).

Esta regra, por sua vez, é igualmente aplicável na fixação do valor dos subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Secretário Municipal.

                  Neste sentido, estão os pronunciamentos da Suprema Corte:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. VEREADORES. SUBSÍDIO. AUMENTO, DE FORMA RETROATIVA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou entendimento no sentido de que a remuneração de Prefeito, de Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal para a legislatura subsequente, em conformidade com o art. 29, V, da Constituição Federal. 2. Caso em que inobservado o art. 29, V, da Carta Magna, pois os vereadores majoraram, de forma retroativa, sua remuneração. 3. Agravo regimental desprovido” (STF, AgR-RE 458.413-RS, 2ª Turma, Rel. Min. Teori Zavascki, 06-08-2013, v.u., DJe 22-08-2013).

“AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SUBSÍDIOS DE PREFEITO E VEREADORES. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. 1. Fixação para legislatura subsequente. Princípio da anterioridade. Precedentes. 2. O Tribunal a quo não julgou válida lei ou ato de governo local contestado em face da Constituição da República. Inadmissibilidade do recurso pela alínea c do art. 102, inc. III, da Constituição da República. Precedente” (STF, AgR-RE 484.307-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Cármen Lúcia, 23-03-2011, v.u., DJe 08-04-2011).

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREFEITO, VICE-PREFEITO E VEREADORES. REMUNERAÇÃO. MAJORAÇÃO. FIXAÇÃO. LEGISLATURA SUBSEQUENTE. ART. 29, V, DA CONSTITUIÇÃO. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I – O Tribunal de origem, ao constatar que os Atos 3 e 4/97 da Mesa da Câmara Municipal de Arapongas traduziram majoração de remuneração, agiram em conformidade com o entendimento pacífico desta Suprema Corte no sentido de que a remuneração de Prefeito, Vice-Prefeito e de Vereadores será fixada pela Câmara Municipal, para a legislatura subsequente, de acordo com o disposto no art. 29, V, da Constituição Federal. Precedentes. III – Agravo regimental improvido” (STF, AgR-AI 776.230-PR, 1ª Turma, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 09-11-2010, v.u., DJe 26-11-2010).

         Anote-se que a legislatura compõe-se por quatro sessões legislativas.  Ainda, de acordo com o art. 57 da Constituição Federal, cada sessão legislativa compreende o período de 2 de fevereiro a 17 de julho e o de 1° de agosto a 22 de dezembro.

         Como anteriormente demonstrado, para atender ao princípio da anterioridade a fixação dos subsídios dos cargos de Prefeito, Vice-Prefeito e Vereadores deverá ocorrer em cada legislatura para subsequente.          

Feitas estas considerações, a última eleição para os referidos cargos municipais ocorreu no ano de 2012. Com efeito, os subsídios para a legislatura de 2013 a 2016 deveriam ser fixados até 22 de dezembro de 2012.

No ano de 2014, todavia, foi editada a Lei n. 7.685 do Município Araçatuba, que em seus arts. 1° e 2°, com flagrante desrespeito ao princípio da anterioridade, fixou os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e do Secretário Municipal.

         Resta, contudo, caracterizada a inconstitucionalidade do diploma normativo analisado por afronta ao princípio da anterioridade (inciso IV do art. 29 da Carta Federal por força do art. 144 da CE) e, consequentemente, ao princípio da moralidade insculpido no art. 111 da Carta Paulista.

           D- DA INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO

        Não se pode olvidar que, acaso acolhido o pedido da presente ação direta de inconstitucionalidade, será automaticamente restaurado o dispositivo de lei anterior que padece do mesmo vício de constitucionalidade no que concerne ao desrespeito ao princípio da anterioridade.

        Torna-se, portanto, necessário que se reconheça sua inconstitucionalidade por arrastamento ou atração, sob pena de se instaurar situação mais gravosa que aquela que se busca combater.

        A respeito da inconstitucionalidade por arrastamento, tem-se que:

"(...) se em determinado processo de controle concentrado de constitucionalidade for julgada inconstitucional a norma principal, em futuro processo, outra norma dependente daquela que foi declarada inconstitucional em processo anterior - tendo em vista a relação de instrumentalidade que entre elas existe - também estará eivada pelo vício da inconstitucionalidade 'conseqüente', ou por 'arrastamento' ou por 'atração'" (Pedro Lenza, "Direito Constitucional Esquematizado", Saraiva, 13ª Edição, p. 208).

        Segundo precedentes do Pretório Excelso, é perfeitamente possível a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento (ADI 1.144-RS, Rel. Min. Eros Grau, DJU 08-09-2006, p. 16; ADI 3.645-PR, Rel. Min. Ellen Gracie, DJU 01-09-2006, p. 16; ADI-QO 2.982-CE, Rel. Min. Gilmar Mendes, LexSTF, 26/105; ADI 2.895-AL, Rel. Min. Carlos Velloso, RTJ 194/533; ADI 2.578-MG, Rel. Min. Celso de Mello, DJU 09-06-2005, p. 4).

        A declaração de inconstitucionalidade por arrastamento é possível sempre que: a) o reconhecimento da inconstitucionalidade de determinado dispositivo legal torna despidos de eficácia e utilidade outros preceitos do mesmo diploma, ainda que não tenham sido impugnados; b) nos casos em que o efeito repristinatório restabelece dispositivos já revogados pela lei viciada que ostentem o mesmo vicio; c) quando há na lei dispositivos que não foram impugnados, mas guardam direta relação com aqueles cuja inconstitucionalidade é reconhecida.

        Restabelecidos os efeitos da lei revogada, dá-se o que se chama de efeito indesejado, já havendo assentado o Supremo Tribunal Federal que:

 "A reentrada em vigor da norma revogada nem sempre é vantajosa. O efeito repristinatório produzido pela decisão do Supremo, em via de ação direta, pode dar origem ao problema da legitimidade da norma revivida. De fato, a norma reentrante pode padecer de inconstitucionalidade ainda mais grave que a do ato nulificado. Previne-se o problema com o estudo apurado das eventuais conseqüências que a decisão judicial haverá de produzir. O estudo deve ser levado a termo por ocasião da propositura, pelos legitimados ativos, de ação direta de inconstitucionalidade. Detectada a manifestação de eventual eficácia repristinatória indesejada, cumpre requerer igualmente, já na inicial da ação direta, a declaração da inconstitucionalidade, e, desde que possível, a do ato normativo ressuscitado" (STF, ADI-MC 2.621-DF, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2002).

        Posto isso, requer-se a declaração de inconstitucionalidade por arrastamento o art. 1° da Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013, do Município de Araçatuba.

III – Pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora, visível na quaestio iuris pelo efeito nocivo do comprometimento do erário. A atual tessitura dos atos normativos impugnados apontados como violadores de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação.

         À luz deste perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação, do art. 2° da Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, do art. 2° da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, do art. 1° e da expressão Secretário Municipal constante no art. 2° da Lei n. 7.685, de 18 dezembro de 2014, (e, por arrastamento, o art. 1° da Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013), do Município de Araçatuba.

IV – Pedido

         Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 2° da Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, do art. 2° da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, do art. 1° e da expressão Secretário Municipal constante no art. 2° da Lei n. 7.685, de 18 dezembro de 2014, (e, por arrastamento, o art. 1° da Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013), do Município de Araçatuba.

Requer-se que sejam requisitadas informações à Câmara Municipal de Araçatuba, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre o ato normativo impugnado, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

Termos em que, pede deferimento.

São Paulo, 08 de junho de 2015.

 

 

     Márcio Fenando Elias Rosa

     Procurador-Geral de Justiça

 

ef/acssp

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Protocolado nº 17.956/15

Interessado: Dr. José Augusto Mustafá (Promotor de Justiça de Araçatuba)      

Assunto: inconstitucionalidade do art. 2° da Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, do art. 2° da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, do art. 1° e da expressão Secretário Municipal constante no art. 2° da Lei n. 7.685, de 18 dezembro de 2014, (e, por arrastamento, o art. 1° da Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013), do Município de Araçatuba.

 

 

1.                     Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 2° da Lei n. 7.684, de 18 de dezembro de 2014, do art. 2° da Lei n. 7.607, de 30 de dezembro de 2013, do art. 1° e da expressão Secretário Municipal constante no art. 2° da Lei n. 7.685, de 18 dezembro de 2014, (e, por arrastamento, o art. 1° da Lei n. 7.611, de 30 de dezembro de 2013), do Município de Araçatuba, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.                     Oficie-se à Promotoria de Justiça de Araçatuba, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

 

São Paulo, 8 de junho de 2015.

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

ef/acssp