Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo

 

 

 

 

Protocolado nº 17.320/2015

 

Ementa:

1.      Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra, que “Autoriza a Lei complementar nº 141/2007, de 22 de junho de 2007”, estabelecendo regime de aposentadoria diferenciado para os Guardas Civis Municipais.

2.      Usurpação da competência legislativa privativa da União com violação do princípio federativo (art. 1º da Constituição Estadual). Compete a União legislar sobre a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores públicos que exerçam atividades de risco (art. 40, § 4º c.c. o art. art. 24, XII da Constituição Federal). Violação do princípio federativo (art. 1º e art. 144 da Constituição Paulista) decorrente da repartição constitucional de competências.

3.      Guardas Civis Municipais são servidores públicos efetivos sujeitos ao regime próprio de previdência social. Vedação de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria. Violação do art. 126 da Constituição Estadual.

 

 

O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no exercício da atribuição prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em conformidade com o disposto no art.125, § 2º, e art. 129, IV, da Constituição Federal, e ainda art. 74, VI, e art. 90, III, da Constituição do Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça, promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE em face Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra,  pelos fundamentos a seguir expostos:

1. Do Ato Normativo Impugnado

O protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade foi instaurado a partir de representação do Procurador Geral do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo (fls. 02/06).

A Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra, que “Autoriza a Lei complementar nº 141/2007, de 22 de junho de 2007”, tem a seguinte redação:

“Art. 1º Fica acrescido o artigo 97-A à Lei Complementar nº 141 de 22 de junho de 2007, com a seguinte redação:

"Art. 97-A. Os integrantes da Guarda Civil Municipal serão aposentados, de forma voluntária, nos termos do artigo 40 § 4º incisos II e III da Constituição da República, desde que comprovem:

 I - 25 (vinte e cinco) anos de contribuição, contando com pelo menos 15 (quinze) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil Municipal, para mulher;

 II - 30 (trinta) anos de contribuição, contando com pelo menos 20 (vinte) anos de efetivo exercício em cargo da Carreira de Guarda Civil Municipal, para homem."

 Art. 2º As despesas decorrentes da execução da presente Lei Complementar correrão à custas de dotações próprias do orçamento vigente, suplementadas, se necessário.

 Art. 3º Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação.”

O ato normativo transcrito padece de incompatibilidade vertical com a Constituição do Estado de São Paulo, como adiante será demonstrado.

2. Do parâmetro de fiscalização abstrata de constitucionalidade

A Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18, 29 e 31, da Constituição Federal.

Os preceitos da Constituição do Estado são aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144, que assim estabelece:

“Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição”.

O art. 144 da Constituição Estadual, que determina a observância na esfera municipal, além das regras da Constituição Estadual, dos princípios da Constituição Federal, é denominado “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições constantes da Constituição Federal”, como averbou o Supremo Tribunal Federal ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade de lei municipal por esse ângulo”  (STF, Rcl 10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl 10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).

Daí decorre a possibilidade de contraste da lei local com o art. 144 da Constituição Estadual, por sua remissão à Constituição Federal e a seu art. 40, se a tanto não bastasse como parâmetro, nesta ação, o art. 126 da Constituição Estadual.

A autonomia municipal é condicionada pelo art. 29 da Constituição da República. O preceito estabelece que a Lei Orgânica Municipal e sua legislação devem observância ao disposto na Constituição Federal e na respectiva Constituição Estadual, sendo reproduzido pelo art. 144 da Constituição do Estado.

Eventual ressalva à aplicabilidade das Constituições Federal e Estadual só teria, ad argumentandum tantum, espaço naquilo que a própria Constituição da República reservou como privativo do Município, não podendo alcançar matéria não inserida nessa reserva nem em assunto sujeito aos parâmetros limitadores da auto-organização municipal ou aqueles que contém remissão expressa ao direito estadual.

Os dispositivos legais mencionados são incompatíveis com os seguintes preceitos da Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:

“Artigo 1º - O Estado de São Paulo, integrante da República Federativa do Brasil, exerce as competências que não lhe são vedadas pela Constituição Federal.

(...)

Artigo 126 - Aos servidores titulares de cargos efetivos do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados:
(...)

3 - voluntariamente, desde que cumprido tempo mínimo de dez anos de efetivo exercício no serviço público e cinco anos no cargo efetivo em que se dará a aposentadoria, observadas as seguintes condições:
a) sessenta anos de idade e trinta e cinco de contribuição, se homem, e cinqüenta e cinco anos de idade e trinta de contribuição, se mulher;
b) sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de contribuição

(...)

3.  DA FUNDAMENTAÇÃO

 a. Violação ao Princípio Federativo

O esquema de repartição de competências entre os entes federados – expressão do princípio federativo – conferiu à União e aos Estados, sem espaço para os Municípios, a competência concorrente para legislar sobre previdência social (art. 24, XII da Constituição Federal).

De outro lado, a Constituição Federal instituiu um regime próprio de previdência dos entes federativos, vedando a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime (art. 40, § 4º e 12 da Constituição Federal e art. 126 § 4º e 12, da Constituição Estadual).

Ressalvou, no entanto, a possibilidade da lei complementar adotar requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos servidores: portadores de deficiência; que exerçam atividades de risco; e que cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

Ainda que se admita que os guardas civis exerçam atividade de risco, o Município ao reconhecer por lei tal circunstâncias e estabelecer regime de aposentadoria e benefícios previdenciários diferenciados, violou o princípio federativo, haja vista se tratar de matéria cuja disciplina está subordinada a lei complementar de competência da União.

Nem se alegue a existência de competência complementar municipal, fundada na autonomia para legislar sobre assunto de interesse local. A questão, como exposta, demonstra a inocorrência dos motivos que justificariam a competência legislativa municipal, haja vista que a disciplina de regras diferenciadas para aposentadoria para servidores que exerçam atividade de risco tem relevância além dos limites do Município, pois representa interesse nacional, não podendo se subordinar a uma prevalência local. Além disto, a multiplicidade de normas e critérios tornaria impossível a compensação entre os regimes.

E a matéria em questão, por sua abrangência, nem mesmo poderia ser disciplinada pelo Estado, como reconheceu o Supremo Tribunal Federal no julgamento do Recurso Extraordinário nº 797.905, interposto em face de decisão do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe, proferida em sede de mandado de injunção, ao proclamar que: A omissão referente à edição da Lei Complementar a que se refere o art. 40, §4º, da CF/88, deve ser imputada ao Presidente da República e ao Congresso Nacional.

No julgamento, observou o Ministro Relator Gilmar Mendes que:

Sobre o tema, esta Corte assentou que, apesar de a competência legislativa ser concorrente, a matéria deve ser regulamentada uniformemente, em norma de caráter nacional, de iniciativa do Presidente da República.

A propósito, cito os seguintes precedentes: MI-ED 4.366, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, DJe 12.2.2014; MI-AgR 1.328, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Pleno, DJe 2.12.2013; RE-AgR 745.628, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe 4.11.2013; MI-AgR 1.545, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 08.06.2012; MI-AgR 1.832, Rel. Min. Cármen Lúcia, Pleno, DJe de 18.05.2011; e MI 1.898-AgR/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, Pleno, DJe 1.6.2012, cuja ementa colaciono a seguir:

‘CONSTITUCIONAL. MANDADO DE INJUNÇÃO. APOSENTADORIA ESPECIAL. SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. DECISÃO QUE CONCEDE A ORDEM PARA DETERMINAR QUE A AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE ANALISE A SITUAÇÃO FÁTICA DO IMPETRANTE À LUZ DO ART. 57 DA LEI 8.213/1991. AGRAVO REGIMENTAL DA UNIÃO. ALEGAÇÃO DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA E DE INCOMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE PREVIDÊNCIA DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS E MUNICIPAIS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. A Corte firmou entendimento no sentido de que a competência concorrente para legislar sobre previdência dos servidores públicos não afasta a necessidade da edição de norma regulamentadora de caráter nacional, cuja competência é da União. Por esse motivo, a Corte assentou a legitimidade do Presidente da República para figurar no polo passivo de mandado de injunção sobre esse tema. Precedentes. Agravo regimental desprovido’.

Assim, ao disciplinar matéria de competência da União, o legislador municipal extrapolou sua competência limitada a disciplinar matéria de interesse predominantemente local.

Ainda que assim não fosse, o assunto, em termos acadêmicos, foi bem examinado por Fernanda Menezes Dias de Almeida assentando que a colisão de competências resolve-se pela prevalência das “determinações emanadas do titular da competência legislativa privativa” (Competências na Constituição de 1988, São Paulo: Atlas, 2ª ed., p. 159).

A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de competências legislativas, administrativas e tributárias. Trata-se de um dos pontos caracterizadores e asseguradores da existência e de harmonia do Estado Federal.

A base do conceito do Estado Federal reside exatamente na repartição de poderes autônomos, que, na concepção tridimensional do Estado Federal Brasileiro, se dá entre a União, os Estado e os Municípios. É através desta distribuição de competências que a Constituição Federal garante o princípio federativo. O respeito à autonomia dos entes federativos é imprescindível para a manutenção do Estado Federal.

O princípio federativo está assentado nos arts. 1º e 18 da Constituição da República, bem como no art. 1º da Constituição Paulista.

Referindo-se aos princípios fundamentais da Constituição, que revelam as opções políticas essenciais do Estado, José Afonso da Silva aponta que entre eles podem ser inseridos, entre outros, “os princípios relativos à existência, forma, estrutura e tipo de Estado: República Federativa do Brasil, soberania, Estado Democrático de Direito (art. 1º)” (Curso de direito constitucional positivo, 13. ed., São Paulo, Malheiros, 1997, p. 96, g.n.).

Um dos aspectos de maior relevo, que representa a dimensão e alcance do princípio do pacto federativo adotado pelo Constituinte em 1988, é justamente o que se assenta nos critérios adotados pela Constituição Federal para a repartição de competências entre os entes federativos, bem como a fixação da autonomia e dos respectivos limites, dos Estados, Distrito Federal e Municípios, em relação à União.

Por essa linha de raciocínio, pode-se afirmar que a Lei Municipal que trate de matéria cuja competência é do legislador federal ou estadual está, ao desrespeitar a repartição constitucional de competências, a violar o princípio federativo.

A prescrição de que os Municípios devem observar os princípios constitucionais estabelecidos não se encontra apenas no art. 144 da Constituição Paulista. O art. 29, caput, da Constituição Federal, prevê que os Municípios, ao editarem suas leis orgânicas deverão respeitar os “princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado”.

Dessa forma, no conflito normativo aqui analisado, conclui-se que os atos normativos impugnados, invadiram espaço reservado à competência normativa federal, violando a repartição constitucional de competências, que é a manifestação mais contundente do princípio federativo, operando, por consequência, desrespeito a princípio constitucional estabelecido.

Essa é a razão pela qual restou configurada, no caso, a ofensa ao disposto no art. 1º e no art. 144, ambos da Constituição do Estado de São Paulo.

b. Da violação às regras do regime próprio de previdência

O art. 40 da Constituição Federal, com a redação dada pelas Emendas Constitucionais nº 20/98, 41/2003 e 47/2005, seguido pela Constituição Estadual (art. 126), instituiu um regime próprio de previdência social a ser observado pelos entes federados.

Assegurou assim aos servidores titulares de cargos efetivos da União, Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, regime de previdência de caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente público, dos servidores ativos e inativos e dos pensionistas, observados os critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

As aposentadorias por invalidez permanente, compulsória e voluntária foram disciplinadas de forma clara pelo § 1º do art. 40 da Constituição Federal, reproduzido no § 1º do art. 126 da Constituição Estadual.

Os Guardas Civis Municipais por serem servidores públicos efetivos sem qualquer regime especial previsto ou admitido pela Constituição Federal, como ocorre com os militares e policiais militares, estão submetidos às regras daquele regime geral de previdência dos servidores públicos, sendo vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria.

Assim, a instituição de regime de aposentadoria diferenciado com diminuição no tempo de contribuição, previsto no ato normativo impugnado, viola o art. 40 da Constituição Federal reproduzido no art. 126 da Constituição Estadual.

4. DOS PEDIDOS

a.    Do pedido liminar

À saciedade demonstrado o fumus boni iuris, pela ponderabilidade do direito alegado, soma-se a ele o periculum in mora. A atual tessitura da norma impugnada, apontada como violadora de princípios e regras da Constituição do Estado de São Paulo é sinal, de per si, para suspensão de sua eficácia até final julgamento desta ação porque permite dispêndio de recursos públicos de maneira ilegítima, periclitando as forças do erário com a potencialidade real e concreta de danos irreversíveis ou de difícil reparação.

À luz deste perfil, requer-se a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e definitivo julgamento desta ação da Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra.

b.    Do pedido principal

Face ao exposto, requer o recebimento e processamento da presente ação que deverá ser julgada procedente para declaração da inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra.

Requer-se, ainda, sejam requisitadas informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Taboão da Serra, bem como posteriormente citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação final.

 

                   Termos em que, pede deferimento.

 São Paulo, 08 de junho de 2015.

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

 

aca

 


Protocolado nº 17.320/2015

Assunto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 309, de 18 de setembro de 2013, do Município de Taboão da Serra.

 

 

 

1.     Distribua-se digitalmente a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade junto ao egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

2.     Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.

                  

São Paulo, 03 de julho de 2015.

 

 

 

 

Márcio Fernando Elias Rosa

Procurador-Geral de Justiça

 

aca