EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO
E. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Protocolado nº 57.908/2015
Ementa:
1)
Ação direta de inconstitucionalidade. Lei
nº 5.662, de 11 de setembro de 2014, do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar,
que “Autoriza o Poder Executivo a criar o
Programa de Atendimento Geriátrico no Município de Sumaré e dá outras
providências”.
2)
A instituição de programas e serviços
administrativos, por órgãos do Poder Executivo, é matéria reservada da
Administração e da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder
Executivo, sendo inconstitucional lei de iniciativa parlamentar, maculada,
ainda, pela ausência de fonte para cobertura de novos gastos públicos (art. 25
da Constituição Estadual).
3)
Violação do princípio da separação de
poderes (art. 5º, 24, § 2º, 2, 47, II, XIV, XIX e 144 da Constituição do
Estado).
O
Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição prevista no
art. 116, inciso VI, da lei Complementar
Estadual nº 734, de
26 de novembro de 1993, e em conformidade com o disposto no art.
125, § 2°, e no art. 129, inciso IV, da Constituição da República, e ainda no
art. 74, inciso VI, e no art. 90, inciso III, da Constituição do Estado de São
Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso protocolado (PGJ n°
57.908/2015), que segue como
anexo, vem perante esse Egrégio Tribunal de Justiça promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE da
Lei
nº 5.662, de 11 de setembro de 2014, do Município de Sumaré,
pelos seguintes fundamentos:
1. ATO NORMATIVO IMPUGNADO
O
protocolado que instrui esta inicial de ação direta de inconstitucionalidade
foi instaurado a partir de representação do DD. Procurador do Município de Sumaré (fls. 02).
A lei n° 5.662, de 11 de setembro de 2014,
do Município de Sumaré, de iniciativa parlamentar, que “Autoriza o Poder Executivo a criar o Programa de Atendimento Geriátrico
no Município de Sumaré e dá outras providências” possui a seguinte
redação:
“Art. 1º - Fica o Poder Executivo
autorizado a criar o Programa de Atendimento Geriátrico no Ambulatório de
Especialidades.
Parágrafo Único – O atendimento a que se
refere o caput deste artigo, será
destinado à prestação de serviços de assistência médica ambulatorial na área
geriátrica, visando a promoção da saúde, a tratamento e reabilitação da
população idosa.
Art. 2º - O Poder Executivo, através da
Secretaria da Saúde, poderá firmar convênio com empresas privadas e entidades
da sociedade civil para dar cumprimento ao disposto nesta Lei.
Art. 3º - As despesas decorrentes desta
lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, comprovadas no
orçamento vigente.
Art. 4º - O Poder Executivo regulamentará
esta lei no prazo de 60 (sessenta) dias.
Art. 5º - Esta lei entrará em vigor na
data de sua publicação.”
A lei é verticalmente incompatível com nosso ordenamento constitucional,
como será demonstrado a seguir.
2. FUNDAMENTAÇÃO
O
ato normativo ora impugnado viola o princípio da separação de poderes, previsto
no art. 5°, e art. 47, 11e XIV, da Constituição do Estado, aplicáveis aos
Municípios por força do art. 144 da Carta Paulista.
A
autorização para a criação de “Programa de Atendimento Geriátrico no
Ambulatório de Especialidades” consiste em matéria exclusivamente relacionada à
Administração Pública, a cargo do Chefe do Executivo.
Com
efeito, cabe exclusivamente ao Poder Executivo a criação ou instituição de
programas, campanhas e serviços administrativos, nas diversas áreas de gestão,
envolvendo os órgãos da Administração Pública Municipal e a própria população.
Assim,
quando o Poder legislativo do Município edita lei criando ou "autorizando o Poder Executivo a criar” novo programa de governo como
ocorre, no caso em exame, essa atuação do legislador invade, indevidamente,
esfera que é própria da atividade do Administrador Público e viola o princípio
da separação de poderes.
A
criação de programas municipais, campanhas e serviços administrativos são
atividades nitidamente administrativa, representativas de atos de gestão, de
escolha política para a satisfação das necessidades essenciais coletivas,
vinculadas aos Direitos Fundamentais. Assim, privativa do Poder Executivo e
inserida na esfera do poder discricionário da administração.
Não
se trata, evidentemente, de atividade sujeita a disciplina legislativa. Assim,
o Poder Legislativo não pode, através de lei, ocupar-se da administração, sob
pena de se permitir que o legislador administre invadindo área privativa do
Poder Executivo.
Quando
o Poder Legislativo do Município edita lei disciplinando atuação administrativa,
como ocorre, no caso em exame, em função da criação do “Programa de Atendimento Geriátrico no Ambulatório de Especialidades”,
invade, indevidamente, esfera que é própria da atividade do Administrador
Público, violando o princípio da separação de poderes.
Cabe
essencialmente à Administração Pública, e não ao legislador, deliberar a
respeito da conveniência e da oportunidade da criação de programas, campanhas e
serviços administrativos, em benefício dos munícipes. Trata-se de atuação
administrativa que decorre de escolha política de gestão, na qual é vedada
intromissão de qualquer outro poder.
A
inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de
poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (arts.
5°, 47, II e XIV e 144).
É
pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência,
que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo,
de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos
revestidos de generalidade e abstração.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que "a
Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. (...) O legislativo edita
normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é
que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2°) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara,
realizada com usurpação de funções é nula e inoperante". Sintetiza,
ademais, que "todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara
- como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da
Prefeitura ou do Prefeito - é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de
funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2° c/c o art. 31), podendo
ser invalidado pelo Poder Judiciário" (Direito municipal brasileiro,
15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São
Paulo, Molheiras, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
A matéria tratada na lei encontra-se na
órbita da chamada reserva da Administração, que reúne as
competências próprias de administração
e gestão, imunes a interferência de outro poder (art. 47, II e
IX da Constituição Estadual - aplicável na órbita municipal por obra de seu
art. 144), pois privativas do Chefe do Poder Executivo.
Ainda
que se imagine que houvesse necessidade de disciplinar por lei referido
programa, a iniciativa seria privativa do Chefe do Poder Executivo, mesmo
quando ele não pudesse discipliná-lo por decreto, nos termos do art. 47, XIX, da
Constituição Estadual.
Assim,
a lei, ao criar programa municipal, de um lado viola o art. 47, II e XIV, no
estabelecimento de regras que respeitam à direção da administração e à
organização e ao funcionamento do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada
da reserva da Administração, e de outro, ofende o art. 24, § 2°, 2, na medida
em que impõe atribuição ao Poder Executivo.
A
inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses
preceitos da Constituição Estadual.
Ainda
que o ato normativo tivesse sido da iniciativa do Chefe do Executivo seria inconstitucional.
A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização
legislativa para fazer aquilo que está na esfera de sua competência
constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura
hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5°, § 1º, da Constituição
Paulista.
Nem
se chegaria à conclusão diversa a partir da afirmação de que a lei ora questionada é
simples lei autorizativa, da qual não resta nenhuma
imposição para o administrador público.
Não é necessário que a lei autorize ou determine ao Poder
Executivo fazer aquilo que, naturalmente, encontra-se dentro de sua esfera de
decisão e ação.
Em outras palavras, se a lei, fora das
hipóteses constitucionalmente previstas, dispõe sobre atividade tipicamente
inserida na esfera da Administração Pública, isso significa invasão da esfera
de competências do Poder Executivo por ato do legislativo, configurando-se
claramente a violação do princípio da separação de poderes.
A utilização recorrente das chamadas leis
autorizativas tem objetivos de cunho nitidamente políticos, transmitindo
aos cidadãos uma falsa ideia de direito subjetivo e de negligência do Poder
Executivo.
A propósito do tema manifestou-se o Supremo Tribunal Federal ao
julgar representação
(n° 993-9) por
inconstitucionalidade de uma lei estadual (lei n° 174, de 8/12/77, do Estado do
Rio de Janeiro) que autorizava o Chefe do Poder Executivo a praticar ato que já era de sua competência constitucional privativa, decidindo que:
"O só fato de ser autorizativa a lei
não modifica o juízo de sua
invalidade por falta de legítima iniciativa."
(Diário da Justiça de 8/10/82, p. 10187, Ementário n° 1.270.1,RTJ 104/46)
A
jurisprudência deste E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem corroborado o entendimento aqui
sustentado. Confiram-se, a título de exemplificação, as
seguintes ementas de recentes julgamentos deste C. Órgão Especial:
"EMENTA:
Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 4.934, de 28 de dezembro
de 2009, do Município de Americana. Norma que "autoriza o Poder Executivo
a celebrar convênio com o Governo do Estado de São Paulo para aceitar créditos
do Tesouro do Estado oriundos do Programa de Estimulo à Cidadania Fiscal do
Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários e não
tributários, e dá outras providências'''. Projeto de lei de autoria de
Vereador. Ocorrência de vício de iniciativa. Competência privativa do chefe do
Executivo para a iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da
Administração, inclusive os que importem indevido aumento de despesa pública
sem a indicação dos recursos disponíveis. Inconstitucionalidade por violação ao
princípio da separação, independência e
harmonia entre Poderes. Procedência da ação. É inconstitucional lei, de iniciativa
parlamentar, que "autoriza o Poder Executivo a celebrar convênio com o Governo do Estado
de São Paulo para aceitar créditos do Tesouro do Estado oriundos do Programa de
Estimulo à Cidadania Fiscal do Estado de São Paulo, para pagamento de créditos municipais tributários
e não tributários", por tratar de matéria tipicamente administrativa, cuja
competência exclusiva é do chefe do Poder Executivo, responsável para a
iniciativa de lei sobre organização e funcionamento da Administração,
configurando violação ao princípio da separação de poderes por invasão da
esfera da gestão administrativa." (Adin 0179988. 64.201 2.8.26.0000, ReI.
Des. Kioitsi Chicuta, j. 12.12.2012)
"AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei do Município de
Americana n° 4.972/2010, a qual cria o Programa de Internet Banda Larga
Gratuita no Município Inadmissibilidade. Tema relativo a atos de gestão.
Ingerência do Legislativo em matéria de competência privativa do Executivo.
Vedação Arts. 37, X, e 169, § 1°, 1 e 11 da CF/88 e arts. 5°, § 2°, 47, II,
XIV, 25 e 144, todos da Constituição Paulista. Ação julgada procedente. Deve
ser julgada procedente ação direta
de inconstitucionalidade de lei
municipal que abriga matéria de
competência privativa do Executivo, pelo vício de iniciativa
e por afrontar o princípio da
separação e harmonia entre os Poderes." (Adin nº
0180003-33.2012.8.26.0000, ReI. Des. Luis Ganzerla, j. 05.12.2012)
De outro lado, e não menos importante, vale ressaltar que a lei local
contestada colide frontalmente com o art. 25 e 176, I, da Constituição do
Estado de São Paulo.
A
norma combatida ao estabelecer
providência administrativa de incumbência
do Poder Executivo não indicou especificamente os recursos orçamentários necessários
para a cobertura dos gastos advindos que, no caso, são evidentes porquanto
ordenam atividades novas na Administração Pública, cuja instalação e
desenvolvimento demandam meios financeiros que não foram previstos, não
servindo a tanto a genérica menção a rubricas orçamentárias próprias.
3-
DO PEDIDO LIMINAR
Estão
presentes, na hipótese examinada, os pressupostos do fumus boni iuris e
do periculum in mora, a justificar a suspensão liminar da vigência e
eficácia do ato normativo impugnado.
A
razoável fundamentação jurídica decorre dos motivos expostos anteriormente, que
indicam, de forma clara, que a Lei impugnada na presente ação padece
integralmente de inconstitucionalidade.
O
perigo da demora decorre especialmente da ideia de que sem a imediata suspensão
da vigência e eficácia do ato normativo questionado, subsistirá a sua
aplicação, com realização de despesas e imposição de obrigações à
Municipalidade, que dificilmente poderão ser revertidas aos cofres públicos, na hipótese
provável de procedência da ação
direta.
É
nítida a ocorrência do risco do fato consumado, e da dificílima - para não
dizer improvável - reparação dos danos que serão causados ao erário.
A ideia do fato consumado, com
repercussão concreta, guarda relevância para a apreciação da necessidade da
concessão da liminar na ação direta de inconstitucionalidade. Note-se que, com
a procedência da ação, pelas razões
declinadas, não será possível restabelecer o status quo ante.
Assim,
a imediata suspensão da eficácia do ato normativo questionado, cuja
inconstitucionalidade é palpável, evitará a
ocorrência de prejuízos.
De
resto, ainda que não houvesse essa singular situação de risco, restaria, ao
menos, a excepcional conveniência da medida. Com efeito, no contexto das ações
diretas e da outorga de provimentos cautelares para defesa do Constituição, o
juízo de conveniência é um critério relevante,
que vem condicionando os pronunciamentos mais recentes do Supremo Tribunal
Federal, preordenados à suspensão liminar de leis
aparentemente inconstitucionais (cf. ADIN-MC 125,
i. 15.2.90, DJU de 4.5.90, p. 3.693, rei. Min. Celso de Mello; ADIN-MC 568, RTJ
138/64; ADIN-MC 493, RTJ142/52; ADIN-MC 540, DJU de 25.9.92, p. 16. 182).
Diante
do exposto, requer-se a concessão da liminar, para fins de suspensão imediata
da eficácia dos dispositivos da Lei n. 5.662, de 11 de setembro de 2014, do
Município de Sumaré.
4.
PEDIDO
Diante de todo o exposto, aguarda-se o
recebimento e processamento do presente ação declaratório, para que ao final seja
ela julgado procedente, reconhecendo-se o inconstitucionalidade da Lei n°
5.662, de 11 de setembro de 2014, do Município de Sumaré.
Requer-se ainda que sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal
e ao Senhor Prefeito Municipal de Sumaré, bem como citado o Procurador-Geral do
Estado para manifestar-se sobre o ato normativo impugnado.
Posteriormente,
aguarda-se vista para fins de manifestação final.
Termos
em que,
Aguarda-se deferimento.
São Paulo, 02 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb
Protocolado nº
57.908/2015
1 - Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade, em face Lei n° 5.662, de 11 de setembro de 2014, do Município de Sumaré.
2 - Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 02 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
iccb