Excelentíssimo
Senhor Doutor Desembargador Presidente do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado
de São Paulo
Protocolado nº 064.122/2015
Ementa:
1.
Ação
direta de inconstitucionalidade. Art. 2º, da Lei nº 4.373, de 09 de abril de
2012, do Município de Rio Claro.
2.
A
revisão geral anual da remuneração dos agentes políticos municipais é direito
exclusivo dos servidores públicos titulares de cargos de provimento efetivo.
3.
Inadmissibilidade
da vinculação dessa revisão àquela promovida em favor dos servidores públicos
municipais, pela adoção de identidade de datas e índices.
4. Arts. 111, 115, XI e XV, e 144, CE; arts. 29, V, e 37, X e XIII, CF.
O Procurador-Geral
de Justiça do Estado de São Paulo, no exercício da atribuição
prevista no art. 116, VI, da Lei Complementar Estadual n. 734, de 26 de
novembro de 1993 (Lei Orgânica do Ministério Público de São Paulo), em
conformidade com o disposto no art. 125, § 2º, e no art. 129, IV, da
Constituição Federal, e, ainda, nos arts. 74, VI, e 90, III, da Constituição do
Estado de São Paulo, com amparo nas informações colhidas no incluso
protocolado, vem, respeitosamente, perante esse Egrégio Tribunal de Justiça,
promover a presente AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, em face do art. 2º, da Lei nº 4.373,
de 09 de abril de 2012, do Município de Rio Claro, pelos fundamentos a seguir
expostos:
1.
DO Ato Normativo Impugnado
O art. 2º,
da Lei nº 4.373, de 09 de abril de 2012, do Município de Rio Claro, dispõe o
seguinte:
“Artigo 2º - Os valores acima [referentes aos subsídios mensais do Prefeito-Municipal, Vice-Prefeito Municipal e Secretários Municipais] serão revistos anualmente, sempre nos meses de janeiro de cada ano, de acordo com o índice inflacionário previsto pelo IPCA do IBGE- Índice de Preço ao Consumidor Amplo, em conformidade com o disposto no artigo 37, inciso X, da Constituição Federal, com a alteração introduzida pela Emenda Constitucional n° 19, de 04 de junho de 1998.”
A inconstitucionalidade dos dispositivo acima transcrito reside na previsão de que os subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais serão anualmente revistos- na mesma data e com identidade de índices em relação à revisão geral anual promovida em favor dos servidores públicos efetivos.
Vejamos as razões pelas quais a inconstitucionalidade se evidencia no caso em exame.
2.
dO parâmetro da fiscalização abstrata de
constitucionalidade
O art. 2º, da Lei nº 4.373, de 09 de abril de 2012, do Município de Rio
Claro, contraria frontalmente a Constituição do Estado de São Paulo, à qual
está subordinada a produção normativa municipal ante a previsão dos arts. 1º, 18,
29 e 31, da Constituição Federal.
O
dispositivo legal mencionado é incompatível com os seguintes preceitos da
Constituição Estadual, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144:
“Art. 111. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação, interesse público e eficiência.
(...)
Art. 115. Para a organização da administração pública direta
e indireta, inclusive as fundações instituídas ou mantidas por qualquer dos
Poderes do Estado, é obrigatório o cumprimento das seguintes normas:
(...)
XI – a revisão geral anual da remuneração dos
servidores públicos, sem distinção de índices entre servidores públicos civis e
militares, far-se-á sempre na mesma data e por lei específica, observada a
iniciativa privativa em cada caso;
(...)
XV – é vedada a vinculação ou equiparação de
quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do
serviço público, observado o disposto na Constituição Federal;
(...)
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia política,
legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica,
atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta
Constituição”.
Note-se que o disposto nos arts. 111, 115, XI e XV, da Constituição Estadual, reproduz os arts. 37, caput, e incisos X e XIII, e 39, § 4º, da Constituição Federal.
De outra parte, o art. 144 da
Constituição Estadual- que determina a observância pelos Municípios, não só dos
princípios presentes no bojo da Carta Paulista, mas também dos princípios
constantes na Constituição Federal- consiste em “norma estadual de caráter remissivo, na medida em que, para a
disciplina dos limites da autonomia municipal, remete para as disposições
constantes da Constituição Federal”, conforme averbou o E. Supremo Tribunal
Federal, ao credenciar o controle concentrado de constitucionalidade, perante
Tribunal de Justiça local, de lei municipal por esse ângulo (STF, Rcl
10.406-GO, Rel. Min. Gilmar Mendes, 31-08-2010, DJe 06-09-2010; STF, Rcl
10.500-SP, Rel. Min. Celso de Mello, 18-10-2010, DJe 26-10-2010).
3.
DA VEDAÇÃO À VINCULAÇÃO DO REAJUSTE DOS
SUBSÍDIOS PERCEBIDOS POR AGENTES POLÍTICOS À REVISÃO GERAL ANUAL ASSEGURADA AOS
SERVIDORES PÚBLICOS EFETIVOS
Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais são agentes políticos do Município. Não são servidores públicos comuns, porquanto não têm o status de agentes profissionais, sendo temporariamente investidos em cargos de natureza política, por força de eleição.
Por este motivo, o dispositivo legal mencionado, que instituiu e implantou o direito à revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos municipais, vinculando-a a datas e índices adotados na revisão da remuneração dos servidores públicos municipais, padecem de inconstitucionalidade.
Violou-se o art. 115, XV, da Constituição Estadual, que reproduz o art. 37, XIII, da Constituição Federal.
Não autoriza o ordenamento constitucional a vinculação entre os subsídios dos agentes políticos municipais e o dos servidores públicos municipais para fins de revisão geral anual.
Ademais, conforme observa autorizada doutrina, verbis:
“as manifestações da jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal sempre indicaram a impossibilidade de vinculação entre carreiras
diversas, interditando que os estipêndios de uma determinada categoria
correspondessem a um percentual de outro e, conseqüentemente, que o aumento
concedido a uma fosse estendido à outra, impedindo ‘majorações de vencimentos
em cadeia’. Assim, por exemplo, a vinculação, prevista em lei estadual, da alteração dos subsídios do
Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de
fixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofende o inciso XIII
do art. 37. O que não se coaduna com a noção proibitiva do art. 37, XIII, é uma
vinculação positiva, diferentemente da inserção de um limite, tornando o vencimento
ou subsídio de uma carreira dependente de outra” (Wallace Paiva Martins Junior.
Remuneração dos agentes públicos, São
Paulo: Saraiva, 2009, pp. 133-136).
Nesse sentido, fértil é a jurisprudência ao censurar a vinculação do reajuste ou revisão dos subsídios de agentes políticos municipais a dos servidores públicos municipais:
“(...)
CONSTITUCIONAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 4º DA LEI Nº 11.894, DE 14 DE FEVEREIRO DE 2003. - A Lei Maior impôs tratamento jurídico diferenciado entre a classe dos servidores públicos em geral e o membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais. Estes agentes públicos, que se situam no topo da estrutura funcional de cada poder orgânico da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, são remunerados exclusivamente por subsídios, cuja fixação ou alteração é matéria reservada à lei específica, observada, em cada caso, a respectiva iniciativa (incisos X e XI do art. 37 da CF/88). - O dispositivo legal impugnado, ao vincular a alteração dos subsídios do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de Estado às propostas de refixação dos vencimentos dos servidores públicos em geral ofendeu o inciso XIII do art. 37 e o inciso VIII do art. 49 da Constituição Federal de 1988. Sobremais, desconsiderou que todos os dispositivos constitucionais versantes do tema do reajuste estipendiário dos agentes públicos são manifestação do magno princípio da Separação de Poderes. Ação direta de inconstitucionalidade procedente” (STF, ADI 3.491-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Britto, 27-09-2006, v.u., DJ 23-03-2007, p. 71, RTJ 201/530). - g.n.
(...)”
“Ação direta de
inconstitucionalidade - sustentada inconstitucionalidade dos artigos 4º e 5º,
caput, §§ 1º, 4º e 5º, da Lei nº 11.600, de 09 de abril de 2008, em sua redação
original e na que foi dada pelo artigo 1º, I e II, da Lei nº 11.622, de 05 de
maio de 2008, do Município de Ribeirão Preto, que ‘Fixa os subsídios do
Prefeito, Vice-Prefeito, Secretários e Vereadores para a legislatura a
iniciar-se em 1º de janeiro de 2009 e dá outras providências’, e ‘Dá nova
redação ao parágrafo 4º e acrescenta o parágrafo 5º ao artigo 5º da Lei n°
11.600, de 09/04/08’, respectivamente - vedada é a vinculação do reajuste dos
subsídios do Chefe do Poder Executivo, do Vice, e de seus auxiliares diretos à
revisão geral anual do funcionalismo público municipal - é vedada a fixação dos
subsídios dos Vereadores em percentual dos subsídios dos Deputados Estaduais -
é vedada, ainda, a vinculação do reajuste dos subsídios dos Vereadores à
revisão geral anual do funcionalismo público municipal ou à alteração dos
subsídios dos Deputados Estaduais, eis que inalterável o valor daqueles durante
a legislatura, por força da reintrodução pela EC 23/2000, da chamada ‘regra da
legislatura’ aos parlamentares municipais - vedada é a instituição de décimo
terceiro subsídio a quem tem vínculo não profissional com a Administração
Pública - é vedada a expansão do subsídio como parcela única concebido, para
abranger valores excedentes à remuneração do mandato parlamentar estadual
(ajuda de custo, jeton, verba de gabinete e outras) violação dos artigos 1º,
111, 115, XI, XII e XV, 124, § 2º, 144 e 297, da CE - ação procedente,
assentando-se, ademais, a fim de que os Vereadores da atual Legislatura de
Ribeirão Preto não fiquem sem remuneração, que, a este título, na corrente
receberão o subsídio que vigorou na Legislatura anterior, obviamente que sem a
revisão anual e observados os limites estabelecidos no inciso VI, do art. 29 da
Constituição Federal” (TJSP, ADI 994.09.002644-6, Órgão Especial, Rel. Des.
Palma Bisson, 10-02-2010, v.u.).
“O Colendo Supremo Tribunal Federal já
assentou ser inconstitucional dispositivo de lei estadual vinculando a
alteração do subsídio do Governador, do Vice-Governador e dos Secretários de
Estado ao reajuste dos vencimentos dos servidores públicos. (...) ‘Mutatis mutantis’ a situação é a mesma
em se tratando de lei municipal que vincula a alteração do subsídio de vereador
ao reajuste do funcionário público municipal. Evidente a inconstitucionalidade
de dispositivo que prevê tal vinculação para o reajuste dos vereadores,
porquanto também nessa hipótese ocorre violação à ‘regra da legislatura’,
estatuída no artigo 29, VI, da Constituição da República. É o caso dos autos,
em que a edição de lei atrelando a revisão do subsídio dos vereadores ao
reajuste dos servidores municipais, ensejou alteração daquele na mesma
legislatura, pelos próprios parlamentares, que assim acabaram por legislar em
causa própria, em clara e inequívoca transgressão ao princípio da moralidade
administrativa, que a Constituição Federal consagra (artigo 37) e protege (art.
5º, LXXIII). Em suma, como bem anotou o parecer da douta Procuradoria-Geral de
Justiça, ‘Sendo que a remuneração deve ser fixada em cada legislatura para a
subsequente, não é tolerável a 'revisão anual dos subsídios',’ mesmo porque
‘Não faria sentido que, de um lado, a Carta Magna condicionasse a fixação dos
subsídios dos Vereadores a legislatura e, de outro lado, mantivesse para os
parlamentares, sem mais, a aplicação da regra geral do art. 37, X’ (fl. 501).
Por derradeiro, é oportuna trazer à baila vetusta decisão da Suprema Corte, da
lavra do Ministro Mário Guimarães, ao julgar o RE nº 25.793/SP, em 1º de agosto
de 1955, quando se decidiu que ‘Não podem as Câmaras Municipais alterar durante
o período do mandato, o subsídio de seus vereadores (...), colhendo-se desse
venerando acórdão citação sobre a matéria, que nos dias atuais tem inteira aplicabilidade
e está assim redigida: ‘João Barbalho, comentando o art. 46, da Constituição de
91, achava que deveria a fixação do subsidio ser antes da eleição, de modo que
se não soubesse quem queria o beneficiado - cautela que hoje consta da
Constituição de 46, e terminava suas considerações com a citação destas
palavras de Aristóteles, sempre oportuna entre nós - 'Combinai de tal forma
vossas leis e vossas instituições, que os empregos não possam ser objeto de um
cálculo interessado’ (V. Comentários à Constituição Federal Brasileira, pg.
235)’ (...)” (TJSP, II 161.056-0/0-00, Órgão Especial, Rel. Des. Mário Devienne
Ferraz, 13-08-2008, v.u.).
(...)”.
4.
DA
INEXISTÊNCIA DO DIREITO À REVISÃO GERAL ANUAL DOS SUBSÍDIOS PERCEBIDOS POR
PREFEITO, VICE-PREFEITO E SECRETÁRIOS MUNICIPAIS
Não bastasse, a Constituição Estadual não autoriza sequer a revisão geral anual dos subsídios dos agentes políticos, pois, esse direito – tal e qual previsto na Constituição Federal (art. 37, X) e na Constituição Estadual (art. 115, XI), é restrito aos servidores públicos em geral.
A solução dada ao tema pelo dispositivo impugnado - adite-se – vulnera, ainda, a legalidade e a moralidade administrativa (art. 111, Constituição Estadual).
Os agentes políticos não são servidores profissionais, e a eles não se dirige a garantia da revisão geral anual que, como se infere do art. 115, XI, da Constituição Estadual, violado pelas normas questionadas (reprodução do art. 37, X, da Constituição Federal), é direito subjetivo exclusivo dos servidores públicos e dos agentes políticos expressamente indicados na Constituição da República, ou seja, magistrados e membros do Ministério Público e do Tribunal de Contas, em virtude do caráter profissional de seu vínculo à função pública.
Assim, mostra-se indevida, por vício de inconstitucionalidade, a implantação da revisão anual operada pelo dispositivo impugnado nesta ação direta.
5. Pedido liminar
Diante do exposto, evidencia-se a presença do fumus boni iuris e do periculum in mora, determinantes da concessão da liminar para a suspensão da eficácia do preceito impugnado nesta ação direta.
O fumus boni iuris está amplamente demonstrado na fundamentação da presente petição inicial, a revelar a indisfarçável inconstitucionalidade do dispositivo ante apontado.
O periculum in mora reside no fato de que, mantida a eficácia do preceito legal questionado, despesas serão realizadas pelo Poder Público Municipal, as quais dificilmente serão revertidas aos cofres públicos, em função da alegação de boa-fé ou mesmo pelo caráter alimentar dos valores pagos.
À luz deste
perfil, requer a concessão de liminar para suspensão da eficácia, até final e
definitivo julgamento desta ação, do art. 2º, da Lei nº 4.373, de 09 de abril de 2012, do Município de Rio
Claro.
6.
Pedido
Face ao exposto, requer-se o recebimento e o processamento da presente
ação para que, ao final, seja julgada procedente para declarar a
inconstitucionalidade do art.
2º, da Lei nº 4.373, de 09 de abril de 2012, do Município de Rio Claro.
Requer-se, ainda, que sejam requisitadas
informações à Câmara Municipal e ao Prefeito Municipal de Rio Claro, bem como
citado o Procurador-Geral do Estado para se manifestar sobre os atos normativos
impugnados, protestando por nova vista, posteriormente, para manifestação
final.
Termos em que, pede deferimento.
São Paulo, 08 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca/ts
Protocolado nº 064.122/15
1. Distribua-se a petição inicial da ação direta de inconstitucionalidade em face do art. 2º, da Lei nº 4.373, de 09 de abril de 2012, do Município de Rio Claro, junto ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
2. Oficie-se ao interessado, informando-lhe a propositura da ação, com cópia da petição inicial.
São Paulo, 08 de julho de 2015.
Márcio Fernando Elias Rosa
Procurador-Geral de Justiça
aca